Portugal, Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos, Tunísia e novamente Portugal. É este o percurso do dinheiro que o Ministério Público (MP) acredita ter sido utilizado por Luís Filipe Vieira, num esquema de transferência de jogadores que, desde 2014, terá lesado o Benfica e o Estado português em vários milhões de euros. A investigação aponta para três negócios suspeitos: o dos paraguaios Derlis González e Claudio Correa e o do brasileiro César Martins. No total, o presidente do Benfica, agora com mandato suspenso – o “vice” Rui Costa assumiu ontem o cargo –, terá desviado quase 2,5 milhões de euros dos cofres do clube da Luz.
O MP, no despacho de pronúncia a que a VISÃO teve acesso, indica que o empresário de futebol Bruno Macedo terá atuado como “testa-de-ferro” de Luís Filipe Vieira em todos estes negócios – terá sido, aliás, através das entidades offshore controladas por Bruno Macedo que o dinheiro correu mundo até chegar, por fim, às mãos de Vieira e do seu filho, Tiago Vieira.
Luís Filipe Vieira, em representação da SAD do Benfica, e Bruno Macedo, dono da Springlabyrinth, Lda. (empresa criada em 2014), assinaram um acordo de colaboração para a compra e venda de jogadores. Foi neste âmbito que se concretizaram os negócios de Derlis González, Claudio Correa e César Martins, conduzidos pelo próprio Macedo. O empresário, sabe-se agora, controlava também as offshores Sports Funds (sediada nos Estados Unidos), Master Internacional (nos Emirados Árabes Unidos) e Trade In e STE International (ambas na Tunísia e localizadas na mesma morada).
Entre direitos desportivos, intermediação e comissões, o Benfica terá pago perto de 2,5 milhões de euros à Master Internacional, nos Emirados Árabes Unidos, que, por sua vez, transferiu a verba para a STE Internacional, na Tunísia. Noutro movimento, o Benfica pagou cerca de três milhões à Sport Funds, nos Estados Unidos, verba que, desta vez, foi transferida para a Trade In, também na Tunisía. A Trade In faria, depois, mais uma transferência, colocando todo o dinheiro na STE International, situada na mesma morada.
As empresas, controladas direta ou indiretamente por Bruno Macedo, foram instrumentalizadas para parquear verbas obtidas através da simulação de negócios, acredita o MP
Foi exatamente através da STE Internacional que os cerca de 2,5 milhões de euros regressaram a Portugal, com uma transferência dessa verba para a empresa Promotav, do universo de Luís Filipe Vieira. Bruno Macedo é o gerente desta entidade, mas o MP acredita, como é referido no despacho de pronúncia, que isso acontece “apenas para encobrir a atuação dos gerentes de facto, Luís Filipe Vieira e Tiago Vieira”. Segundo a investigação, Bruno Macedo será apenas um “testa-de-ferro” do presidente do Benfica.
A investigação considera que este circuito prova que todas “estas empresas, controladas direta ou indiretamente por Bruno Macedo, foram instrumentalizadas no sentido de nelas serem parqueadas verbas obtidas através da simulação de negócios, nomeadamente envolvendo a SL Benfica SAD, liderada por Luís Filipe Vieira”. O Estado português também sai lesado, uma vez que “os suspeitos quiseram ocultar tais verbas à administração fiscal”, refere o despacho, fugindo assim ao pagamento de impostos. O documento apresentado pelo MP conclui que Luís Filipe Vieira, Tiago Vieira e Bruno Macedo montaram um esquema de fraude, forjando documentos e simulando contratos “com o perfeito conhecimento das proibição e incriminação de tais condutas”.
Para além dos negócios envolvendo a transferência de jogadores, na mira da Justiça está também a OPA do clube sobre a SAD, travada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em maio do ano passado, por ser considerada ilegal, e que teria como objetivo beneficiar Vieira e José António dos Santos, através da criação de mais-valias de, pelo menos, 11 milhões de euros. A venda de 25% do capital social da SAD do Benfica a um investidor estrangeiro, nas “costas” da CMVM – igualmente para benefício do empresário e amigo do presidente do Benfica – também está a ser investigada.
Recorde-se que a detenção de Luís Filipe Vieira, José António dos Santos, Tiago Vieira e Bruno Macedo aconteceu na quarta-feira, na sequência da operação Cartão Vermelho – coordenada pelo juiz Carlos Alexandre, pelo procurador Rosário Teixeira e pelo inspetor tributário Paulo Silva – que incluiu buscas à SAD do Benfica, à sede do Novo Banco e a empresas ligadas ao universo empresarial de Luís Filipe Vieira e José António dos Santos, e que envolveram cerca de uma centena de elementos da PSP e da Inspeção Tributária.
Os quatro detidos estão a ser ouvidos no Tribunal Central de Instrução Criminal desde quinta-feira. Os interrogatórios prosseguem este sábado. As medidas de coação devem ser anunciadas pelo juiz Carlos Alexandre nas próximas horas.