Não é suposto eles virem para a rua gritar. Nem virem para as redes sociais pedir seja o que for. O que não quer dizer que não possamos ajudar a satisfazer as necessidades mais básicas, como fazer-lhes chegar uma garrafa de água, num gesto de solidariedade para com quem tem estado sempre na linha da frente. Em março, saímos à janela para os aplaudir, mas e depois? O que fizemos pelos nossos profissionais de saúde? Desde janeiro, com os hospitais à beira do colapso, surgiram vários movimentos para apoiar quem lá trabalha. É só escolher:
Socorrer a Linha da Frente

Foto: Diana Tinoco
A chuva cai fininha, mas não desarma, insistente. Nada que afaste a boa vontade de Diogo Branco, 22 anos, e Miguel Guimar, 23, que hão de carregar para o carro alguns dos bens que guardam no armazém da associação Socorrer a Linha da Frente, indiferentes aos pingos. Estão no colégio Amor de Deus, em Cascais, onde estudaram e se conheceram (e também aos outros dois fundadores), pois foi aqui que arranjaram um cantinho para arrumar as doações que têm recebido desde dia 21 de fevereiro, quando criaram a associação para ajudar os profissionais de saúde. Nunca pensaram que houvesse tanta falta de bens, mas depois de falarem com várias pessoas que trabalham em hospitais, chegaram à conclusão que era urgente dar uma mão.
Neste vão de escada, acomodam-se vários sacos, com cremes, gel de banho, produtos de higiene, garrafas de água, snacks, chocolates, sumos. Mas em Lisboa, no outro armazém que pediram emprestado ao Banco Alimentar, há refeições doadas através da aplicação Too Good to Go, nascida para combater o desperdício alimentar nos restaurantes. Esta plataforma uniu-se agora à associação para que, através desta ferramenta, se possam doar refeições, a baixo custo, que serão depois entregues por um dos voluntários nos hospitais da grande Lisboa.
A seguir a carregarem a mala da carrinha Mercedes, os amigos partem para o hospital Amadora-Sintra, aonde, pela primeira vez, deixam o que recolheram junto das pessoas que quiseram ajudar. Antes, ligaram a saber quais as reais necessidades do momento. Neste caso, por exemplo, a instituição não aceita refeições preparadas, só produtos não perecíveis, que são guardados, na hora da entrega, num enorme contentor azul – no dia seguinte, serão distribuídos pelas equipas Covid, sob enorme pressão, assegura a médica que faz a ponte, sem querer mais conversa. A comida confecionada guardam-na para entregar no Curry Cabral, mais perto da hora do jantar e depois da recolha nos restaurantes aderentes.

Foto: Diana Tinoco
A Socorrer a Linha da Frente começou por atuar na região de Lisboa, porque é onde a situação mais pede urgência e onde os seus fundadores se movimentam melhor. Isso não invalida o sonho de expandir a associação para o Porto e Coimbra, dois outros centros onde o quadro está complicado. Também dispõem de um NIB para onde se pode fazer transferências – só em dois dias juntaram 2600 euros. Com o dinheiro recolhido pretendem comprar material médico em falta, como estetoscópios ou oxímetros portáteis, que são “bens mais básicos, mas que causam algum impacto”, explica Manuel.
E depois, quando isto passar, contam continuar a reagir. “Gostávamos de trabalhar ao nível das consequências que a pandemia vai deixar nos profissionais de saúde e, por isso, já estamos a contactar psicólogos para nos ajudar. E também queríamos aproveitar os nossos conhecimentos para alavancar pequenos negócios”, aponta Diogo, cheio de planos.
Cama Solidária

Foto: Luís Barra
Benilde Nunes, 43 anos, sai do autocarro que a ajudou a vencer a subida da Avenida das Descobertas, desde Algés até à autocaravana que está estacionada muito perto do hospital São Francisco Xavier, no Restelo. Em cada mão transporta um saco de compras, daqueles reutilizáveis. E lá dentro estão potes de caldinho brasileiro de mandioca que esta cabeleireira, agora parada por culpa do confinamento, cozinhou durante toda a tarde para aquecer a alma dos profissionais de saúde. Quem recebeu os seus sacos foram os voluntários da Cama Solidária, um movimento que nasceu em janeiro e que teve um crescimento exponencial, desde que foi falado no direto Como é que o Bicho Mexe, que Bruno Nogueira faz regularmente no Instagram.
A ideia inicial era as autocaravanas que se enchem diariamente de doações servissem para os profissionais de saúde descansarem, mas com pouco mais de uma semana no terreno, os responsáveis por este movimento perceberam que o melhor era arranjar-lhes casas para esse fim, coisa que já aconteceu. As rulotes cedidas serviriam então para reunirem as doações antes de as levarem para dentro dos hospitais.
Quando chega a hora da entrega, ao final da tarde e antes de fecharem as portas às sete, surge uma carrinha da EMEL, mas não vem para multar. São dois voluntários da empresa camarária que ajudam a carregar os mais de 20 sacos cheios e que os levam para lá dos muros do hospital. Os fiscais estacionam à entrada do covidário e aguardam, com os outros voluntários da Cama Solidária, que cheguem as enfermeiras a empurrar um carrinho de tratamentos vazio. Hão de voltar com mais reforços, logístico e humanos, porque a mercadoria é muita.
Raquel Guerra, 34 anos, assume o papel de porta-voz para dizer que ficam de “coração cheio”, que estas dádivas lhes fazem falta. “É bom saber que as pessoas têm alguma consciência e se juntam para nos ajudar. Dá-nos muito alento” Daqui, os bens seguem para o serviço Covid e serão distribuídos pelos colegas, consoante as necessidades.

Foto: Luís Barra
Francisco Araújo, 21 anos, pega então numa carta enviada com alguns bens e lê-a às cinco enfermeiras que agora se juntam para o ouvir. A cerimónia segue com entrega de desenhos infantis que se transformam em agradecimento por esta luta diária.
A associação Socorrer a Linha da Frente já tem uma parceria com a Cama Solidária. “Estamos numa altura que o que importa é sermos eficazes, unindo todos os esforços”, nota Diogo. Falam constantemente uns com os outros, para avaliar aonde há mais necessidades e quais os bens em falta nos cinco principais hospitais aonde têm atuado: Santa Maria, Curry Cabral, Amadora-Sintra, Garcia da Horta e Cascais.
Vizinho Amigo
Na mesma lógica de sinergia, a Vizinho Amigo, nascida do primeiro confinamento para ajudar os grupos de risco e pessoas que não podiam sair de casa, acaba de se associar à Socorrer a Linha da Frente, garantindo que um grupo exclusivo de voluntários vai à porta de quem quer doar, sem vir para a rua.
A parceria ainda nem se concretizou no terreno, mas Martim Ferreira, 21 anos, um dos fundadores deste movimento solidário, não pretende ficar por aqui. Aliás, na semana passada já mostraram essa intenção à DGS e ao ministério da Saúde, declarando-se disponíveis para ajudar com tudo o que não inclua conhecimento médico. “Achamos que é urgente aproveitar a nossa vontade e mão de obra”, declara.
Os pedidos de recolha destes bens não são para tratar diretamente com eles, chegam-lhes através da associação a que se uniram. Mas, claro, se alguém os contactar para esse fim, farão tudo para que essa doação chegue aos hospitais.
Voluntários para o hospital de campanha
A Estrutura Hospitalar de Contingência em Lisboa, comumente tratada por hospital de campanha, localizada no Estádio Universitário da Universidade de Lisboa, perto do Santa Maria está, neste momento, a recrutar voluntários para ajudarem em questões alimentares, higiénicas e administrativas – tudo o que não esteja relacionado com atos médicos. A unidade foi inaugurada a 2 de fevereiro e tem capacidade para receber 150 doentes covid – atualmente estão lá internados 34.
Para se candidatarem, os voluntários devem preencher o formulário atestando que não têm menos de 18 anos e que já estiveram estado infetados com o vírus e por isso “com probabilidade de possuírem imunidade à infeção”, como se indica num comunicado da Universidade de Lisboa. Para assegurar a imunidade serão realizados testes serológicos aos candidatos, caso eles autorizem.
Cães, bolas de Berlim e roupa lavada
De facto, nesta altura os esforços estão todos apontados ao Sistema Nacional de Saúde. E tudo serve oara atenuar a exaustão dos profissionais dos hospitais. Por exemplo, a Vizinhos e Cãopanhia, que se dedica a passear os cães de quem não pode ou não deve sair de casa, agora estendeu os seus serviços a quem passa o dia a tratar de doentes covid. Na Bolíssima de Berlim voltaram a fazer uma campanha para que “consigamos todos em conjunto levar um momento diferente neste tempo de tempestade”, lê-se no Facebook da marca dedicada a produzir bolas de Berlim. Quem queira enviar um destes bolos a quem está na linha da frente, pode utilizar o código PORELES no site para receber automaticamente um desconto de 25 por cento.

A Food Trucks are Safe está de novo no terreno, desde as oito e meia da manhã de quinta-feira 4 de fevereiro. Esta campanha foi lançada em abril de 2020 e serviu cerca de 10 mil refeições a profissionais da linha da frente, em 15 ações de norte a sul do País. Agora, começou por estacionar em frente do Hospital Distrital de Santarém, mas vai voltar a andar por aí.
Luís Rato, mentor da iniciativa, explica que esta é a forma de retribuir aos profissionais de saúde “o
empenho e dedicação no combate a esta pandemia”. O chefe Chakall, seu aliado e ao volante da carripana, acrescenta: “Só conseguimos sair desta situação em conjunto, o esforço de cada um de nós conta. Não é
tempo de reclamar, mas sim de ajudar quem tem de lidar cada dia com esta pandemia.”
A aplicação Dona Rosa, serviço de recolha e entrega de lavandaria, engomadoria e limpeza a seco ao domicílio, na zona de Lisboa e Algés, está a oferecer o serviço de limpeza de roupa a todos os profissionais de saúde, com uma janela exclusiva de entregas e recolhas de roupa, das 19h-20h todos os dias. Aqueles que estejam interessados em utilizar estes serviços devem enviar uma mensagem para geral@appdonarosa.com ou para o WhatsApp 938 693 832. Eis a justificação dos fundadores da empresa, Tomás Noronha e Rodrigo Ruiz: “Esta foi a forma de podermos agradecer a todos os que, diariamente, enfrentam esta situação, pelo esforço demonstrado e que deposita em nós uma grande esperança por melhores dias.”
Ao estarem fechados, os cinemas UCI, situados nos El Corte Inglés de Lisboa e Porto, mostraram à ARS Lisboa e Vale do Tejo e do Norte a sua disponibilidade para servirem de salas de vacinação. Até agora, ainda não tiveram resposta, mas vão sugerir o mesmo em Espanha, Itália e Alemanha.

Foto: Luís Barra