Mentira tem perna curta. Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo. A mentira não vai longe. Ou, mais figurativo, onde há fumo há fogo. Não faltam ditados na sabedoria popular a alertar para o que hoje é possível identificar de forma científica. Ou seja, numa situação de inverdade, há sinais que até podem passar despercebidos, mas analisados ao detalhe revelam mais do que desejaríamos sobre determinado assunto.
É um assunto a que a ciência se dedica há anos, procurando formas de identificar se uma pessoa está ou não a ser sincera – e a resposta para essa dúvida está na observação minuciosa dos gestos. Na chamada linguagem corporal. Para os especialistas, não há dúvidas: é mais fácil mentir com as palavras do que o corpo. Como quem diz, os gestos e a postura corporal podem indicar contradições entre aquilo que alguém diz e o que se manifesta no seu comportamento.
Eis então os ensinamentos de alguém a quem já chamaram detetor de mentiras humano. Falamos de Rui Mergulhão Mendes, de 52 anos, especialista em linguagem corporal, que já deu formação a forças de segurança, profissionais da área da justiça, da banca, da política…. Mais recentemente, foi várias vezes chamado a comentar alguns dos mais recentes casos de polícia – de Rosa Grilo, à filha adotiva da professora do Montijo à jovem estudante do ISCTE assassinada pelo colega. “A grande questão é que não estamos preparados para mentir” sublinha. “Daí que, de forma inconsciente, o nosso corpo acaba por dizer muitas outras coisas sem querer.”
Expressões universais
Em regra, sabemos que um mentiroso não reproduz situações e acaba por, de uma maneira ou outra, proteger o corpo em situação de desconforto. Mas comecemos pelo princípio. Pela face.
“Há expressões de sentimentos que são universais. Medo, alegria, tristeza, aversão, raiva, surpresa, desprezo.. São revelados pelos 40 músculos da nossa cara. É por isso que podemos não saber o que está aquela pessoa a pensar, mas sim o que está a sentir”. Ou seja, o sorriso até pode soar a verdadeiro, mas se em momentos-chave a pessoa desvia o olhar isso pode querer dizer que não está confortável com o que se está a passar. “Claro que isso pode acontecer em outros momentos. O contexto faz sempre parte deste tipo de análise”, esclarece Rui Mergulhão Mendes.

Há ainda outros indícios. Por exemplo, quando alguém fica a suar das mãos, em momentos controversos. “Seja qual for a verdade dos factos, o certo é que há ali um momento de desconforto,” segue o especialista. Depois, se já se dilataram as pupilas e a respiração acelerou, então não deixe passar. Pode também notar uma necessidade do interlocutor em ajeitar o colarinho e isso, claro, é outro sinal.
“Com o aumento do ritmo cardíaco e da circulação do sangue a pessoa tende a sentir-se apertada”, traduz novamente Rui Mergulhão Mendes. E há, claro, a voz, que se altera no discurso do mentiroso. Este tanto pode perder o pio, a meio da frase, como passar a falar de forma mais pausada – como se quisesse ganhar tempo para pensar no que dizer a seguir. Mais? Repare por exemplo se há momentos em que o seu interlocutor não resiste a passar a língua pelos lábios, como se quisesse contrariar uma sensação de secura. Isso pode também querer dizer que está numa situação de stress – e pouco confortável com isso.
‘Nunca faria?’ ou ‘Não fiz’?
E o que tem isto tudo a ver com a pandemia, pergunta – e bem! – o leitor? Bom, se andamos com a cara mais tapada e falamos muito por ecrãs – do Whatsapp ao Zoom – então toda a atenção para não ser enganado é pouca.
Ou, como sublinha Rui Mergulhão Mendes, a solução passa por estarmos mais atentos a outros sinais, que não só o sorriso, tantas vezes enganador. O olhar, a postura do corpo, a linguagem e a voz não podem ser de todo descurados.”
O mais comum no mentiroso? “Quando diz: ‘nego por completo’. Ou ‘nunca faria isso’.” A explicação é simples: basicamente, devemos desconfiar porque o outro alguém revela uma necessidade de reforçar a negativa. No outro caso, é porque não nega efetivamente o feito. “Afirmar ‘nunca faria’ não é o mesmo que dizer “não o fiz.” Certo?