Que a privação do sono pode conduzir à morte é um facto comprovado em animais, mas a Ciência nunca conseguiu explicar porquê. Um estudo da Universidade de Harvard vem agora indicar que as causas da morte podem ter origem, não no cérebro nem em infeções bacterianas nem nas alterações de temperatura corporal, como tem sido sugerido ao longo dos tempos, mas num desequilíbrio químico ao nível do intestino.
A inesperada conclusão é de uma equipa de investigadores do departamento de Neurobiologia da Escola de Medicina de Harvard, que recorreu a moscas da fruta como cobaias para tentar desfazer o enigma. Ao privá-las do sono, os cientistas detetaram uma acumulação anormal no intestino de espécies reativas de oxigénio, compostos químicos que provocam stresse oxidativo no organismo e danificam o DNA. Todos os animais que morreram (por volta do dia 20) revelaram estas alterações e, ao mesmo tempo, todos os que foram tratados com antioxidantes conseguiram sobreviver.
“Procurámos em todo o corpo por danos causados pela privação do sono e ficámos surpreendidos por descobrir que o intestino desempenha um papel chave na causa da morte”, afirma Dragana Rogulja, uma das responsáveis pelo estudo, na página oficial da Escola de Medicina de Harvard. “Mais surpreendentemente ainda, descobrimos que a morte prematura pode ser evitada. Sempre que neutralizámos as espécies reativas de oxigénio no intestino, conseguimos salvar as moscas.”
Testes posteriores realizados em ratos de laboratório mostraram igualmente mudanças significativas nos mesmos parâmetros, ao fim de cinco dias de privação do sono.
Em humanos, estão bem documentados os primeiros sinais decorrentes de noites passadas em claro – dores de cabeça, alterações de humor, problemas de concentração – e os que surgem numa fase mais severa – insuficiência cardíaca, hipertensão, diabetes, obesidade, depressão, alucinações, falhas de memória -, mas é quase nulo o conhecimento sobre as causas de uma morte, devido à óbvia impossibilidade de realizar estudos nesse sentido.
Uma pesquisa publicada em 1989 por Allan Rechtschaffen, um prestigiado investigador do sono da Universidade de Chicago, concluiu que os ratos de laboratório sucumbiam ao fim de duas a três semanas sem dormir. Percebeu-se que os animais comiam mais, mas perdiam peso, que repor a temperatura corporal não os salvava, que ficavam mais susceptíveis a infeções devido a falhas no sistema imunitário, mas não foi possível determinar uma causa definitiva para a morte.
A descoberta dos cientistas de Harvard, publicada no jornal científico Cell, pode abrir novos caminhos no tratamento dos problemas do sono (em Portugal afetam mais de metade da população). É pelo menos essa a expetativa entre os investigadores, que prometem dar seguimento às conclusões agora apresentadas. “Ainda não sabemos porque é que a privação do sono provoca a acumulação de espécies reativas de oxigénio no intestino e o que a torna letal”, nota Kaplan Dor, outro autor do estudo. “A privação do sono pode afetar diretamente o intestino, mas o gatilho também pode estar no cérebro. E a morte tanto pode dever-se a danos no intestino, a efeitos sistémicos ou a uma combinação de ambos.”