Quando um não quer, dois não brincam. No princípio, não se leva a sério, mas passado o período experimental da lua de mel e com as maçadas quotidianas, lidar com a discrepância do desejo sexual começa a pesar e a criar ondas de choque na relação. O que fazer com a pedra no sapato da viagem a dois, que se quer longa e de boa saúde? Variações de disposição todos têm, a maneira de lidar com isso é que não é a mesma. Nos últimos anos, os estudos internacionais confirmam uma realidade antiga, experimentada por homens e mulheres: elas até podem querer mais que o parceiro, sem que tal se traduza no aumento de dos níveis de insatisfação. Já o contrário, bem mais comum, compromete, e muito, o ‘mood’ deles, que subscrevem inteiramente o imortalizado (I Can´t Get No) Satisfaction, esse grito de revolta em formato de canção, nos anos 1960, dos The Rolling Stones.
Quando o caso se torna suficientemente problemático e o casal procura ajuda, o mais certo é ficar surpreendido ali mesmo, na consulta de sexologia. “Quando perguntamos com que frequência têm as suas relações sexuais, verificamos que a discrepância percebida é maior que a real”, nota Ana Alexandra Carvalheira, psicóloga e investigadora do William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário. O que é que isto quer dizer? “Por exemplo, ele diz que têm duas vezes por mês ou ‘nem isso’, ela diz que é ‘pelo menos uma vez por semana’, ou seja, o que é muito para um, parece pouco para o outro.” Chama-se a isto “desajustamento erótico”, ou desencontro de perceções. Isso pode não acabar com um relacionamento sólido mas, à medida que o tempo passa, incomoda e causa desgaste.
Vitamina conjugal
Um estudo publicado no ano passado no European Journal of Aging, que envolveu uma amostra de 2695 casais heterossexuais com idades entre os 60 e os 75 anos, em quatro países (Noruega, Dinamarca, Bélgica e Portugal), revela que o aumento da discrepância no desejo sexual corresponde à diminuição na satisfação sexual. Segundo a investigadora, que participou neste estudo, os resultados obtidos confirmam o papel da satisfação sexual no envelhecimento bem sucedido de homens e mulheres, “com exceção das mulheres belgas”.
A prática sexual pode ter uma função ansiolítica, induzir o sono e contribuir para a nossa recuperação
Ana Alexandra Carvalheira, psicóloga e investigadora
Outro dado a assinalar: a relação entre as duas variáveis foi um pouco mais forte nos homens, indo ao encontro da “observação repetida de que os homens apontam o sexo como mais importante do que as mulheres”. Sentir-se sexualmente satisfeito é mais do que uma faceta do “bom” envelhecimento, funcionando como preditor de que tudo vai correr bem ao longo da jornada a dois.
Ajustar-se em tempo de pandemia
Se é normal existirem diferenças de motivação na intimidade, falar sobre elas também pode sê-lo, até pelos ganhos mútuos em colocar em cima da mesa as necessidades e os estímulos eróticos de cada um e compreender os fatores que perturbam o desejo.
Acrescente-se o novo coronavírus, que desde o início de março marcou presença nas nossas vidas e rotinas, públicas e privadas, e a pergunta é incontornável: o que facilita ou complica o ajustamento dos casais às variações do interesse sexual em tempos de pandemia?
As preocupações com a doença podem comprometer a disponibilidade para o sexo mas este pode igualmente ser uma via para aliviar o stress. Em bom rigor, especialmente no caso das mulheres, há que mudar de paradigma: “A prática sexual pode ter uma função ansiolítica, induzir o sono e contribuir para a nossa recuperação”. Basta pensar que, do ponto de vista biológico, vigora a lógica use it or lose it: “Desinvestir no sexo, a solo ou em casal, diminui o interesse e o desejo, até a testosterona diminui”.
A pesquisa que começou a ser feita com inquéritos online em sete países da União Europeia (Suécia, Portugal, França, Alemanha, Croácia, Holanda e República Checa) tem por meta “analisar o impacto da pandemia na sexualidade e intimidade emocional de casais heterossexuais em relações de longa-duração (casados e em coabitação)”, afirma Ana Alexandra Carvalheira, que faz parte da equipa, juntamente com o investigador Pedro Nobre, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e presidente da World Association for Sexual Health. A informação recolhida será tratada de forma anónima e confidencial.
O inquérito para participar tem um tempo estimado de resposta de sete minutos e pode aceder neste link.