Em tempo de confinamento – apesar de caminharmos já para o levantar do estado de emergência no próximo dia 2 de maio – ligar para o hospital, marcar uma consulta e esperar pelo telefonema ou pela vídeochamada do médico parece ser uma boa solução para resolver casos menos agudos ou alguma urgência inesperada. O pior é na hora de pagar, pelo menos para 1,2 milhões de pessoas, total de beneficiários da ADSE, o subsistema de saúde do Estado.
Habitualmente, num hospital privado, uma consulta de especialidade do regime convencionado custa €18,46 – ao doente são cobrados €3,99 e os restantes €14,47 pagos pela ADSE. O que está a acontecer neste momento nas teleconsultas de alguns dos prestadores privados, pelo menos de três grandes grupos de saúde portugueses, CUF, Lusíadas e Luz, que a VISÃO contactou, é que a totalidade do valor da consulta (€18,46) está a ser cobrada ao doente.
Como refere a Nota Informativa de 7 de abril, publicada no site da ADSE, no seu ponto n.º 9: “O valor da teleconsulta é idêntico ao da consulta presencial, sendo aplicáveis os mesmos valores de financiamento pela ADSE e pelo beneficiário.” E acrescenta nos dois pontos seguintes: “Cada beneficiário pode utilizar duas teleconsultas por mês”; “A ADSE não procede ao reembolso de teleconsultas efetuadas em regime livre [prestador sem convenção]”.
“Estamos num país livre e os prestadores podem ou não aceitar. Mas, como representante dos beneficiários vejo esta situação com preocupação”, diz à VISÃO Eugénio Rosa, membro do conselho diretivo da ADSE, eleito pelos representantes dos beneficiários. “Neste momento são 52 os prestadores privados com teleconsultas, mas os grupos CUF, Lusíadas e Luz não aderiram e estão a faturar a totalidade do valor ao beneficiário. Bastava-lhes ter preenchido um formulário [disponível no site da ADSE] e ser-lhes-ia atribuído um código para depois faturarem a teleconsulta”, explica Eugénio Rosa.
O mecanismo de adesão à convenção proposto pela ADSE é excessivamente burocrático e, dessa forma, extremamente penalizador para cidadãos, médicos e serviços administrativos hospitalares
Associação Portuguesa de Hospitalização Privada
A plataforma esteve disponível para os prestadores solicitarem os códigos no dia 9 de abril e para iniciarem a faturação no dia 14 de abril. Segundo a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), “as teleconsultas não constavam da tabela do regime convencionado e só muito recentemente a ADSE criou um regime específico, para o qual se exigia a solicitação dos prestadores privados de saúde. Tanto quanto é do conhecimento da APHP, a maioria dos prestadores não terá feito tal solicitação. Como oportunamente comunicamos à tutela, o mecanismo de adesão à convenção proposto pela ADSE é excessivamente burocrático e, dessa forma, extremamente penalizador para cidadãos, médicos e serviços administrativos hospitalares. Com a generalidade das seguradoras, as teleconsultas têm decorrido nos termos acordados”, responde por escrito à VISÃO.
“Se há casos em que a totalidade do valor da teleconsulta, €18,46, está a ser cobrado ao beneficiário, isso pode significar que o prestador não quis aderir à convenção com a ADSE. Nesses casos, o prestador deve avisar o beneficiário da situação, antes da teleconsulta. Como estas consultas não são reembolsadas pela ADSE em regime livre significa que o total do encargo é pago pelo beneficiário. As situações em que o beneficiário não foi devidamente informado das condições em que a teleconsulta tem lugar devem ser reportadas à ADSE”, faz saber fonte do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública.
Mas, em todo este processo a burocracia não foi apenas exigida aos prestadores privados, também os beneficiários que pretendam uma teleconsulta têm de preencher um formulário do qual conste uma série de dados pessoais. Se tal não é necessário para as consultas médicas presenciais, porque haveria de ser para as teleconsultas? Ora enquanto a burocracia não diminuir e o processo não se tornar mais simples será o doente, cidadão e contribuinte, a pagar a fatura, 14 euros mais cara.