Uma espécie de fórmula mágica está a espalhar-se como o segredo para a perda de peso: 75/20/5. Quer isto dizer que para largar os quilos a mais, e rapidamente, as calorias de que o corpo precisa para trabalhar devem ter a seguinte proveniência: 75% da gordura, 20% das proteínas e só uma percentagem residual, uns míseros 5%, fica por conta dos hidratos de carbono. Esta inversão da ordem natural das coisas – eliminar os açúcares, ou hidratos de carbono, como fonte principal de energia, para obrigar as células a irem buscar os seus alimentos às gorduras, incluindo as acumuladas nos pontos negros da anatomia – é a principal premissa da dieta cetogénica (ou keto, que vem do inglês ketogenic).
Lá em Hollywood, nos Estados Unidos da América, onde começam quase sempre as modas de estilo de vida, tornou-se a dieta mais popular, segundo apurou a associação nacional de nutricionistas do país. Muito por conta da propaganda feita pelas gurus do costume: as manas Kardashian, a ex-atriz tornada vendedora de banha-da-cobra Gwyneth Paltrow e todos os seus devotos seguidores. Também não faltam grupos de Facebook e blogues com relatos entusiásticos de quem perdeu uma dúzia de quilos num par de meses. Mas, nesta matemática, um mais um pode bem ser igual a três.
Truques que ajudam a manter a dieta
Seja ela cetogénica ou outra qualquer
Regular o sono, por exemplo, é uma parte importante de qualquer regime
Manter um registo da comida, para que os snacks não passem despercebidos
Beber muita água: ajuda a encher o estômago, evita encher-se demasiado e faz com que coma menos snacks
Dormir bastante, o que regula os ciclos normais de produção de hormonas e ajuda a reduzir o stresse
Lúcia Agapito, 32 anos, “converteu-se” no primeiro dia do mês de junho do ano passado. Natural de Albufeira, nunca tinha tido problemas de peso até se ter mudado para Inglaterra, há sete anos. Ao fim de 12 meses no país, onde o prato típico de peixe são panados com batatas fritas, ganhou dez quilos. Experimentou várias dietas, mas nunca mais conseguiu voltar aos habituais 50 quilos. “O melhor que consegui foi perder cinco quilos. Mas rapidamente voltei a aumentar de peso, chegando aos 65”, conta, numa conversa telefónica. Depois de muito pesquisar, de ler estudos, espreitar receitas, consultar grupos ou ver documentários, convenceu-se a mergulhar no mundo keto. Eliminou os alimentos processados, com muito açúcar adicionado, da lista de supermercado, deixou de comprar pão – “o que em Inglaterra não custa assim tanto” – e abasteceu-se de ovos, bacon, queijo, frango, brócolos e couve-flor.
Nos primeiros dois meses, cumpriu o regime à risca e reduziu a ingestão de hidratos de carbono a um máximo de 20 gramas por dia. “Nem fruta comia.” Chegou às férias, em agosto, com menos dez quilos. Aí, aligeirou a dieta e voltou a incluir bananas e tangerinas, sempre sem exceder os 100 gramas de açúcares diários, adotando a versão low carb, ou baixo teor de hidratos de carbono. Já está tão habituada que nem precisa da aplicação de contabilização de nutrientes a que recorreu nos primeiros tempos. “Não foi complicado fazer a transição. No início, sentia falta de comer doces, mas ao fim de três semanas já nem olhava quando passavam por mim no escritório”, conta.
Benefícios e problemas
São ainda incertos os efeitos negativos da keto a longo prazo, embora seja muito eficaz na perda de peso
Contras
Incerteza relativamente aos efeitos a longo prazo e em pessoas com doença renal ou de fígado
Exige acompanhamento por médico e nutricionista, com adaptações ao nível individual, para que sejam prevenidos males maiores
Regime difícil de seguir, podendo causar sintomas como fome, fadiga, irritabilidade, obstipação, dor de cabeça e confusão mental
Pode ocorrer deficiência nutricional, em particular de vitaminas e minerais, decorrente da eliminação de determinados alimentos, como a fruta e os cereais integrais
Risco de pedra no rim, osteoporose e ácido úrico
Prós
Grande eficácia na perda de peso e na melhoria a curto prazo de parâmetros como o colesterol, pressão arterial e açúcar no sangue
Bons resultados em pessoas que já experimentaram outras dietas para perder peso, sem terem sido bem–sucedidas
Demonstrado o seu efeito na diminuição de crises epiléticas
Às vezes, comete umas pequenas “infrações” e come um hambúrguer, “com pão e tudo”, e permite-se “descarrilar” durante as férias em Portugal. “No Natal, comi arroz quase todos os dias e notei logo os efeitos. Mas depois de voltar ao low carb, recuperei facilmente.” Além de notar na balança, Lúcia Agapito sente mais energia, maior concentração, a pele tornou-se menos oleosa e até a voz e os dentes se tornaram mais limpos.
Melhor do que medicamentos
Foi precisamente para tentar resolver uma questão de saúde que esta dieta apareceu. No início do século passado não havia qualquer medicamento disponível para tratar a epilepsia, uma doença que afeta cerca de 1% por cento da população. Naquela altura, percebeu-se que durante o jejum as crises diminuíam. Isto acontece porque, na ausência de glicose no sangue – a molécula energética por excelência –, o corpo entra num estado de cetose, em que os lípidos, ou gorduras, passam a ser transformados, dando origem aos compostos chamados corpos cetónicos, que também podem ser usados, pelas células, como fonte de energia. Quando está ativada esta via alternativa de alimentação das células cerebrais, e em alguns tipos de epilepsia, é possível controlar os ataques.
O aparecimento de medicamentos eficazes no tratamento da doença levou a um abandono da dieta cetogénica, mas nos últimos anos voltou a ser vista como uma forma de tratar outros problemas de saúde, como refere o médico Marcelo Campos, num artigo da Harvard Medical School. “Há evidência sólida de que uma dieta cetogénica reduz os ataques em crianças, por vezes de uma forma tão eficaz como a medicação. Devido a estes efeitos neuroprotetores, tem sido levantada a hipótese de esta também resultar no tratamento de outras patologias cerebrais, como Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, autismo e até cancro do cérebro. No entanto, não há estudos em humanos que o demonstrem”, escreve o especialista em medicina funcional.
Para Luciano Bruno, nutricionista-estrela brasileiro, o seu caso e o das centenas de pacientes que acompanha é prova suficiente de que uma alimentação pobre em hidratos de carbono contribui para diminuir a inflamação em doenças autoimunes. Autor de vários livros sobre alimentação, o nutricionista é o seu próprio estudo de caso. Quando se viu limitado e em estado de dor permanente por causa de uma espondilite anquilosante (um tipo de artrite que afeta as articulações da coluna), difícil de controlar com a medicação, Luciano virou-se para a despensa, eliminou todos os farináceos e encheu as prateleiras de frutas e vegetais. Hoje, pratica um regime alimentar semanal, que tem por base a dieta cetogénica, com ou sem proteína animal, e o jejum intermitente. À VISÃO garantiu ser suficiente para controlar os sintomas da doença. “Num ano, recuperei praticamente de todas as lesões. O meu reumatologista ficou incrédulo”, assegura.
A última do ranking
Desde os anos 60, quando o cardiologista Robert Atkins passou a promover este regime alimentar, pobre em hidratos de carbono e rico em gordura, como forma de perder peso, que a sua popularidade tem vindo a aumentar. No fundo, com mais abacate e menos batata, o que se tenta criar no organismo é um estado semelhante ao do jejum, para obrigar ao consumo da massa gorda. Prevê-se que, ao fim de quatro dias, o corpo entre no tal estado de cetose e a partir daí é sempre a perder. À VISÃO, a nutricionista Ana Bravo confirma a popularidade deste regime, sobretudo entre pessoas que querem perder peso rapidamente. “O apetite está normalmente bem controlado, ou mesmo suprimido, por efeito direto das proteínas, dos corpos cetónicos e dos níveis hormonais que regulam a fome.”
“Nos primeiros tempos, sem hidratos, a pessoa pode até sentir uma espécie de síndrome de abstinência, como se estivesse a largar uma droga. Dores de cabeça, tonturas e irritabilidade são alguns dos sintomas, classificados como ‘a gripe keto’”. E é mesmo verdade que os números na balança vão diminuindo vertiginosamente. “Os estudos mostram que ocorre uma perda de peso mais rápida, quando os pacientes fazem uma dieta cetogénica ou baixa em hidratos de carbono, comparando com uma dieta mais tradicional, baixa em gorduras, ou mesmo com a mediterrânica. No entanto, esta diferença parece desaparecer ao longo do tempo”, sublinha Marcelo Campos. Ou seja, manter o peso é que é a grande questão.
Por se tratar de um regime muito restritivo, torna-se muito difícil segui-lo à risca e por um longo período de tempo. Esta é uma das principais razões para aparecer em último lugar – em 35º– no ranking elaborado todos os anos pela organização noticiosa norte-americana US News & World. “Pode ser um desafio seguir uma alimentação muito rica em gordura. Manter-se satisfeito com uma variedade limitada de alimentos, com restrição de alimentos saborosos, como uma maçã crocante ou uma batata cremosa, pode ser difícil”, sublinha-se num artigo da escola de saúde pública de Harvard. Na lista, elaborada por um painel de 25 especialistas, surge à cabeça, pelo segundo ano consecutivo, a dieta mediterrânica. E em 35º a cetogénica – que surge, no entanto, em terceiro lugar na categoria Perda Rápido de Peso.
Outra questão que preocupa os especialistas é o facto de neste regime se eliminar alimentos com sólida reputação de fazerem bem à saúde, como a fruta, alguns vegetais, leguminosas e cereais integrais. Estudos a longo prazo, baseados sobretudo em doentes epiléticos que seguiram a dieta, apontam para um risco aumentado de pedra no rim, osteoporose, ácido úrico, além de uma possível deficiência de certos nutrientes. Num parecer da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN), publicado na revista Nutrícias, diz-se que “tal como noutras terapias, a dieta cetogénica não é isenta de efeitos laterais. Desidratação, hipoglicemia, obstipação, recusa alimentar, litíase renal [pedra no rim], hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, atraso de crescimento, entre outros, são alguns dos efeitos laterais observados”. Mesmo assim, sublinha-se, estes problemas não obrigam à interrupção do tratamento. “Desde o surgimento da dieta cetogénica clássica, têm surgido outras alternativas à mesma, com o objetivo de a tornar menos restritiva, mais fácil de implementar e cumprir.”
Uma das estratégias pode passar pela adição de suplementos, sendo considerada pela APN uma “hipótese no tratamento da epilepsia refratária a outras terapêuticas”. Lúcia Agapito está muito consciente dos riscos, em particular da ausência de estudos a longo prazo. Mas, para já, só sente vantagens, que se traduzem nas análises, suas e do namorado, que a acompanhou na mudança de hábitos alimentares. Ao fim de um mês, deixou de sofrer de hipertensão e passou a ter todos os valores dentro dos parâmetros. “Mais do que pela questão do peso, foi pela minha saúde que mudei.”