Ao interesse que o americano Sandor Ellix Katz, 57 anos, tem hoje pela fermentação não pode ser alheia a quantidade de pickles que comeu, com imenso gosto, em criança. Claro que na altura não pensava nesse petisco como a génese do seu futuro, mas na realidade foi isso que veio a acontecer.
Só mais tarde, nos seus vintes, quando passou a seguir uma dieta macrobiótica – que põe muito ênfase na digestão – pensou na forma como os pickles e outros fermentados ajudam nesse processo. “De facto, quando comia pickles, eles ativavam as minhas glândulas salivares e isso representava um benefício para a minha saúde.”
Foi então que decidiu investigar como poderia fermentar comida. Em 1993, mudou-se de Nova Iorque, onde nasceu, para uma comunidade rural no Tennessee, e ocupou-se das hortas. Só então se apercebeu, pois até aí apenas estudara História na faculdade, que todas as couves estavam prontas para serem colhidas na mesma altura. Procurou, por isso, preservá-las, aprendendo a fazer chucrute. “Fiquei admirado de ser tão simples e, ainda por cima, soube-me mesmo bem.” A seguir, arriscou o mesmo método com outros legumes, e mais tarde começou a fazer iogurtes e também aprendeu a produzir vinho. Por fim, dedicou-se ao pão com massa mãe. “E então nasceu a minha obsessão pela fermentação.”
Primeiro, atirou-se à prática, desenvolvendo inúmeros testes, numa sucessão de tentativas e erros. Depois, quando começou a ser solicitado para dar workshops um pouco por todo o mundo, e a ter de responder a perguntas dos seus alunos mais curiosos, viu-se obrigado a investigar e a documentar-se como deve ser. Tinha de se certificar de que as bactérias e micróbios presentes nos vegetais, e requisitadas para a fermentação, são sempre benéficos – a essa conclusão chegou por não haver registo de alguém, alguma vez, ter ficado doente por comer vegetais fermentados.
Não há nada que não possa ser fermentado e tudo está apto a ser produzido em casa – do queijo aos iogurtes, passando pelo pão, vinho ou cerveja. No entanto, e apesar dos benefícios, Sandor não se alimenta só disso. “Adoro peixe grelhado e fruta fresca, por exemplo.” O facto de ter vindo a Portugal deu-lhe oportunidade para dar largas a estes seus gostos gastronómicos.
Mas sabe de cor, espaldado por estudos científicos que diz dominar, o bem que fazem os alimentos que se sujeitam a este processo de preservação. “A pré-digestão fica facilitada, porque os nutrientes são quebrados pela fermentação, como a lactose, as proteínas ou o glúten. E os minerais tornam-se mais facilmente acessíveis”, explica. Ao mesmo tempo, a maioria das comidas e bebidas fermentadas tem níveis superiores de vitaminas do complexo B, por exemplo.
COMO FERMENTAR EM CASA
Para se iniciar uma experiência caseira, sempre com paciência, porque este processo requer tempo, deve começar-se por fermentar legumes, pois são os alimentos mais seguros. Pode ser qualquer vegetal, desde que cru, como couves, cenouras, nabo ou beterrabas. Sandor dá as dicas:
– Cortá-los em pedaços pequenos ou ralá-los
– Salgá-los ligeiramente
– De seguida, misturá-los bem
– Se quiser, pode temperá-los a gosto com alho, por exemplo
– Espremê-los com as mãos para soltarem o seu sumo, pois é nesse líquido que vão fermentar
– Pô-los num frasco, pressionando-os bem, de forma a que o sumo fique a protegê-los da entrada de oxigénio. De vez em quando, deve repetir-se este acondicionamento
– Tapar o frasco, sem vedar completamente
– Em alguns casos, e dependendo do tempo, ao fim de três dias os legumes já estarão fermentados, mas quanto mais se mantiverem assim, mais forte se tornará o sabor
Se tiver vontade de arriscar por caminhos mais profundos, a bíblia de Sandor E. Katz está traduzida para português (Os Segredos da Fermentação, Lua de Papel, €18)
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