“Aqui estão os links que me pediram – envolvam-se. Precisamos de um exército!”. Publicado nesta segunda-feira, 11, na página de Facebook antivacinas “Dr. Tenpenny on vaccines”, seguida por 219 mil pessoas, este apelo à participação em massa não é mais do que um exemplo do efeito de câmara de ressonância que está a preocupar as autoridades de saúde: a força crescente do movimento antivacinação nas redes sociais, através da partilha de informação falsa e alarmista sobre supostas consequências nocivas das vacinas. É hora da empresa de Mark Zukerberg tomar medidas, reclamam.
O “exército” está a aumentar de tal maneira que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a resistência à vacinação “uma das dez maiores ameaças” para a saúde pública em 2019. “Neste momento, a vacinação previne dois a três milhões de mortes por ano, e mais 1,5 milhões podem ser evitadas se a cobertura global melhorar”, indica a OMS. O aumento em 30% dos casos de sarampo, a nível mundial, ainda que não possa ser totalmente explicado com a renúncia à vacinação, é apontado como exemplo dos riscos subjacentes a essa opção.
A associação de pediatras americanos e a associação de saúde pública sem fins lucrativos Royal Society, do Reino Unido, alertam para a necessidade de conter estes movimentos que proliferam em grupos fechados e abertos no Facebook. Ao contrário do que acontece em Portugal, onde a taxa de vacinação permanece elevada e dentro dos padrões recomendados (95% da população até aos sete anos, segundo dados da Direção-Geral de Saúde), no Reino Unido a percentagem de vacinados tem vindo a baixar nos últimos quatro anos, situando-se agora nos 87%.
A pediatra Wendy Sue Swanson, porta-voz da American Academy Pediatrics, deu conta do problema a responsáveis do Facebook e, citada pelo jornal The Guardian, insta a rede social a tomar medidas de contenção para “lidar com a ameaça à saúde humana” em forma “de mentiras e desinformação partilhadas” entre os utilizadores: “Isto não é apenas automutilação, causa danos à comunidade.”
Um estudo da associação britânica Royal Society, divulgado no final de Janeiro, ilustra isso mesmo. Metade dos pais britânicos com filhos até aos cinco anos são expostos a “mensagens negativas sobre vacinas nas redes sociais”, surgindo “o medo dos efeitos secundários como a principal razão para a opção de não os vacinar”.
A tese de que a vacina do sarampo causa autismo, defendida na década de 1990 pelo médico britânico Andrew Wakefield e já amplamente desacreditada, continua a ser difundida entre os céticos das vacinas. É dada como válida, por exemplo, pela osteopata norte-americana Sherri Tenpenny, administradora da página “Dr. Tenpenny on vaccines”, e por Barbara Loe Fischer, que perdeu um filho após a toma de uma vacina e fundou a organização National Vaccine Information Center, seguida por 200 mil utilizadores no Facebook. O grupo fechado Stop Mandatory Vaccination (parem a vacinação obrigatória), por seu lado, conta com mais de 150 mil membros.
As características da rede de Zuckerberg facilitam a propagação da mensagem. Com base na análise dos conteúdos de seis páginas de Facebook antivacinas, publicados entre 2013 e 2016, incluindo os da popular “Dr. Tenpenny on vaccines”, a socióloga australiana Naomi Smith, da Universidade Federação Austrália, apresentou um estudo que sugere a probabilidade de “as comunidades antivacinas serem persistentes e de alcance global ao longo dos tempos”, uma vez que “utilizam as possibilidades das redes sociais para disseminar informação antivacinas”.
Estes grupos, lê-se no trabalho da socióloga Mapping the anti-vaccination movement on Facebook, “revelam uma comunidade que se sente perseguida e que suspeita da prática médica convencional e dos métodos aprovados pelos governos para prevenir doenças”. Não faltam teorias da conspiração à volta da ideia de que a verdade sobre as vacinas é escondida das populações. O envolvimento da comunicação social no encobrimento das lesões e mortes causadas pelas vacinas ou do multimilionário americano Bill Gates na propagação do vírus Zika são dois dos exemplos referidos por Naomi Smith. Durante os três anos analisados, as seis páginas de Facebook antivacinas viram as respetivas publicações somarem mais de dois milhões de partilhas entre os utilizadores. Até agora, para desânimo das autoridades de saúde, o Facebook não desenvolveu uma vacina contra isto.