Chamam-lhes Anjos. E não será irónico pensar que delas se pretende que, de alguma forma, flutuem sobre a passerelle. Que pairem ante o olhar de milhões de pessoas que as veem vestidas com pequenas peças de roupa.
O desfile da marca de lingerie Victoria’s Secret é, ainda, um acontecimento mediático e um trunfo para muitas modelos. Abre portas para outros trabalhos. É, também, um mundo de sacrifícios até chegar o dia em que se pisa a passerelle com o maior sorriso nos lábios, o andar mais confiante e, talvez, a dor de estômago mais exorbitante.
Os Anjos da Victoria’s Secret (como chamam às manequins) não podem ser apenas magras, têm de ser magras e esculturais, sem um grama de gordura em qualquer sítio do corpo. Isso paga-se no ginásio e na cozinha. Horas intermináveis de exercício físico para os quais “bastam” alguns minutos de comida, tal a quantidade mínima das doses ingeridas. Procura-se a proteína ideal para músculo.
Nas semanas que antecedem o desfile, as modelos intensificam os treinos físicos e reduzem ao mínimo a alimentação.
Há quem arrisque demasiado a saúde e deixe de ingerir sólidos dias antes do dia D ou, no dia do desfile, feche totalmente a boca, até para os líquidos, para não fazer retenção de líquidos.
O desfile da conhecida marca de lingerie americana alimenta a fantasia da mulher de corpo ideal, mas quem já lá esteve não esconde que o sofrimento foi grande.
Adriana Lima, a modelo que este ano se despediu deste desfile, contou ao jornal inglês The Thelegraph, em 2011, que deixou de comer alimentos sólidos nove dias antes do espetáculo.
A marca diz que promove “um estilo de vida saudável”, embora as dietas impostas pareçam estar a anos luz desse aforismo.
A modelo australiana Robyn Lawley promoveu este ano um boicote ao desfile da Victoria’s Secret (realizado dia 8 de novembro) nas redes sociais. Com o hastag #WeAreAllAngels (Somos todas anjos) pôs a circular uma petição para que ninguém visse a transmissão televisiva porque, dizia, “está na hora da Victoria’s Secret reconhecer o poder de compra e influência das mulheres de todas as idades, formas, tamanhos e etnias”.
Ed Razek, director de marketing da marca de roupa interior feminina, pediu desculpa, este mês, depois de ter disto numa entrevista que não queria modelos transgénero no palco porque isso iria estragar a “fantasia”.
“Toda esta situação de campo de fome antes de entrar na passerelle é ridícula […] elas levam o corpo ao extremo quando são selecionadas”, disse Robyn Lawley ao The Guardian.
Este ano, Bridget Malcolm, que foi Anjo em 2015 e 2016, pediu desculpa por ter publicitado os seus “maus hábitos alimentares”.
“O disformia corporal é aterradora”, escreveu. “Tive inúmeras conversas com outras modelos, todas magras, mas que se diziam gordas. […] Quando isto de torna um jogo mental cria as suas próprias asas.”
Stephen Pasterino, conhecido treinador de Nova Iorque, já preparou algumas modelos para este desfile. Além do exercício físico, as raparigas seguem uma dieta rigorosa que, nas últimas semanas, exclui a ingestão de brócolos ou couve flor, porque “são difíceis de digerir”, e frutas como a banana, “ricas em açúcar”.
As pequenas quantidades de comida são sempre confecionadas sem sal, apenas se junta azeite, limão e ervas para dar sabor.