Minutos inspiradores: Os segredos do sucesso de Cristina Ferreira
Aquilo que nos faz gente jamais nos abandona”, escreve numa das histórias que conta no seu novo livro Sentir, que a VISÃO leu em primeira mão. Cristina Ferreira nunca seria “a” Cristina Ferreira apresentadora da TVI, autora do blogue Daily Cristina e de uma revista em nome próprio, e uma das mulheres mais influentes e mediáticas de Portugal se tivesse nascido algures numa família abastada da cidade.
Foram as férias passadas à perna solta no campo, as conversas com o tio com olho para o negócio, as regras do pai e a garra da mãe, que sempre lutou para trazer mais algum dinheiro para casa, que a moldaram. Isso e os dias nas feiras, onde ajudou os tios a vender atoalhados e os pais a servir à mesa, onde aprendeu de cor as letras de todas as músicas populares e comprou durante anos os sapatos na banca da Manuela.
Cristina Ferreira carrega as suas origens consigo com orgulho, e decidiu desfiá-las num livro intimista e revelador antes de fazer 40 anos. O que vem aí ela não sabe, mas garante que o caminho é sempre a subir. Se não for, paciência. Já tem o plano B, tal como o C, D e E delineados.
Teve um ghost writer, como a maioria das figuras públicas, ou estas palavras são todas suas?
Todas! Não há uma que não seja, nem conseguiria ter um livro no mercado que não fosse meu. São histórias, memórias, emoções que só eu soube viver, e que gostei muito de passar para o papel.
Então, cada palavra é sua, até os títulos dos capítulos?
Tudo, e confesso que me custou cada vírgula alterada pela revisão, porque era com aquela entoação que queria contar. Isto é muito meu e chegou na altura certa. Sinto-me a fechar um ciclo, talvez sejam os 40 anos a ameaçar-me (risos).
De alguma forma é um balanço.
Aquilo que construí até hoje é uma coisa, aquilo que posso vir a construir daqui para a frente será outra. Numa fase em que as pessoas dizem “Tudo em que toca é ouro”, quis explicar que não sou diferente de ninguém e que apenas tenho episódios na minha vida que me marcaram ao ponto de fazer as escolhas que faço. Hoje, pode acontecer-me a coisa pior que ao segundo dia já fui.
Já partiu para outra.
Já. Aprendi muito à conta das chapadas que levei na vida.
Tem uma frase no início do livro que é um pouco isso: “Não sou mais do que uma pessoa normal que não desiste”. Quanto da Cristina que vemos hoje vem desta Cristina cujas histórias conta no livro?
Muito. Sempre fui tranquila. Por exemplo, era boa aluna mas nunca precisei de vintes, de ser a melhor, queria era ter serenidade, paz. E sempre fui muito observadora, tentei perceber por que é que as coisas acontecem, e acho que essa foi a ferramenta essencial para ir percebendo que caminho queria seguir. O meu pai impunha-me muitas regras, mas sempre disse “Aos 18 anos, fazes o que quiseres da tua vida”.
Quando a vemos na televisão, na revista, no blogue, parece uma mulher com muitas personnas. Afinal, quantas Cristinas tem em si?
Só tenho duas: a profissional, que é extrovertida, não tem medos e vai à luta; e a pessoal, calada, cheia de medos e fragilidades, que não quer que ninguém olhe para ela nem lhe fale. Uma das minhas tias até diz “Tu lá [na televisão] não te calas, mas chegas e não abres a boca!”. Aliás, vou sempre a ouvir rádio a caminho do trabalho, e venho com tudo desligado, porque preciso de entrar no meu espaço, onde me encontro e sinto que volto à terra. É este regresso todos os dias ao local de onde parti que me faz estar segura de mim.
A Cristina profissional é um boneco?
Nada boneco, mas adoraria deixar de ser a Cristina da televisão quando se apagam as luzes. A ideia de me observarem faz-me confusão, só queria que ninguém me conhecesse. Eu era a miúda que não ligava a ninguém porque me custava falar ao telefone, era a este ponto de timidez.
É engraçado que muitas pessoas famosas têm esse lado. Parecem extrovertidas, mas são tímidas.
Há qualquer coisa que se acende em mim quando as câmaras se ligam, uma coisa que só pode ser minha, porque não se consegue mentir em televisão durante muito tempo. Vou ali em verdade todos os dias, e acho que as pessoas perceberam isso.
Essa autenticidade é uma das explicações para o seu sucesso. As pessoas reveem-se, percebem que não está ali com artifícios.
Sim, é verdade. Até quando erramos, e o Facebook tem-nos dado esse feedback imediato, para o bem e para o mal.
Leva muita pancada no Facebook?
Muita! Leio quase tudo, mas é impossível responder, e, como sou muito perfeccionista, se por exemplo lá em casa percebem que houve uma pergunta mal feita a um convidado, é capaz de me traumatizar um dia inteiro. Mas não sou amiga dos meus fãs, sou amiga de quem me viu crescer, de quem está todos os dias comigo e sabe os meus segredos. Não sei lidar com aquelas pessoas que estão em todos os eventos, porque não sou especial ao ponto de, mesmo sem me conhecerem, sentirem que sou importante nas suas vidas.
No livro, começa pelo tio Manel, que era analfabeto, mas enriqueceu e chegou a apostar na bolsa. A Cristina ganhou dele o seu olho para o negócio?
Acho que ganhei mesmo. Fui crescendo com ele a contar as histórias do café que abriu, do que fez, do que não fez, e aquela ideia de que, sem saber ler nem escrever, conseguia perceber aquilo que muita gente informada não conseguia… Esse meu tio foi uma das minhas balizas, e, hoje, sinto que é uma das pessoas que me protege. O meu tio Manel tinha um orgulho imenso em mim, embora já não tenha apanhado esta “explosão Cristina”.
Ele fazia o quê?
Vendia gado, mas era tão à frente que conseguiu ser o primeiro lá na terra a ter televisão, a ter telefonia, e investia na Bolsa. Era esperto, ninguém o enganava, pedia-me para lhe preencher os cheques, mas verificava sempre se me tinha enganado (risos).
E o que lhe ficou do avô Chibato, que só lhe ensinou a fazer contas de somar? Ele não saberia subtrair?
Se calhar, não! Eram contas de somar intermináveis e ia sempre complicando, mas dava-me luta acima de tudo por saber que era um homem sisudo, mas tinha um carinho especial por mim. E ainda bem que só me pôs a fazer contas de somar, porque as coisas que temos de subtrair são as mais difíceis, queremos afastá-las da nossa vida.
Há pouco falava no seu pai, em como tinha imposto muitas regras. Quer defini-lo?
Sinto que foi a minha mãe que me criou, mas foi o meu pai que limitou o cerco. De tão calado, impunha respeito. Ainda hoje não gosto de o contrariar, nem como pastilhas elásticas ao pé dele (risos). Há pouco tempo, o Dr. Quintino, nosso colaborador no Você na TV, disse que o respeito se impõe pelo medo. E tenho cada vez mais certeza de que, para se ganhar respeito, tem de existir primeiro o medo. Não que tivesse medo do meu pai, mas…
Conta que ele só lhe deu uma palmada na vida.
E, curiosamente, foi por não poder ver um programa de televisão porque estava de castigo (risos). E vou aqui confessar uma coisa: a minha mãe tem um bocadinho de ciúmes do meu pai porque sempre falei mais com ele.
As meninas e os pais…
E se calhar é pelo facto de ele nunca ter estado nas minhas coisas. É algo que muita gente não percebe como é que um pai não vai à primeira comunhão da filha, à queima das fitas…
Ele também não foi ao lançamento da revista nem do blogue?
A essas coisas nem a minha mãe vai: Quero protegê-los e quero que continuem a ser só meus. E, até hoje, ninguém viu um pormenor da minha casa ou da minha mãe numa rede social. Aquilo que é meu é realmente meu.
Outra coisa que o seu pai lhe ensinou foi a história de só comprar carros em segunda mão. Isso mantém-se?
Mantém, claro! (risos). Só comprei carros em segunda mão. Quando digo que sou forreta, as pessoas comentam: “E compra sapatos de 500 euros?!”. Sim, foram uma espécie de troféu e ainda hoje guardo o talão, a caixa e o saco. A minha vida agora permite-me ter esses sapatos, e só comprei um carro quando ganhava bem melhor do que muitos portugueses que se endividam para comprar carros. Fui criada no valor do trabalho e no quanto o dinheiro custa a ganhar.
Foi o exemplo da sua mãe?
Sim, porque o meu pai manteve o trabalho na oficina, mas a minha mãe ia sempre arranjando mais alguma coisa. Ela trabalhava desde os 11 anos na Pensão Fortunato, na Ericeira, e podia ter o mundo mas desistiu dele por causa do meu pai. Desistiu de tudo por aquele amor, só que nunca lhe pediu dinheiro, e isso deixa-me muito orgulhosa. Viveu para ele, sim, mas com independência. Se eram os rissóis que davam, fazia rissóis, se eram os cortinados que davam, fazia cortinados.
Como é que ela começou com o restaurante na feira da Malveira?
Foi o meu tio Manel que lhe disse: “Era um bom negócio porque cozinhas muito bem”. Já lá vão vinte anos, e, de cada vez que os meus pais pensam desistir, porque o restaurante dá muito trabalho embora seja só uma vez por semana, toda a gente diz: “Ai de vocês que saiam daqui!”.
A Cristina também lá trabalhou, não foi?
Sim, trabalhei lá dois anos e foi muito importante. Comecei quando saí da universidade e fiquei até ser professora, e, mesmo enquanto andei naquela vida entre dar aulas e trabalhar numa loja, ia para o restaurante todas as quintas-feiras. Era doloroso. Levantávamo-nos às 3h da manhã, porque tínhamos tanta coisa para preparar, mas depois havia um período em que eu e o meu pai ficávamos mais parados… e dava um sono e um frio! Eu ia para o carro, tentar dormir um bocadinho, mas quando começavam a retirar o gado, já não dava. Mas fiquei a gostar muito de ser empregada de balcão.
Porquê?
Gosto de tornar os outros felizes. E nunca enganei ninguém agora na minha loja e noutra onde trabalhei antes, nunca ninguém saiu com alguma coisa que lhe ficasse mal. E aqueles momentos que vivi na feira foram tão bons e há tanta gente que está na minha memória… Nunca mais lá consegui ir porque é impossível a fazer o Você na TV, mas saber que todos têm saudades de me ter lá, porque conhecem uma Cristina que pouca gente conhece, deixa-me feliz.
Por causa da feira, a Cristina diz que sabe o nome de todos os animais, distinguir as raças…
Tudo! Não sou como aquelas pessoas que acham que o leite sai do pacote (risos), sei o que se faz com os porcos, quando é que se plantam as coisas.
Fala de coisas como os coalhos, os cinchos, os almeces…
Sei isso tudo, sim, pois claro! E tinha mão para o queijo. Na verdade tudo aquilo que me proponho fazer na cozinha sai-me bem. Só pode ser herança dela, porque a minha mãe nunca me ensinou a fazer nada; aprendi do que vi. Se um dia destes tivesse de abrir um restaurante, não tinha problema nenhum.
É o seu plano B?
Se isto acabar, tenho plano A, B, C, D, está tudo planeado dentro do que não é planeável. Serei outra coisa qualquer. Costumo dizer que posso ser empregada de um café e passados três anos sou dona dele, não tenho dúvidas disso (risos).
Andou anos de feira em feira a vender lençóis e atoalhados com os seus tios. Qual era aquela de que gostava mais?
Adorava a da Lourinhã porque o ambiente que se vivia lá era quase mágico. Detestava a de Bucelas, era fria de não se aguentar. Como cresci a ouvir a música popular da bancada em frente, sei de cor todos os refrãos daquela altura. Não sou nada preconceituosa aquilo que é popular é do povo, e é o povo que constrói um país.
Também comprava os sapatos na bancada do lado, não era?
Sim, mas a “Manuela dos sapatos” tinha coisas muito à frente, era uma bancada enorme e sentia-me a escolher na melhor loja do mundo. Aquele ambiente da feira foi essencial para mim. Tenho tudo na minha memória: o lugar das estacas, o som da caixinha quando se fecha depois de lá pôr as notas, a forma como se arrumam os napperons… Seria feliz numa feira.
E Lisboa? Era um outro mundo?
Lisboa era longe, e não se ia à cidade todos os dias. Ainda hoje, a minha mãe não vem a Lisboa se não tiver o cabelo arranjado e não estiver mais bem vestida. Vínhamos de autocarro e passávamos o dia nas mesmas ruas, parando nas montras de noivas que ainda hoje me chamam a atenção. Eram rituais mantidos religiosamente, mas era para vir cá e voltar, como ainda hoje.
Nunca pôs a hipótese de morar em Lisboa?
Nunca. O barulho da cidade complica-me. Gosto de cá vir, sei que é na cidade que está tudo, mas sinto que o ar da Malveira é diferente. Também gostei muito de viver na Ericeira. Só fui para a Malveira porque o meu filho entrava para a escola e eu precisava de mais ajuda porque saio todos os dias de casa às 6 da manhã.
Alguma vez escondeu as suas origens? Nunca teve complexos de inferioridade por ser da aldeia?
Naquela idade era difícil aceitar uma vida modesta diante dos meninos da cidade e o meu primeiro carro, aquele que os meus pais conseguiram comprar-me, era um carro tão velho que chovia lá dentro. Não era um carro que tivesse orgulho de mostrar aos amigos. Talvez no primeiro ou segundo dia, o carro tivesse ficado um pouco mais longe, mas a partir do momento em que me passaram a conhecer, o carro não tem a menor importância. Nunca tive vergonha de assumir quem sou, mesmo em televisão.
Nunca escondeu que os seus pais têm um restaurante na feira.
Mas por que haveria de ter vergonha de uma vida de trabalho que sinto ser uma vida honesta, de alguém com valores e que me fez chegar aqui?
Como eram as vossas férias?
Eram uma festa. Sempre andámos em bando na minha família e íamos todos. A mesma carrinha em que íamos para a feira vender era carregada com tudo o que era necessário para montar acampamento na Foz do Arelho, junto à Lagoa de Óbidos: o camping gás, os fogareiros, as panelas, os alguidares. O montar da barraca, todos colados uns aos outros, aquele espírito de fazer a nossa casa das férias, tenho muito boas memórias desses tempos. E ainda hoje gosto de camadas.
Camadas?
Aquela coisa de pôr várias camadas de mantas para fazer uma cama noutro sítio qualquer. Sentimo-nos a dar o salto quando alugámos uma casa pela primeira vez, mas era uma casa em construção, não tinha janelas (risos). Tínhamos de meter plásticos nas janelas e de tomar banho em alguidares. Passo férias em Vila Nova de Milfontes e, quando passo ao lado do parque de campismo, não há nenhuma vez que não tenha vontade de ir lá para dentro. O cheiro dos grelhados, o som que vem dali… Há qualquer coisa na rudeza, naquilo que é simples que a mim me apaixona. A minha infância foi-me essencial na construção daquilo que sou. Sinto que tenho uma bagagem que me é muito útil para falar com todo o tipo de gente, quantas coisas não explico ao Manel que é menino da cidade e que só agora anda a descobrir o campo. Venho na terra e falo a mesma língua que aquelas pessoas.
Tenta passar isso ao seu filho?
Sim, sem dúvida. E de o educar ali, no sítio que me viu crescer. Mas sei que o meu filho nasceu e cresceu com o ónus de ser filho de Cristina Ferreira, e isso é a única coisa que me aflige em relação à minha profissão. Ele só agora é começa a descobrir isto de ter uma mãe famosa. E é engraçado que tem consciência, muitas vezes diz-me: “Acho que estão ali umas senhoras que querem tirar uma fotografia contigo. Tens de dar mãe, senão elas vão tristes para casa.” Espero que não passe pela fase parva de se armar por causa disso.
E a Cristina já voltou a comer favas?
Agora adoro e tenho desejos, mas estive anos sem comer. Quando era miúda, passava um mês inteiro a comer favas todos os dias, sem exceção. Enquanto a terra as desse, não se comia mais nada em casa do meu avó Chibato.
Continua a ir às festas na terra da sua avó?
Sempre! Houve anos que não consegui porque estava a trabalhar e isso enervou-me um bocadinho. A minha primeira discoteca foi nos bailaricos de setembro, no largo da sede do Jeromelo; tenho grandes memórias daquele sítio. Foi ali que dancei os primeiros slows e dei os meus primeiros beijos às escondidas, quando a mãe ou a avó iam para casa (risos). Adoro ver todos os anos as pessoas a pintarem as casas para a festa e a fazerem os bolos, os conjuntos que lá vão tocar serem os mesmos, estar ali com os meus colegas de escola a recordar aqueles tempos. É uma união rara. Tenho de continuar a lá ir por mais que as pessoas de fora olhem estranhamente para mim. Esse largo tem umas escadas que são uma espécie de montra para quem chega à festa, toda a gente tem de descer por ali. E ainda hoje me dá um friozinho na barriga aquela ideia de estar a entrar na festa e descer com todos a olhar para mim.
Tantos anos a descer escadas para entrar em palcos e ainda sente isso?
Sim! Este olhar para mim sempre existiu, foi ali que treinei. E quis sempre vestir a melhor roupa para a festa. Era a roupa da festa e almoço da festa, tudo era diferente naquele dia! Aqueles sons e aqueles cheiros com os meus ainda estão cá todos guardados.
Fala muito dos “seus”. É um núcleo muito fechado?
Sim, quem entra e se torna meu raramente sai, fica para a vida. Seja isso numa equipa ou na família ou amigos. Não tenho amigos da televisão, tenho conhecidos da televisão. Só considero amigas algumas poucas pessoas da minha equipa que trabalham comigo há anos. Tenho alguns em quem confio, de quem gosto muito, mas não entraram na minha casa. Não sabem os meus segredos e as minhas fragilidades, não choro com eles. E nem preciso sequer de falar todos os dias, sei que os meus estão e estarão lá sempre.
Vamos passar para a vida profissional. Deu dois anos aulas de História e aqueles miúdos foram a sua primeira plateia.
Foi ali que percebi que é preciso conhecer muito bem aqueles para quem comunicamos. Dei aulas em Colares e Casal de Cambra, e tive turmas tão diferentes, uma delas cheia de pilantras, que percebi que não podia falar com eles da mesma forma. E no programa da manhã tenho de ter um registo e num programa da noite tenho de ter outro, não deixando nunca de ser eu.
Na verdade a sua carreira como apresentadora podia não ter acontecido. Levou umas negas?
Levei. Quando fiz o curso de apresentação, achava mesmo que era boa apresentadora; devia achar eu e os outros cem (risos). Quando vamos ao casting e outros são escolhidos, começamos a pensar: se calhar não és bem aquilo que imaginas. E depois chamaram-me e percebi que fui na hora certa, que tudo acontece por uma razão. Não fui escolhida para ir para a Argentina fazer o Fear Factor, foi a Leonor [Poeiras], e se tivesse sido escolhida seria hoje com toda a certeza outra pessoa em televisão. Não teria estado por exemplo ao lado do Manel e tinha sido outra coisa.
E jornalismo, não tem pena de não ter seguido?
Tenho muitas saudades de fazer reportagem. Comecei a fazer reportagens no Regiões, na RTP, e foi a melhor escola. Porque me mandavam “ir ali àquele museu onde há pedras”. E tinha de fazer da história das pedras uma coisa que as pessoas quisessem ouvir. E gosto disso: de fazer do pequenino algo grande. Às vezes dizem-me “Ah, tem tantos projetos”. Não tenho, tenho poucos, torno-os é muito grandes. Percebi que a forma como gosto de brincar com as palavras e os trocadilhos podiam não ser o caminho certo se queria fazer jornalismo, é o entretenimento que me chama. Tive a sorte de estar no sítio certo na hora certa. E, quando me chegou a oportunidade, aí agarrei-a e não deixei que ninguém se pusesse à minha frente.
Foi a Júlia Pinheiro que acreditou em si.
Sim, e disse uma frase que ficou para a história: “Ela entrevista até um pionés!”. Lá está, as pedras! (risos) Estive seis meses a fazer o Diário da Manhã para ela, e brinquei tanto que acho que a cativei. A Júlia tem uma dose de loucura muito semelhante à minha e sentimos a televisão da mesma forma. E ela percebeu que eu tinha margem de crescimento. Se bem que era um enorme tiro no escuro.
Vendo hoje, era uma loucura. Meter uma miúda acabadinha de chegar ao lado do Goucha.
Lembro-me que entrei pela primeira vez no gabinete do José Eduardo [Moniz], nunca lá tinha ido, eu praticamente não existia, e ele disse-me com um sorriso mas um ar muito frio: “Este projeto é para ganhar, quem não ganha salta.” E percebi que se não corresse bem ia à vida. Mas sempre gostei, até hoje, de ser submetida à prova. Tive de provar que era mais do que a colega do Goucha, que era mais do que a menina da Malveira, que era mais do que a menina das manhãs, e que tinha capacidades para fazer tudo aquilo que faço. Tenho é uma grande qualidade: tenho muita, muuuuuita [acentua bem a palavra] paciência e sei esperar pelo momento certo.
E acredita que ainda vai ter muito mais provas pela frente?
Tenho a maior das provas pela frente: quando todos acham que estou lá em cima, manter-me lá. Manter-me e mostrar que aquilo ainda não era o meu topo. Essa é a dificuldade, mas sinto que tenho tanto, mas tanto ainda, para dar e crescer em televisão. Dizerem que estou no topo dá-me responsabilidade…
…mas é quase ofensivo?
Sim. Sinto que construí alguma coisa em televisão que até hoje ninguém tinha conseguido fazer: esta criação de uma marca em nome próprio que se impõe em vários projetos. E as coisas foram surgindo e fui fazendo porque me davam gozo, mas hoje olho para trás e percebo que já fiz de facto muito. Quando me começaram a tratar por empresária e não como apresentadora, comecei a negar esse facto. Ainda hoje digo isso, mas acho que sou mais do que a apresentadora.
Hoje é uma marca.
A minha vida não é só ser apresentadora. Um dia destes, um realizador amigo dizia-me: “Tens noção de que o mundo que construíste fora da televisão tem hoje mais força do que a própria televisão?” E isso deixou-me a pensar. Mas tenho noção de que foi a televisão que deu tudo a esse mundo.
A televisão é a montra.
Sim, e continuo a achar que a televisão é o meu papel principal. Mas sinto que há mais além da apresentadora. Não me sinto uma marca, mas sei que há uma identidade muito própria que é exatamente o que as marcas procuram quando vêm ter comigo. Nem vale a pena virem ter comigo se não for assim: tudo aquilo que eu não comuniquei em verdade teve menos eficácia. Isso é o mais difícil. Eu não dou cara às marcas, tenho de as sentir como minhas.
Na primeira edição da revista Cristina, entrevistou Marcelo Rebelo de Sousa e ele terminava brincando que um dia iria ser muito rica e que ele ia ter a capa da revista emoldurada na parede. Está à espera de a ver em Belém?
Já várias pessoas me perguntaram se não ia convidar o professor Marcelo para o lançamento do livro e digo sempre: “Por favor, não façam isso.” Ele não é o Professor Marcelo, é o Presidente da República, seria incapaz de dizer para estar numa coisa que não tem a grandeza suficiente para essa figura. Existia um Marcelo que conhecia dos corredores da TVI e que vai deixar de existir enquanto for Presidente. Já nos encontrámos em alguns momentos, e foi igualzinho comigo, mas não consigo ser igual para ele. Tem de existir uma reverência para a figura principal do País. Daqui a… quantos anos faltam deste mandato e do outro? (risos)… dez anos! Daqui a dez anos, vou ver a casa dele se tem lá a fotografia!
Entrevista publicada da VISÃO 1237 de 17 de novembro