
Ruben Dias e Mischa Gelb fizeram 60 mil quilómetros e 337 horas de voo, com partida e chegada do Canadá
Aos 13 anos, quando morou no Uruguai durante seis anos com os pais missionários, Ruben Dias tinha um sonho recorrente, que lhe pairava nos pensamentos antes de adormecer: ir do Uruguai à África do Sul, de noite e num helicóptero. Hoje, com 48 anos, conseguiu concretizar o sonho, apesar de a viagem à volta do mundo, a bordo de um helicóptero Robinson R66, ter começado e terminado no Canadá. Juntamente com Mischa Gelb, instrutor de voo com mais de 9 mil horas de voo, partiram dia 1 de maio e 60 mil quilómetros e 337 horas de voo depois terminaram no mesmo sítio. Os dois amigos partiram de Whistler, onde Ruben Dias se fixou, em 2013, uma vila no norte do país, aliás, um resort municipal muito conhecido na América do Norte pela prática de ski.
Na juventude, Ruben ainda passou pelos Estados Unidos da América, onde terminou o liceu e seguiu os estudos de Gestão. Mas, já em Portugal sempre teve empresas de informática que o ligaram ao Canadá. Apaixonado por voar, considera a geografia do Canadá a ideal para voar de helicóptero, pois existe uma enorme flexibilidade para se aterrar em qualquer lugar, exceto se for um parque natural ou uma zona privada.

Num helicóptero Robinson R66 os dois amigos deram a volta ao mundo em 96 dias
Foram precisos dois anos para planear esta viagem de helicóptero privado, um processo complexo e muito pormenorizado. Cada país requer uma série de autorizações, e eles passaram por mais de 45 países da América do Norte, América Central, Caraíbas, Europa, África e Ásia. A logística não pode falhar ao nível da rota, combustível, meteorologia, um barco a bordo, equipamento de busca e salvamento. “Foi preciso contratar uma empresa, a World Fuel Services, a mesma que fornece as linhas aéreas comerciais, que garantisse atestar rapidamente o helicóptero em qualquer parte do mundo”, explica Ruben, em conversa telefónica de Lisboa para o Canadá. Depois também tiveram de contratar quem tratasse de todo o tipo de operações que iam surgindo no dia-a-dia. Escolheram a Gase, com sede no Dubai, especializada em todo o tipo de situações nestes voos de aventura.
Inicialmente prevista para 81 dias, a viagem demorou mais quinze e são vários os fatores que podem ser imprevisíveis, como as autorizações sofrerem alterações ou ser canceladas, paragens devido a fatores meteorológicos, avaria mecânica ou saúde dos pilotos.
O maior atraso deveu-se aos dias de espera no Paquistão. O país emite autorizações com três níveis de segurança (militar, marinha e serviços secretos) e um deles estava bloqueado. Só a ajuda de um funcionário do hotel no Paquistão, que passou a Ruben o contacto de um ex-militar com ligações ao governo paquistanês, desbloqueou toda a situação. Seguia-se aterrar na Índia, cuja autorização envolveu também o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Canadá.
As complicações meteorológicas também se manifestaram. Na Gronelândia, território imprevisível, não foi possível voar por cima. Ruben Dias e Mischa Gelb viram-se obrigados a contornar toda a costa. Gelo, neve e muito stress até voltar a planear toda a viagem.
Quando pedimos a Ruben para falar de boas recordações, o mentor desta EPIC World Tour (acrónimo de Empowering People & Inspiring Change) é perentório: “Os desafios que nos puseram à prova foram as melhores situações. É nos desafios que temos as experiências.” Todo o projeto tem uma mensagem que os dois pilotos conseguiram passar nas diversas conferências que fizeram em várias universidade do mundo. Foram partilhando as suas experiências empresariais, incentivando as jovens plateias a correrem riscos na juventude.

Foram várias as situações meteorológicas que puseram em causa a segurança da viagem, mas no fim conseguiram dois recordes mundiais
“O mais surpreendente de toda a viagem foi mudar de cultura, ambiente e língua quase todos os dias. Passada uma semana, tínhamos a sensação de andar a viajar há três meses. Como o helicóptero voa a baixa altitude, entre 300 e 500 metros acima do solo, tínhamos um contacto muito próximo com a Natureza e as populações. Vimos crianças a jogar à bola, doze baleias, mas também 15 ursos pardos, dois no Alasca e os restantes na Rússia. É muito diferente de estar num Boeing 737 a dez mil metros de altitude”, descreve.
Ruben mantém em segredo o custo total da viagem, mas revela que mais caro do que o combustível, em que terá gasto cerca de 30 mil dólares, são as autorizações em cada país. Nas Filipinas pagaram 4500 dólares, foram as autorizações mais caras.
“É preciso mais coragem do que estava a pensar. Vi a morte à frente umas seis vezes”, conta. Voar muito baixo (a 10 metros a 200km/h) na Gronelândia, com acumulação de gelo, má visibilidade e rodeado de icebergues ou passar 90 segundos de turbulência severa no Alasca, passível de partir o helicóptero, não foi pera doce. Para já, os dois recordes mundiais que trouxeram na bagagem estão registados na Federação Aeronáutica Internacional. Aterraram primeiro em Neiva, na Colômbia, e 20 mil quilómetros depois em Palembang, na Indonésia – cidades diametralmente opostas e daí o recorde de travessia de helicóptero mais rápida entre dois antípodas; os 60.165,36 quilómetros foi a distância mais extensa alguma vez percorrida durante uma viagem de helicóptero.