Martha, inglesa a viver em Monchique há mais de 15 anos, viu a sua casa arder, perto de Alferce, no grande fogo de 2003. Agora, a história repetiu-se e voltou, mais uma vez, à estaca zero.
Quando o fogo surgiu na tarde de domingo, os vizinhos foram avisar Martha para sair de casa e ir em direção a Alferce. Fez como lhe mandaram, conta à agência Lusa a inglesa de 68 anos, que apenas quis dar o seu primeiro nome.
Só às 08:00 de segunda-feira pôde regressar a casa e ver tudo engolido pelas chamas.
“Estava tudo a arder. Perdi tudo. Fiquei apenas com as roupas que tinha vestido, os cães e o meu carro. Não tenho nada. Foi-se tudo – os meus haveres, as minhas memórias”, sublinha Martha, que está incrédula com o facto de tudo lhe ter acontecido por uma segunda vez.
A mesma casa ardeu em 2003, “num outro fogo”. Foi reconstruída com apoio concedido na altura, mas voltaram a usar madeira para o suporte do telhado – o fogo terá entrado em casa por aí, explica.
Por agora, está em casa de um amigo, em Silves, sem dinheiro – o que tinha ardeu com a casa – e sem saber o que vai fazer a seguir.
“Eu não sei se quero continuar. Eu vou tentar ver se há apoios para reconstruir a casa e vou para Espanha com a minha filha e depois esperar até a casa ficar reconstruída. Mas não sei o que vou fazer. São dois fogos, no espaço de 15 anos, que destruíram a minha casa”, vinca.
Para Martha, Portugal “não aprende com o que se passou”.
“Os bombeiros ainda são voluntários?”, pergunta. “Têm de ter bombeiros profissionais, treinados. Não pode ser assim e depois esta coisa dos eucaliptos que estão sempre a crescer e a serem plantados e ninguém os para. Não se faz nada em relação a isso”, critica.
Agora, que “tudo foi embora com as chamas”, Martha tenta recompor-se e “descansar um pouco”, ainda sem saber se regressa à casa que ardeu por duas vezes em 15 anos.
O incêndio deflagrou no dia 3 à tarde, em Monchique, distrito de Faro, e atingiu também o concelho vizinho de Silves, depois de ter afetado, com menor impacto, os municípios de Portimão (no mesmo distrito) e de Odemira (distrito de Beja). Foi considerado dominado na sexta-feira.
De acordo com o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais, as chamas consumiram cerca de 27 mil hectares. Em 2003, um grande incêndio destruiu cerca de 41 mil hectares nos concelhos de Monchique, Portimão, Aljezur e Lagos.
Segundo a Proteção Civil, o fogo desta semana fez 41 feridos, um dos quais em estado grave. No concelho de Monchique, arderam pelo menos 17 casas de primeira habitação.
Com um pé fora do país para não voltar a ver tudo queimado
José perdeu três hectares de citrinos, uma casa e alfaias agrícolas, devido ao fogo de Monchique. Uma semana depois das chamas lhe destruírem quase tudo, já está a pensar em sair do país para não voltar a ver tudo queimado.
José António Rodrigues, de 60 anos, caminha pelos três hectares onde fazia produção biológica de laranjas, limões, limas, toranjas e clementinas. Ficou com tudo queimado, a única cor que se vê vem de limões caídos ao chão, cozidos pelo fogo.
“Era o meu ordenado. Vivia disto. Era como se agora chegasse um patrão e me despedisse. Era como se fosse para o desemprego”, conta à Lusa o homem de 60 anos, que vê esta história dos incêndios na serra de Monchique repetir-se ao longo dos anos.
Já em 2003, andou em agosto a combater as chamas naquele laranjal, situado num vale, e em setembro a salvar a sua casa do fogo, no Alto, pequeno lugar junto a Alferce, no topo de uma encosta.
Se em 2003, conseguiu salvar a maioria dos seus pertences, agora o prejuízo é tanto que nem consegue fazer as contas certas do que perdeu.
Foi-se um ‘bulldozer’, alfaias agrícolas, sistema de rega, o laranjal e uma casa onde já viveu e que agora emprestava a uma mulher holandesa e filho, que o ajudava na sua propriedade.
Para explicar o porquê de não ter perdido tanto como agora, José António Rodrigues aponta culpas para a forma como a GNR impediu as pessoas de tentarem salvar os seus haveres.
“Eles impediram-me de regressar, quando tinha ido para o Alferce”, protesta.
Só quando a situação parecia controlada conseguiu regressar ao Alto, à boleia de uma carrinha da junta de freguesia.
“Foi o que me valeu. Consegui apagar à volta da minha casa, e safar uma máquina de rasto e uma carrinha. Mas a casa [onde vivia a família holandesa] já foi tarde demais. Se tivesse vindo mais cedo, como o fogo entrou pelas portas e janelas, conseguia ter apagado com uns baldes de água”, explica.
Os vizinhos, “que tinham ficado escondidos para não serem algemados e levados, conseguiram salvar as suas coisas”, sublinha.
Quando pensa no futuro, a única solução que José António encontra é sair do país.
“Vou pensar mudar de país, porque aqui não dá. É a segunda vez. Tenho contactos em Inglaterra e na Alemanha e a ver se me ajudam a arranjar um trabalho e piro-me daqui para um dia não morrer queimado. Agora, investir aqui um cêntimo? Aqui, não invisto. Tenho uma filha a estudar e deixei de ter qualquer rendimento. Se for para outro país, arranjo trabalho e desenrasco-me”, disse.
Já no final da conversa, José António Rodrigues, desalentado e vencido pelo fogo, deixa uma pergunta: “O que é que um gajo espera da república das bananas que nós aqui temos? Tenho que sair e não voltar”.