Não há lugar à ajuda do público, é impossível pedir a troca da pergunta, esqueça a opção dos 50/50. Também não se justifica telefonar para casa a suplicar por uma dica preciosa, até porque se pode jogar a partir do sofá – ou no comboio, no jardim, no escritório, na esplanada.
Ao descarregar a aplicação HQ Trivia no telemóvel, basta uma ligação à internet para participar, onde quer que se esteja, neste concurso de cultura geral e resposta múltipla. À hora marcada, o apresentador surge em direto de Nova Iorque para lançar as questões, que também aparecem no ecrã, sempre em inglês. Depois é só clicar numa das três opções de resposta. Não terá todos os predicados do famoso Quem Quer Ser Milionário televisivo, mas no saber está, igualmente, o ganho: os concorrentes que respondem acertadamente a 12 perguntas dividem um prémio que oscila agora entre os cinco mil e os 300 mil dólares (4 280 e 257 mil euros).
Nas primeiras edições desta aplicação gratuita, lançada em agosto de 2017, o bolo nunca ultrapassava os dez mil euros. Mas os valores têm vindo a tornar-se cada vez mais apetecíveis, à medida que alastra a popularidade do jogo: de 50 mil participantes no início de novembro a 1,2 milhões em janeiro, registados numa só noite, foi um tiro; e entretanto o recorde já duplicou, para os 2,38 milhões de concorrentes numa sessão, indicou a empresa à VISÃO.
Desafio
Tente responder a estas 10 perguntas “fatais”
Na madrugada de sábado, 9 de junho, por ocasião do quarto duelo das finais da NBA, entre os Cleveland Cavaliers e os Golden State Warriors, o prémio destinado ao(s) vencedor(es) vai atingir pela primeira vez a barreira dos 400 mil dólares (352 mil euros). E nos dias seguintes, caso a liga americana de basquetebol venha a precisar dos jogos 5, 6 e 7 para encontrar o campeão, estão já garantidos na HQ Trivia jackpots de 500, 600 e 700 mil dólares (428, 514 e 600 mil euros).
Google não é solução
A mecânica do concurso é do mais simples que se possa imaginar. Depois de instalada a aplicação, o ecrã exibe a hora do quiz seguinte – por regra, duas edições em dias de semana, às 20h e às 02h, e apenas esta última ao sábado e ao domingo. Minutos antes, o telemóvel dá sinal para nos prepararmos e, uma vez na aplicação, basta aguardar pelo início da transmissão em direto.
Num destes dias, encontrámos mais de dois milhões de rivais online. Ainda o apresentador norte-americano Scott Rogowsky não ia a meio da sequência de perguntas e já estávamos eliminados. Num misto de instinto, exclusão de partes e sorte, foi possível acertar, por exemplo, num dos nomes sugeridos para a máquina de polir pistas de patinagem e hóquei no gelo, o Zamboni (por cá apelidado de nivelador de gelo). Mas já escasseou velocidade de raciocínio para concluir que Terry Gene Bollea, nome do wrestler mais conhecido por Hulk Hogan (informação omitida), estava na origem do movimento Hulkmania.
As regras não proíbem a consulta do Google – nem precisam. É um desperdício de tempo: só dispomos de dez segundos para processar a pergunta e dar a resposta. Não há motor de busca que nos valha. Falhamos, estamos fora. Em bom rigor, podemos garantir uma “vida extra”, se um amigo jogar o quiz a nosso convite.
Como na televisão, depois de um arranque mais acessível, a dificuldade vai aumentando progressivamente e são já célebres as perguntas cruéis que induzem em erro e levam muitos participantes a ficar pelo caminho. Num universo de milhões de concorrentes, estas questões mais traiçoeiras cumprem a missão de eliminar uma grande fatia dos jogadores, de modo a reduzir o número de vencedores. Ainda assim, por mais armadilhas ou perguntas de elevado grau de dificuldade, é muito frequente o prémio ser dividido por centenas de pessoas, o que na maioria das edições resulta em valores entre os cinco e os 20 euros para cada uma. O máximo acumulado até ao momento ronda os 25 mil dólares (€21 mil), segundo o ranking exibido na própria aplicação.
De onde vem o dinheiro?
Criada pelos norte-americanos Rus Yusupov e Colin Kroll, a HQ Trivia é uma startup que, tal como as outras empresas tecnológicas em início de vida, tem participado em rondas de investimento para se financiar. Uma vez que o seu conceito passa por oferecer dinheiro sem nada cobrar em troca aos concorrentes, a viabilidade do seu modelo de negócio tem sido posta em causa. As dúvidas adensam-se perante a ausência de esclarecimentos. À VISÃO, o mesmo subterfúgio: a empresa remete para a secção de perguntas frequentes (FAQ), onde se lê que “todos os prémios são financiados pela HQ Trivia” e é sublinhada a condição de “companhia de capital de risco”.
Nos últimos meses, porém, começa a saltar à vista o potencial da empresa. Em março, a Nike associou-se a uma das edições do concurso para oferecer o mais recente par de ténis a todos os vencedores. E, em abril, o ator Dwayne Johnson, da saga Velocidade Furiosa, apresentou um quiz que distribuiu 300 mil dólares (€257 mil) em vésperas da estreia do seu novo filme. A iniciativa não foi mais do que uma parceria com os estúdios de cinema Warner Bros., que terá rendido 2,5 milhões de euros à HQ Trivia (o acordo contemplava a promoção de outros dois filmes).
Embora os concorrentes não sejam uma fonte de receitas direta, o facto de ali se juntarem em massa – “Hello from Portugal” (Olá desde Portugal) já lemos no frenético chat da aplicação – é por si só um atrativo para as marcas publicitarem os seus produtos. Não vamos mais longe: para a atual sequência de prémios “gordos” relacionados com as finais da NBA, contribui o patrocínio do videojogo Toon Blast, bem visível durante as transmissões e mencionado pelo apresentador. Fazer parte da rotina diária de milhões de pessoas em todo o mundo é uma espécie de Santo Graal dos negócios dos nossos dias. “Estou no autocarro a caminho de Hamburgo”, escrevia no chat um participante, durante uma das edições desta semana. Em vez da paisagem, espreita-se o telemóvel.