Sentes a tua pele na minha?” Pouco importa se os protagonistas estão na China ou no seu antípoda. É certo que a lonjura catalisa fantasias eróticas, embora fruste a realização do desejo. Mas a tecnologia promete a solução para isso. Bem-vindos ao mundo da “teledildónica”, termo cunhado pelo sociólogo e pioneiro das tecnologias da informação Ted Nelson, há quase duas décadas, que permite ligar vibradores hi-tech (e não só) por bluetooth, wifi ou dados móveis e está a elevar os prazeres do sexo a novos patamares.
Depois das cartas ardentes (por vezes com cheiros e pedaços de cabelo), do sexo telefónico e dos serviços de conversas online por videochamada, é a vez do toque virtual e da partilha de sensações telecomandadas via aplicações. Basta um smartphone ligado à internet e gadgets sexuais de silicone e com design para interagir “como se” estivesse fisicamente lá, e depois é só programar a intensidade da vibração que quer sentir – ou dar a sentir.
Muitos destes brinquedos – bolas vaginais, molas para o clítoris e o ponto G, vibradores e copos penianos com anéis internos que vibram por controlo remoto com internet móvel – vêm com a opção de videochamada incluída no software. Outros há que são similares aos aparelhos de eletroestimulação dos centros de estética e ginásios, só que têm a forma de pequenas tiras adaptáveis aos dedos da mão e, uma vez ligadas a um pequeno dispositivo com elétrodos, permitem enviar estímulos com vários níveis de intensidade onde quer que toquem. É o caso do Hello Touch X, o produto mais vendido do fabricante Jimmyjane, levando o comum dos mortais a supor que há mercado para práticas eróticas mediadas pela tecnologia.
A dinâmica do comando
Os adeptos de brinquedos sexuais de alta tecnologia e os casais heterossexuais com relacionamentos à distância têm sido o alvo preferencial desta nova indústria, com marcas como a Kiiroo, We Vibe e Lovense a lançarem campanhas nas redes sociais e a receberem prémios em encontros da especialidade. A Kiiroo, por exemplo, com a dupla de Onyx e Pearl, objetos vibráteis para os órgãos sexuais de cada um dos parceiros e conectados por internet, fez sensação em 2015, tendo por lema promover o amor digital. A Lovense fez furor com os vibradores Nora (para ela) e Max (para ele).
O We Vibe é igualmente configurável, e o utilizador tanto pode ajustar a intensidade, e sincronizar ou desconectar do parceiro, como escolher vários tipos de movimentos e mesmo um dos idiomas disponíveis. Controlado por video chat ou app, e com uma embalagem discreta, é ideal para transportar na bagagem e converteu-se num dos produtos mais populares de “teleconsolo” e de masturbação a dois, pela troca de sensações táteis nas zonas íntimas, em tempo real e de forma sincronizada. Um mundo de possibilidades abre-se neste mercado emergente, que floresce com as vendas e a constante atualização de modelos. Sem se dar conta, a clientela vai instalando novos hábitos e parametrizando dados biométricos, à semelhança do que sucede já com os acessórios desportivos.
Ainda é cedo para saber qual o impacto da “teledildónica” na vida íntima e noutros campos, sendo certo que já está a mudar os procedimentos e serviços dos trabalhadores sexuais: se a partir do toque no ecrã do telefone um cliente que paga a crédito pode sentir as delícias de um felácio feito por alguém de carne e osso num vibrador a muitos quilómetros de distância, então isto é uma revolução que só agora está a dar os primeiros passos mas que promete ficar para durar.
O meu, o teu e o nosso
Pergunta-se: este “sexo com todos” é a mesma coisa? Ou o terceiro elemento terá mais protagonismo do que os próprios jogadores? Com a “teledildónica” nunca se sabe, mas uma coisa é garantida: desde que tenha entre 80 e 200 euros, em média, para comprar o equipamento “gourmet”, a experiência parece valer por si.
“Estes gadgets são catalisadores da masturbação a dois à distância e, além de suprirem necessidades eróticas, trazem mais abertura ao prazer e a diversas formas de o obter”, nota Carmo Gê Pereira, educadora sexual para adultos, que comercializa brinquedos sexuais na loja virtual do seu site. Admitindo que estamos noutro nível do entretenimento adulto, outrora confinado às vendas por catálogo, sexshops de rua e reuniões tuppersex, a opção de interagir a nível sensorial começa a entusiasmar os consumidores portugueses: “Entre 20 e 30% dos que gostam e compram gadgets sexuais aderem à teledildónica.”
Antes da generalização do uso dos smartphones, da internet móvel e da hegemonia das apps, já se brincava com “ovos” telecomandados que vibravam de forma imprevisível nas zonas íntimas de parceiros, amigos ou desconhecidos voluntaristas (corria o ano 2002, quando o filme Shortbus deu que falar por esta e outras cenas ousadas, numa festa sem tabus). A diferença é que agora as potencialidades são amplas. “Nas novas pornografias, por exemplo”, esclarece Carmo Gê Pereira, lembrando que “as camgirls usam estes vibradores, telecomandados pelos consumidores de pornografia, por cada token pago online”.
O relatório do Pornhub (maior agregador mundial de conteúdos para adultos), divulgado no ano passado, confirma o aumento do consumo de pornografia virtual em Portugal, sendo o telemóvel o meio escolhido em 47% dos casos. Se isto vicia ou compromete o interesse pelo registo tradicional – “orgânico”, o “bio” ou o “analógico”, se adotarmos um estilo lúdico – é uma falsa questão, assegura Carmo: “Tudo na vida é tecnológico e lá por se comer de faca e garfo não se deixa de poder comer com as mãos.” O posicionamento de mercado dos gadgets de alta tecnologia está na ordem do dia: “O marketing e as aplicações dos produtos limitam-se à sexualidade genital e aos casais heterossexuais, sem atender à diversidade de práticas, orientações e relacionamentos.”
Atenção à conexão!
Por enquanto, ainda não há sinais de ameaças à privacidade, mas elas existem, como ficou demonstrado em 2016, durante uma conferência sobre hacking, em Las Vegas: o We Vibe 4 Plus, apresentado como o vibrador de casais mais conhecido do mundo, podia ser ativado de forma indesejada por quem acedesse aos dados dos utilizadores. A empresa Standard Innovation reunia esses dados para aceder aos hábitos dos utilizadores e, nos termos e nas condições do soft-ware, reservava-se o direito de facultar informação a agências reguladoras, caso fosse solicitada a fazê-lo. Por mais aliciante que seja ter o comando na mão e exercer “poderes” sem fronteiras, por via da ligação à internet, maior o risco de não ver garantida a privacidade, especialmente se usar redes wifi em espaços públicos. A brincadeira converteu-se num caso sério, e a empresa acabou por apresentar desculpas pelas vulnerabilidades do equipamento e foi condenada a pagar indemnizações por não assegurar a proteção de dados pessoais.
Tudo, ou quase tudo, parece estar por fazer em relação às questões éticas e de privacidade no campo da realidade virtual. Além disso, as empresas que são players no universo do entretenimento para adultos têm, ou não, uma quota-parte de responsabilidade social na forma como apresentam inovações tecnológicas? Uma investigadora portuguesa começou a estudar este assunto.
Atualmente na Universidade de Auck- land, na Nova Zelândia, Maria João Faustino, ao analisar os discursos de três empresas que comercializam gadgets sexuais inteligentes, verificou que, “em vez de ter um efeito disruptivo no modelo tradicional, acaba por reforçá-lo quando se equipara a interação sexual à penetração e ao orgasmo”. Conclusão: apesar de dar passos no desconhecido e de permitir desafiar convenções e questionar categorias, “a inovação tecnológica per se não muda as normas culturais em torno da sexualidade”, sobretudo quando “as retóricas comerciais fortalecem estereótipos de género, amputando o potencial da técnica”. Na era digital, o que conta mesmo são as mentalidades. E essas demoram mais a evoluir do que a tecnologia.