“No duche, a pensar em ti”. Pousou o telemóvel ao lado da banheira e entrou lá para dentro. Momentos depois, com a toalha a cobrir o corpo, o piscar da notificação produziu efeito automático, só ter mãos e olhos para o ecrã. “Não penses. Vem. Toca-me. Olha como fico.” Ela viu e reviu o clip. Surpresa, entusiasmo e muita dopamina à mistura. Esperou algum tempo, sem dar a impressão de precisar dele desesperadamente. Enviou-lhe uma selfie à altura. Uma “nude selfie”, com emojis sugestivos.
A isto chama-se… sexting. A palavra, resultante da fusão entre “sex” e “texting” (trocar mensagens). O smartphone, com o qual se fazem cada vez menos chamadas de voz, tomou o lugar das cartas, dos post-its, da máquina fotográfica e da câmara de filmar. As redes sociais e as apps converteram-se em estradas, ruas, bairros, salas de estar e portas de acesso ao quarto escuro onde se fazem coisas marotas. “Atreve-te”, parece dizer o dispositivo. Os dedos tocam o ecrã para antecipar outros toques, chamar a atenção, reviver momentos escaldantes, fazer pedidos ousados, quebrar a rotina e massajar o ego. Para quê resistir a este apelo, que sabe tão bem e de mal pouco ou nada tem?
No livro O Amor nos Tempos Modernos (editorial Presença, 326 págs., €17,90), o comediante e bestseller Aziz Ansari avisa: “Se possui um smartphone, transporta no bolso um bar de solteiros 24 horas por dia.” Por sms, tweets, via Whatsapp ou Messenger, começam e acabam relações, com muitas partilhas picantes pelo meio, códigos próprios e adrenalina em doses generosas.

Partindo da sua experiência – um encontro promissor mas que não mais deu troco à sua simpática mensagem escrita – Aziz convidou estudiosos sobre o assunto e aventurou-se na escrita do livro, que inclui um capítulo sobre sexting. A ansiedade da espera pela próxima sms sucede aqui como com as slot machines: geram expectativa de resposta rápida. Não responder de imediato e duplicar o tempo de resposta, por exemplo, cria um elemento de incerteza e de intermitência da recompensa que, explica Natasha Schull, antropóloga do Massachusetts Institute of Technology (MIT), “faz disparar os níveis de dopamina e aumentar o interesse”.
Conclusão: esta prática diverte mas vicia e, no limite, pode substituir-se a outras formas de relacionamento que implicam maior disponibilidade pessoal e algum grau de compromisso. É pelo menos isso que a comunidade científica começa a debater – reduzir as interações humanas à sua componente lúdica pode empobrecê-las? E a partir de que ponto se deve colocar um travão para garantir a segurança?
Entre o oito e o oitenta
A divulgação de material secreto e a violação da privacidade, seja em que idade for, põem a nu uma história de traição, uma quebra de lealdade. “Os smartphones têm mais capacidade do que os computadores do Ministério da Justiça que tratou os dados das eleições em 1975”, lembra Manuel Lopes Rocha, especialista em direito informático. A democratização tecnológica e as redes sociais dão voz ativa aos cidadãos, mas também podem arruiná-los. Em caso de devassa, a defesa não é fácil. “Quem insere o material na internet usa pseudónimos e outros computadores. Dada a rapidez de propagação, é muito difícil retirar esse material depois.” Contudo, no ano passado fez-se história na jurisprudência portuguesa, com um caso de vingança porno, de natureza penal, e que resultou na condenação do autor, no âmbito da responsabilidade civil. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça partiu desta fundamentação: embora consentida a produção de ficheiros privados, a difusão de dados sensíveis da vida íntima de terceiros num site porno nunca foi autorizada, havendo, por isso, falha no dever de guarda, tendo a vítima direito a receber uma indemnização de €10 mil por danos não patrimoniais.
O ponto de partida para a criminalização do assédio e da exposição não consensual de material íntimo remonta ao ano de 2008, quando a jovem americana Jessica Logan se fotografou nua, na esperança de reforçar os laços com o namorado – mas acabando por se ver exposta na comunidade de Cincinnati, no Ohio. Não suportou a humilhação e suicidou-se.
Termos como sextortion (que pode ser aportuguesado para “sextorsão”) e revenge porn (pornografia de vingança) passaram a fazer parte do léxico dos cidadãos digitais, a seguir ao cyberbullying. Entretanto, no passado mês de junho, o Congresso americano aprovou uma lei que, sendo até por boa causa, pode vir a dar muitas dores de cabeça aos adolescentes: se forem apanhados a tentar enviar mensagens eróticas podem incorrer numa pena de 15 anos. Ora aqui está um caso em que se aplica o ditado em que quem não morre da doença morre da cura. “A política proibitiva pode ser extremamente irresponsável”, criticou o investigador britânico Andy Phippen, da UK Safer Internet Center. Razoável seria definir a fronteira entre aceitável e abusivo. E os adultos exercerem a parentalidade consciente? Até que ponto “os crescidos” sabem que não existe partilha sem rasto? Ou que o destino final do sexting não é 100% controlável?

Nudes, DPs e apuros
Nos Estados Unidos, metade dos jovens com idades entre 18 e os 24 anos já trocou mensagens com conteúdos sexuais. Popular entre adultos – 80% cultiva o sexting nos seus relacionamentos – está a conquistar os que têm 55 e mais anos. A modalidade entrou nos códigos do flirt e namoro adolescente, e até das amizades, embora nesse caso lhe chamem frexting (“friends” mais “sexting”).Tudo isto é muito bonito mas… Quando a coisa tomou conta do meio estudantil e a expressão “manda nudes” (fotos de nus) se tornou popular, os adultos e os media ficaram como os mercados: nervosos. O tablóide Daily Mail titulava: “Códigos ocultos que os nossos filhos usam”, explicando o que significam mensagens como LH6 (let’s have sex/vamos para a cama), TDTM (talk dirty to me/diz-me coisas porcas), GYPO (get your pants off/tira as calças) e OMG (Oh My God!/Ó meu Deus), além dos enigmáticos emojis: pêssego = rabo, beringela = pénis e por aí fora. O insólito não passou despercebido no programa The Late Show, do comediante Stephen Colbert. Preocupação excessiva ou receios legítimos?

Entre jovens, a troca de texto e imagem num registo lúdico e provocador parece funcionar melhor como estratégia de aproximação do que a abordagem cara a cara. E por mais desconcertante que seja, pode ser natural enviar um “olá, este sou eu” através de um dick pic (DP, selfie do pénis) e pedir um nude em troca. “[Os DPs] são os bilhetes de amor da era moderna e dos rituais de engate”, pode ouvir-se num podcast do Tinder dedicado ao tema. Haverá sempre riscos, mas sem eles o jogo não teria graça. Convém saber ainda que, na web 2.0, o impacto é sempre maior. “Se não envias é porque não gostas de mim.” E se deixar de gostar, mais agora que nem a partilha temporária garante privacidade (qualquer um pode tirar uma foto de um ecrã de telemóvel)?
Pais, isto é convosco. Com a escola também, “que não pode demitir-se do que se passa fora do recinto escolar”, adverte Tito de Morais. O fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net refere casos de jovens que perderam controlo da conta do Twitter (“não fizeram logout, tinham uma palavra-chave conhecida ou perderam o telefone e este não tinha código de proteção”) e ficaram com a vida virada do avesso. Como uma jovem alentejana de 14 anos, recorda, que ficou com má fama na escola e teve de mudar de residência porque alguém apanhou o material no computador e distribuiu-o. Ou o rapaz em apuros que não queria ser gozado na escola após ter feito a vontade à adolescente que o convenceu a fotografar o fetiche de introduzir um lápis no ânus, sem sequer tapar a cara.
Secreto, mas pouco
Para muitos pais, a questão central passou a ser, não “se”, mas “quando”. Quando falar disto com os filhos: no 2º ciclo de ensino? “Fico perplexo com a descontração com que, a partir dos 14 anos, sobretudo as raparigas, consentem aos pedidos dos rapazes, trocando fotos de partes íntimas”, diz Miguel Raposo, autor do livro Torna-te Um Guru das Redes Sociais (Manuscrito, 192 págs., €14,90). “Eles veem isto como uma coisa do momento”, acrescenta o gestor. Preocupa-o “eles mostrarem aos amigos sem se importarem com a identificação de quem enviou. Não está a cara, mas está o nome.”
Nesta lógica, a troca de conteúdos temporários torna-se irrelevante. Como explicar tanta descontração e exposição da privacidade? “Os miúdos aderem por impulso, experimentação e diversão, sem tanta premeditação ou consciência das implicações”, esclarece a sexóloga Vânia Beliz, que dirige o Serviço ControlTalk, de aconselhamento grátis a jovens e adultos, via Whatsapp. A sexóloga afirma que sempre houve erotismo na comunicação. “A diferença é que isso se tornou mais explícito e perigoso, porque já não estamos no tempo das fotocopiadoras.” Nas suas visitas às escolas “todos diziam que partilhavam nudes e que era fixe”. Vânia Beliz avisa: “Apps que se popularizaram por permitir envio de conteúdos sem ficar rasto dão uma falsa sensação de segurança.”
Antes de ficar com os cabelos em pé, talvez valha a pena olhar para os resultados de investigações como o EU Kids Online Portugal (2010) e o Net Children Go Mobile (2014). Entre os 11 e os 16 anos, apenas 15% dos estudantes inquiridos disseram ter trocado este tipo de mensagens, valor que diminuiu em cinco anos. Por outro lado, o Inquérito sobre Internet Segura divulgado em 2014 (YISS), permitiu apurar que 9,6% dos inquiridos tinha enviado ou recebido conteúdos com nudez. Perante estes valores, não deixa de ser intrigante a redução de 25%, entre 2003 e 2011, dos crimes contra menores, concomitantes com o aumento do sexting juvenil. Leitura possível dos dados, segundo o Crimes Against Children Research Center: a exploração de limites online permitia aos miúdos testarem a sua autonomia e minimizar riscos reais de abuso. Porém, uma reportagem da The Atlantic no liceu de Louisa County High, no Estado americano de Virgínia, revelou um cenário sombrio: a partilha de nudes no Instagram era uma prática generalizada entre alunos e os menores não viam problema nisso. Para choque dos diretores, o problema não estava no ato em si, antes na discriminação entre as raparigas: as que se achavam superiores por terem mais “pinta” desqualificavam as demais. Dispensável dizer que rapazes eram imunes à humilhação. Ficou claro que a segurança a 100% não era possível e, perante um problema, quem tinha bom apoio parental ficava socialmente em vantagem.
‘Até sempre’… menos na internet
Se não sabe ou nunca ouviu falar de ciber higiene, está na altura de pensar duas vezes antes de se exceder em brincadeiras de caça no espaço virtual. Ou aprender algo mais sobre o modus operandis da tecnologia, em vez de mergulhar em aventuras eróticas online de forma cega, sem fazer ideia do rasto do que partilha e fica na memória intermédia (em cache): uma vez na internet, para sempre na internet. “Comportam-se [nas plataformas online] como no mundo real, alheados do impacto da exposição excessiva”, reconhece João Ferreira Pinto, advogado especializado em direito digital e proteção de dados, referindo-se à falta de consciência digital que coloca a reputação em risco: divorciados, solteiros, casanovas, pinga-amores, gente que se sente só. “Acompanhei um caso em que foi preciso um especialista para limpar o que estava debaixo do tapete.”

O que fazer para se proteger nas aventuras online? “Use palavra-passe com nível de segurança razoável nos seus dispositivos, evite uso de wi-fi em espaços públicos, cuidado com a geolocalização e a existência de câmaras, bem como a divulgação de dados pessoais e de terceiros.” Com ou sem aventuras, ser analfabeto digital é, só por si, um risco sério. Conteúdos sexualmente explícitos que, por ignorância, deslize ou intenção, caíram nas mãos erradas, foi algo que sempre existiu. Há quase um século, quando nem se imaginava o que era o digital, ficaram célebres as cartas do Presidente dos EUA, Warren Harding, à mulher do vizinho, em que os órgãos sexuais eram designados por Jerry e Mrs Pouterson. O arquiteto Tomás Taveira é mais depressa recordado pelas cassetes caseiras de 1989 – qual protagonista da ficção Sexo, Mentiras e Vídeo, de Steven Soderbergh, estreada no mesmo ano – do que pela obra feita nas Amoreiras, em Lisboa. A transmissão indevida de dados que nunca deviam ter saído da esfera privada para a pública deixa marcas no plano pessoal, social e profissional. Da modelo que foi alvo de “vingança porno” até ao homem que viu a sua correspondência eletrónica afixada na porta do prédio após a mulher ter descoberto que ele tinha outras práticas sexuais. As fugas são um terror para muitos, mas especialmente para as figuras públicas. Um passo em falso é a morte do artista. Ou do congressista. Caso de Anthony Weiner, “tramado” pelo sexting e forçado a demitir-se após o “material” enviado a mulheres no chat do Facebook e no Twitter se tornar viral.
Erotismo gourmet
Quem está vivo tem medo, esse ingrediente que, em excesso, tira sabor à vida mas que, na dose certa, é um afrodisíaco e leva uma pessoa a explorar o desconhecido. Na investigação de doutoramento Entre Corpos e Ecrãs: Identidades e Sexualidades dos Jovens nos Novos Media, com uma amostra de jovens portugueses com idades entre os 16 e os 19 anos, Daniel Cardoso concluiu que 37% deles recorria ao “sexting como complemento das práticas relacionais de intimidade, para obter satisfação e combater saudades de quem estava longe”. O docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa encara o sexting como “a adaptação tecnológica de algo que já existia que hoje serve para explorar novas formas de relacionar-se e manter as existentes.
Apesar de “ainda haver quem meça a virilidade em função dos conteúdos privados que coleciona e exibe”, é inegável que o sexting está a revolucionar os comportamentos de caça. Filipe Carrera, especialista em marketing digital, explica porquê: “Esta é uma forma rápida e simples de estabelecer contacto, sem perder tanto tempo e que permite, ainda, manter várias relações em simultâneo.”
O erotismo da escrita
Talvez a principal diferença entre miúdos e adultos seja que os primeiros tendem a usar mensagens multimédia e a aderir às ferramentas que a tribo usa no momento. Uns e outros têm a noção de que “o telemóvel, o tablet e o PC são ferramentas privadas, como era o diário há uns anos” e que é “desaconselhável deixarem parceiros ou filhos usá-los”, mesmo que insistam que é só para aceder a um jogo. Dito isto, aderir ao sexting e dedicar-lhe tempo e investimento faz de um amador um apreciador. “Na escrita, há um tempo para pensar e saborear, diferente do cara a cara”, fundamenta Rui Neto Pereira, empresário e analista de futuro. “A interatividade torna-se muito interessante porque, na ausência de outros sentidos, por exemplo a visão, a simples sugestão mental e o encorajamento para ir mais além nas fantasias permite evoluir rapidamente e pode mesmo levar ao orgasmo”, acrescenta.
O bom “sexter” acede à parte vulnerável de alguém e leva esse alguém a expressar-se de forma única, numa aventura em registo “fofo” ou mais para o “rude”. Na academia, o consenso não é claro. A pesquisa da Universidade Drexel, no Estado da Filadélfia, EUA, sugeriu uma relação entre sexting e satisfação conjugal, mas o meta estudo da Universidade da Carolina do Norte, que avaliou 234 trabalhos sobre o tópico, não encontrou ligação entre a troca de texto ou imagens “quentes” e a conduta sexual posterior. Tal não impediu a famosa terapeuta de casal Esther Perel de afirmar que esta “forma de expressão natural” se recomenda.
Ou seja, cultivar a aventura e dar um ar da sua graça faz bem à saúde e não mata. Requisitos obrigatórios: ser emocional e digitalmente competente – para não cair em desgraça.
Artigo publicado na VISÃO 1279 de 7 de setembro