Arminda Silva, 73 anos, dedicou mais de 25 anos da sua vida ao ensino, onde foi professora do primeiro e segundo ciclos. Mãe de três filhas e avó de duas netas, reformou-se em 2009, mas acompanha a evolução do ensino em Portugal com muita preocupação. Num testemunho lúcido de quem conhece o sistema por dentro, apela a uma revolução no ensino. Mais do que mudanças desejáveis, fala de medidas absolutamente necessárias para que a educação faça sentido no século XXI. Aqui fica o seu testemunho na carta que dirigiu à VISÃO, à Assembleia da República e ao Ministro da Educação.
Carta aberta sobre a Educação: A Revolução Necessária nas Escolas
Neste tempo em que as novas tecnologias invadiram e tendem a dominar todas as áreas da nossa vida e em que crianças de dois anos clicam no telemóvel da avó e escolhem a música que gostam, não podemos querer que as nossas crianças e jovens se sujeitem a escolas e sistemas de ensino absolutamente démodé.
Assim sendo não pode a Escola continuar a seguir os modelos do século XVI, sob pena de ela própria se “suicidar”. A Escola ou faz uma revolução, ou morre.
Não faltará muito para que apareçam as primeiras escolas virtuais, sem necessidade de professores e de edifícios, com todos os inconvenientes e frieza que isso contém. Pode parecer um cenário improvável, mas é só uma questão de pensar mais além com os dados que temos.
Para que haja esperança no futuro é necessário formar pessoas capazes de pensar-reflectir, com imaginação, espírito criativo, capacidade crítica e comportamento ético.
Para tal é preciso mudar rapidamente de paradigma:
1. A escola não é um lugar para ensinar, mas um lugar para aprender.
O ensino centra-se no professor. A aprendizagem centra-se no aluno; ele é o construtor da sua própria aprendizagem. Isto implica que o professor imagine e crie metodologias de autoaprendizagem que levem o aluno a descobrir e a pensar, sendo que o papel do professor é acompanhar e orientar o aluno nesse caminho de descoberta.
Ex: no 1º ano o aluno aprende a ler sozinho, com um método-jogo de autoaprendizagem da leitura, com o qual atinge uma velocidade de leitura praticamente normal (nunca vai soletrar) contribuindo para o aumento da autoestima, porque é entusiasmante e para um relacionamento harmonioso entre todos os alunos, porque eles precisam uns dos outros para jogar.
Na Matemática a manipulação do método Cuisenaire [jogo versátil e divertido] leva o aluno, sem esforço, desde as simples contagens às quatro operações básicas até à noção de potência e raiz quadrada; pode ainda ser utilizado para outros conceitos.
2. A progressão escolar não deve fazer-se mais por transição de ano, nem basear-se só em testes de avaliação.
A transição escolar deve fazer-se por níveis, tal como nos jogos dos telemóveis e não deve obedecer a nenhum calendário. O aluno transita assim que superou o seu nível, podendo haver alunos em diferentes níveis, ou o mesmo aluno estar em níveis diferentes nas diversas disciplinas.
Ex: uma criança pode estar no nível 9 em História e no 5 em Matemática.
Cada nível deve conter os módulos programáticos. A aprendizagem deve fazer-se por módulos e o aluno não deve passar de módulo enquanto o não manipular com muita segurança.
3. A escola precisa de ser um espaço aberto onde a informação e a comunicação circule, o saber não pode mais ficar trancado nas salas de aula.
O edifício escolar deve ser constituído por núcleos e não por salas de aula.
Ex: Deve existir um núcleo para a Matemática, outro para as Ciências, outro para as Artes etc. A biblioteca pode ser o núcleo do Português .
Os núcleos devem conter materiais diversos tanto de consulta como de manipulação. Os alunos não precisam de ter materiais ou livros próprios, nem devem haver livros únicos ou obrigatórios; A aprendizagem é uma experiência de descoberta e o aluno deve poder circular no núcleo e descobrir, ou ser levado a isso, o que lhe convém.
4. O ensino expositivo centrado no professor não tem mais cabimento; a indisciplina nas salas de aula há muito que o vem provando.
Como já se percebeu, o papel professor é orientar e facilitar a aprendizagem do aluno. É também um avaliador, não sendo contudo o único; devendo a avaliação constar de três momentos com diferentes ponderações: avaliação feita pelo professor, autoavaliação em que o aluno propõe e defende a sua nota e a avaliação feita pelos pares.
A avaliação é um momento precioso para desenvolver a capacidade crítica e o sentido de justiça, logo desde o 1º ano de escolaridade.
5. Os alunos não são armazéns para encher de conhecimentos.
O que é importante não é apenas o conhecimento , mas o que se faz com ele, ou seja: o aluno deve ser capaz no fim de cada módulo de saber utilizar e manipular o conhecimento adquirido em diferentes situações.
6. A Escola deve formar não para o saber fazer, mas para o saber pensar.
O aluno deve aprender a fazer mas não de uma forma mimética, mas reflectindo e compreendendo o que está a fazer.
7. Uma disciplina de Ética Prática deve fazer parte de todos conteúdos programáticos desde a infantil até ao fim da universidade.
Como disciplina prática deve incluir acontecimentos ocorridos na própria escola e outras situações, que levem os alunos a reflectir e a apresentar soluções
A ética além de dever estar sempre presente no contexto do espaço escolar – entendendo-se por espaço escolar todos os intervenientes: alunos professores, empregados, sendo que é talvez necessário criar pequenos cursos de formação e tempos de reflexão nessa área, tanto para empregados como para professores.

Fui professora muitos anos e dói-me ver o estado a que a Escola chegou, por isso, aqui deixo um manifesto das minhas opiniões.
Como pessoa, acho que todos nós devemos e podemos contribuir com as nossas ideias para um mundo melhor. Como dizia o presidente dos EUA “a questão não é o que pode o pais fazer por ti, mas sim o que podes tu fazer pelo teu país”
(O texto da carta segue a antiga norma ortográfica)