Não só não há falta de médicos em Portugal, como é conveniente reduzir o número de vagas para o curso de Medicina. Quem o defende é José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, contrariando uma ideia enraizada em muitos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que hoje gerou acesa discussão nas redes sociais. O debate surgiu na sequência de uma carta aberta a Marcelo Rebelo de Sousa escrita por Maria Barros, uma jovem de 18 que falhou por pouco o acesso ao curso de Medicina e lamenta não poder perseguir o seu sonho em Portugal.
“Estamos a formar médicos muito acima das necessidades do país e já teríamos desemprego médico em Portugal se não fosse a emigração”, declara o bastonário à VISÃO.
Para fundamentar a sua opinião, recorre aos números: “Este ano reformam-se menos de 200 médicos e acabam a especialidade seis vezes mais”; “Em janeiro haverá 2700 candidatos a uma especialidade e as vagas devem manter-se na casa das 1600”; “Nos últimos anos emigraram mais de mil médicos formados em Portugal”.
Então porque se queixam muitos portugueses da falta de quem lhes cuide da saúde?
“Essas pessoas estão enganadas. O problema não é falta de profissionais em Portugal, o problema é falta de dinheiro do Sistema Nacional de Saúde para contratar médicos e mais horas de trabalho médico”, sustenta José Manuel Silva, adiantando que “ainda mais dramático é a falta de enfermeiros no SNS”. “Mas como se sabe também estamos a formar enfermeiros acima das necessidades do país, não há é dinheiro para os contratar e por isso há milhares a emigrar”, nota.
Em vez dos 1807 alunos que entraram este ano nas faculdades de Medicina, o representante da classe médica defende que o número deveria baixar para 1500, de modo a que Portugal deixe de investir em profissionais que, segundo prevê, vão acabar contratados “a custo zero” por outros “países mais ricos”.
“Pelo menos um terço dos jovens que está atualmente a tirar medicina vai ter que emigrar obrigatoriamente porque não vai ter local de trabalho em Portugal”, antecipa o bastonário, sublinhando que o sector privado “também está saturado e cada vez absorve menos médicos”. Como consequência, diz, Portugal está a desperdiçar dinheiro ao formar médicos que depois vão ser aproveitados por outros países. “Nada disto faz sentido”, lamenta.
A escassez de médicos de família é um problema há muito identificado, mas José Manuel Silva confirma a informação já transmitida pelo Governo de que, no final de 2017, “todos os portugueses” serão seguidos por um, uma vez que “os médicos que já estão a terminar essa especialidade são suficientes para colmatar essas necessidades”.
Em relação à carta aberta de Maria Barros ao Presidente da República, o bastonário diz entender a forma emocional como foi redigida, mas lembra que em todos os cursos há alunos “que ficam à porta” do acesso à universidade. E não concorda que se avalie quem tem mais ou menos vocação para determinada profissão, pelo facto de “não existir qualquer maneira objetiva e isenta de a medir”. No seu entender, só os exames nacionais podem colocar todos os candidatos em pé de igualdade e criar “um método quase justo” para escolher os melhores. “Quase” porque ainda é preciso corrigir “a inflação das notas nos colégios privados”.