![Santa_Isabel_de_Portugal (1).jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/9397794Santa_Isabel_de_Portugal-1.jpg)
“Santa Isabel de Portugal”, de Francisco de Zurbarán (1636), em exposição no Museu do Prado, em Madrid
DR
“São rosas, senhor, são rosas!”
A frase inscreveu-se no imaginário nacional e, se mais nada se conhecer acerca de Isabel de Aragão, é certo que qualquer português saberá quem foi a rainha do “milagre das rosas”. Uma mulher caridosa que levava pão aos pobres, às escondidas do marido, o rei D. Dinis, e que prolongou a sua missão de auxílio aos menos afortunados quando ficou viúva, em 1325. Recolheu-se depois no mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, junto das irmãs Clarissas, mas não fez votos para poder dispor da sua fortuna. Foi com a Rainha Isabel que nasceu o conceito das Misericórdias, embora só com D. Leonor se tenham institucionalizado essas obras de assistência. Com o seu financiamento, nasceram os primeiros estabelecimentos de apoio aos pobres, aos doentes, aos velhos, aos órfãos e às prostitutas.
Isabel de Aragão morreu a 4 de julho de 1336 e, quase 700 anos depois, o seu corpo mantém-se incorrupto, o que foi visto, desde os tempos medievais, como um sinal de santidade. Beatificada há 500 anos, em 1516, e canonizada em 1625, a sua mão foi beijada pela realeza ao longo dos séculos, pedindo-lhe graças. Hoje o povo pode também fazê-lo, e até dia 13 de julho, embora através de uma redoma de vidro.
A oportunidade de venerar a mão da Rainha Isabel é rara, coincidindo geralmente com jubileus da Igreja ou datas especiais ligadas à sua vida, e sempre dependente da autorização do Bispo de Coimbra, explica o professor António Rebelo, mesário da Confraria da Rainha Santa Isabel, organização que tem por missão, desde 1560, promover o culto a Santa Isabel. A guarda do seu túmulo passou também a ser uma responsabilidade da Confraria com a morte da última freira Clarissa, em 1891.
Professor de Estudos Clássicos na Universidade de Coimbra (Literatura Latina e Medieval), António Rebelo lidera, aos 54 anos, o restrito grupo de 100 elementos que compõem a Confraria da Rainha Santa Isabel, que mantém a tradição de ser composta por professores universitários, apoiados na sua missão por “irmãos”, em número mais vasto.
“Por ocasião dos 500 anos da sua beatificação propusémos que a mão fosse exposta entre 1 e 13 de julho, datas que o bispo de Coimbra aprovou”, explica António Rebelo. O túmulo, diz, é sempre muito visitado, mas nesta ocasião especial tem atraído ainda mais pessoas. Muitos acabaram por não conseguir entrar, uma vez que os horários das visitas não puderam ser estendidos nos dias em que se realizavam procissões, pois a guardar o túmulo revezam-se “mais de uma centena” de irmãos, todos voluntários, que também se ocupavam das restantes celebrações destes 500 anos da beatificação.
A proteção da Rainha passa, por exemplo, por proibir fotografias da sua mão. “Há pessoas que só têm curiosidade, outras tudo comentam com maldade…”, justifica António Rebelo. Os devotos fazem a viagem a Coimbra e veneram Santa Isabel com respeito, defende a Confraria. E continuam a reportar “muitos milagres”, asseguram.
“Há feitos médicos, situações inexplicáveis”, que a Confraria vai registando, para memória futura. “Como já foi canonizada, não há investigação destes milagres, mas assumimos a missão de ouvir os relatos e, nalguns casos, publicar os registos no nosso site na Internet”, explica António Rebelo.
![tesouro.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/9397941tesouro.jpg)
O Tesouro da Rainha Santa Isabel, que inclui vários objetos pessoais, estará em exposição no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, até 2 de outubro
DR
“Há dois tipos de ícones: aqueles que são promovidos pelas instituições e aqueles que são queridos pelas pessoas. A devoção à Rainha Santa Isabel é um dos raros casos em que as vontades das instituições e do povo se aliaram. Ela ficou no coração do povo e essa devoção saobreviveu ao andar da História, mantendo-se viva até hoje, com os seus cultores”, explica Alexandre Honrado, 55 anos, professor e investigador na área da Ciência das Religiões no núcleo da Faculdade de Letras de Lisboa e na Universidade Lusófona.
Eventos como a exposição da mão da Rainha atraem milhares de pessoas, diz, porque “há que ver para crer, como São Tomé” e o facto de as pessoas poderem contactar com um elemento ligado ao seu santo de devoção conduz a uma maior aproximação.
A rainha Santa Isabel encontra-se num túmulo de cristal e prata desde 1677, data em que o seu corpo foi transladado do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha para o novo mosteiro então construído para as Clarissas. A sua mão voltará a ser recolhida a 13 de julho e só deverá ter nova exposição em 2025, quando se completarem 400 anos da sua canonização.
Entretanto, inaugurou esta semana no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, a exposição “O Tesouro da Rainha Santa Isabel” (patente até 2 de outubro), com objetos pessoais deixados pela Rainha à sua tia-avó, Isabel da Hungria, e ao mosteiro dedicado a Santa Clara de Assis. Relicários, colares e até o seu bordão de peregrina, que terá levado na sua caminhada a Santiago de Compostela, em 1326, fazem parte de um conjunto único e com elementos simbólicos e enigmas não totalmente decifrados.