Metidos numa dezena de autocarros, demoramos quase uma hora para ir do hotel, na zona da Opera de Paris, até à Cidade do Cinema, no bairro periférico de Saint-Denis, a apenas 12 quilómetros do centro e onde viviam alguns dos terroristas dos atentados de novembro. O trânsito é de loucos, a vista que desfila pela janela quase nem serve para entreter e o dia ameaça ser loooongo.
Chegamos mais de meia hora antes da convenção, chamemos-lhe assim, de ora em diante, a esta reunião promovida pela Netflix, com mais de 300 jornalistas de vários pontos do globo. E por isso ainda temos tempo de, com um café na mão, nos espantarmos com a “cantina” mascarada de Orange Is The New Black, em que as empregadas estão vestidas com o fato cor-de-laranja das prisioneiras recém-chegadas à prisão de Litchfield, onde se desenrola a série emblemática deste serviço de streaming. Será neste espaço que almoçaremos em pratos de aluminínio e com alguns talheres de madeira, não fossem alguns de nós espetar um garfo em olho alheio.
Já no enorme auditório, à pinha, e em que o calor se foi tornando insuportável ao longo do dia, começamos por ouvir Reed Hastings, o CEO e fundador da Netflix. O seu discurso é o habitual, só que desta vez tem colado ao ouvido um daqueles microfones que costumam usar as estrelas do showbiz. Realça os 75 milhões de subscritores e a globalidade do serviço. Quase ao final da tarde, num ambiente mais intimista, haveria de nos dizer que está contente com todos os mercados em que oferecem o serviço, mas a impossibilidade de chegar à China ainda é uma (enorme) pedra no sapato.
“Já temos conteúdo dobrado ou legendado em 21 línguas e a nossa personalização é incrível”, diz, entusiasmado. Depois de louvar terem sido pioneiros do bing viewing, realça o on demand: “Sabemos que daqui a uns anos, essa coisa de ver um programa às oito da noite será um conceito alien.”
KEVIN IS IN DA HOUSE
Entretanto, aparece Kevin Spacey e não é um alien. Vem aprumadinho, num fato impecável e um cabelo super penteado – se não fossem os ténis e a gravata garrida até duvidaríamos que se tratasse do ator que nos arrebatou em Beleza Americana. Do outro lado do sofá vermelho está Ted Sarandos, o diretor de conteúdos da Netflix, a fazer as vezes de jornalista. Ficamos a saber como ainda, quatro temporadas depois e uma quinta a caminho, se sente fascinado com Francis, o político que interpreta em House of Cards. Mas não esquece os anos que passou em cima do palco, em Londres, para se tornar um ator melhor (ou um melhor ator?).
Todd Yellin, o responsável pela inovação da empresa com sede em Los Angeles, tem a difícil tarefa de substituí-lo em palco. Por isso nem se senta e desata a explicar-nos como funcionam os testes A/B, aqueles que permitem afinar o perfil. “Pomos um grupo para cada lado e damos-lhes coisas diferentes para ver o que resulta melhor, em tempo real, e sem que as pessoas saibam que estamos a testá-las.”
Ainda nos avisa – e agora não vamos conseguir evitar o inglês – que o termo film makers está fora de moda. E que o que procuram na Netflix são visual storytellers, que é como quem diz contadores de histórias, ótimas, que resultem em qualquer dispositivo como se fosse cinema.
LIBERDADE PARA TODOS
Os que desfilam a seguir são atores de televisão, mas de tal qualidade que realmente os veríamos, sem problema, num ecrã de cinema. Falamos do italiano Lorenzo Richelmy, escolhido para o papel de Marco Polo (nova temporada a 1 de julho), sem que dominasse a língua inglesa (precisavam de um ator com sotaque), de Kate Mulgrrew e Lea Delaria, respetivamente Galina ‘Red’ Reznikov e Boo em Orange Is the New Black, que voltará com a quarta temporada a 17 de junho e já tem asseguradas mais três levas de episódios, Tituss Burgees, de Unbreakable Kimmy Schmidt, e Charlie Cox, o Demolidor. Todos, se não em coro, quase em uníssono, discorrem sobre o sentimento de liberdade que existe nestas produções com carimbo Netflix.
Mais tarde, chegam os europeus: a protagonista e os dois criadores de Marseille, a produção francesa que se estreará a 5 de maio, em que a cidade com o mesmo nome é como uma personagem. Terá no principal papel Gérard Depardieu, enquanto presidente da Câmara, mas esse ator não passou por aquele sofá vermelho na Cidade do Cinema, onde até existe uma escola para ensinar a sétima arte. A série terá 8 episódios, que podem ser visto, de um fôlego, como se de um filme se tratasse.
As gravações de The Crown (as produções da Netflix nunca se traduzem) já acabaram. E finalmente revela-se que a série sobre a família real inglesa irá estar disponível na Netflix a 4 de novembro. John Lithgow é o único deste painel a vir do outro lado do Atlântico para relembrar os “maravilhosos” oito meses que passou em Londres com a mulher. Como fazia de Winston Churchill só participou em metade das horas de gravações. Mas contracenou muito com a jovem Claire Foy, que tem o papel principal de Elizabeth II, a rainha que pôs a coroa de forma inesperada, mas que ainda hoje se mantém na regência do reino. Nem por isso houve qualquer relação entre o Peter Morgan, o escritor, e a casa real. As cenas que se passam no palácio não puderam, por isso, ser feitas no cenário real, mas em palacetes nos arredores de Londres, muito parecidos com Buckingham.
Ted Sarandos e Reed Hastings asseguram que também andam à procura de boas histórias nos novos mercados europeus, Portugal incluído.
LET’S LOOK AT THE TRAILER
Os atores Ashton Kutcher e Danny Masterson, responsáveis pela sitcom The Ranch (com a atriz Debra Winger), que se estreou na semana passada, garantem que, quando decidiram fazê-la, de uma forma diferente do habitual, pensaram logo nesta plataforma global.
O mesmo terá passado pela cabeça de Ricky Gerbais, assim que começou a magicar o filme Special Correspondents, “uma história sobre dois idiotas”, onde faz parelha com o australiano Eric Bana. “Na Netflix as coisas estão sempre lá. É o meio perfeito para que o maior número de pessoas veja o nosso filme, sem compromisso.” Já vai ser possível acompanhar, com algumas gargalhadas, as peripécias destes dois jornalistas, a partir de 29 de abril.
A VISÃO deitou um olho à maioria dos trailers das séries e filmes sobre os quais aqui se escreve. E não quer que os seus leitores fiquem atrás. Espreite lá: