As lesões para o bebé são terríveis, o Brasil passa agora pela maior epidemia de microcefalia de que há memória, mas a maioria dos brasileiros não concorda com a autorização de aborto, em caso de deteção de fetos com essa deficiência. A sondagem foi revelada na passada segunda-feira, pela Datafolha e, de acordo com o levantamento, para 58% da população brasileira, as mulheres infectadas pelo vírus não deveriam ter a permissão para abortar. A maioria (51%) das pessoas sustenta ainda que, em caso microcefalia confirmada no feto, o aborto também não seria admissível. Apenas 32% dos 2.768 entrevistados defenderam o direito de aborto nestes casos. Dez por cento não manifestaram opinião. A rejeição ao aborto é maior entre mulheres: 61% contra 46% dos homens.
Prepara-se neste momento uma ação no Supremo Tribunal Federal para permitir a legalização do direito das grávidas de interromperem a gravidez em caso de contágio pelo Zika. A lei do aborto no Brasil é bastante restritiva, apenas admitindo a interrupção em casos de anencefalia (ausência de cérebro), violação e perigo de vida iminente da mãe.
Mas se a epidemia acontecesse em Portugal, o caso não seria muito diverso. Segundo explica o professor Luís Graça, Chefe do Serviço de Obstetricia do Hospital de Santa Maria, presidente do colégio da especialidade de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos, e que esteve na génese da construção da actual lei do aborto no nosso país, «a microcefalia pode configurar alterações definitivas e comprometer a vida e o desenvolvimento físico e cognitivo da criança». Logo, segundo a legislação em vigor, poderia ser feita a interrupção, se os pais assim o decidissem, mas apenas se tal acontecesse dentro das 24 semanas e seis dias de gestação.
O problema é que, ao contrário das trisomias, por exemplo, facilmente identificáveis preocemente através dos meios de diagnóstico invasivos, como a amniocentese ou colheita de células no cordão umbilical, a microcefalia não é detectável dentro desse prazo legal. Logo, uma grávida infetada, com um dignóstico de feto com essa deficiência apercebida fora desse prazo, não poderia abortar em Portugal.
O caso, não se coloca, desdramatiza o obstetra. Nem o agente infectante (o mosquito) existe no nosso país, nem está em absoluto demonstrada correlação causa-efeito entre o vírus e a doença no feto. Por outro lado, são raríssimas as ocorrências de microcefalia. «A nossa lei é suficientemente liberal para admitir muitas situações. Mas se houvesse uma epidemia em Portugal, e a microcefalia não fosse detetada até às 24 semanas e seis dias, essa gravidez iria até ao fim» E remata: «O que é lei é lei».