Não houve ano tão quente como 2015, desde que o clima começou a ser monitorizado. Nos últimos quinze anos, vivemos os 12 anos com as mais elevadas temperaturas a nível mundial. Para ajudar à confusão, vivemos ainda o segundo El Niño mais intenso em 66 anos. Um fenómeno cíclico que baralha os fluxos de calor no Pacífico e baralha o clima mundial: chove desalmadamente em zonas mais dadas à seca e faz calor de primavera em países com invernos gélidos. Mas mesmo sem El Niño, todas as previsões apontam para um clima assim: cada vez mais imprevisível e preenchido de fenómenos extremos, de seca, tempestades.
1) O mundo está mesmo a aquecer? Os últimos verões foram tão fraquinhos! Onde estão as prometidas ondas de calor?
Não há dúvida que o planeta está cada vez mais quente, e que o Homem é o principal (se não o único) responsável, através das suas emissões de gases com efeito de estufa. O ano de 2015 terá mesmo sido o mais quente desde que há registos, batendo o recorde do ano anterior. Aliás, nos últimos 15 anos (desde o início deste século), tivemos os 12 anos com as temperaturas mais elevadas, a nível global. A temperatura média do planeta subiu já cerca de 1oC desde o período pré-industrial. Isto não significa, no entanto, que o aquecimento seja contínuo.
2) Isso quer dizer que Portugal se vai transformar num país tropical? Ótimo! Nunca me dei bem com o frio.
Sabe o que há nos países tropicais, além de bom tempo? Doenças tropicais e mau tempo. Mosquitos do dengue e da malária, e tempestades ciclónicas. Os cenários climáticos para Portugal (um dos países europeus onde as alterações serão mais profundas) apontam ainda para um aumento de secas e ondas de calor, com menos chuva na maior parte do País, mas também períodos de precipitação mais concentrados. E o aumento do nível médio das águas do mar não vai ajudar: a pressão sobre o litoral (onde vive 90% da população portuguesa) vai ser imensa, erodindo ainda mais a costa.
3) O que tem o El Niño a ver com isto?
São coisas diferentes. Os efeitos do El Niño – um fenómeno natural, cíclico, de aquecimento das águas no Pacífico Central, que provoca várias anomalias meteorológicas – não são muito claros na Europa. Obviamente, por uma questão de proximidade, afeta mais as Américas e a Austrália. Não é uma consequência do aumento da temperatura, mas esse aumento poderá criar El Niños mais fortes.
4) Parece que o futuro vai ser cinzento para os meus bisnetos. Mas o meu dia a dia não é beliscado, pois não?
O futuro é hoje. As mudanças já chegaram. Há quatro anos, a Madeira debateu-se com um surto de dengue, situação que estará relacionada com as alterações climáticas – e é uma questão de tempo até o mosquito chegar ao Algarve. Na agricultura, as sementeiras e as colheitas estão a ser feitas cada vez mais cedo – e muitos agricultores estão a mudar de culturas, para espécies mais resistentes ao calor e à seca, ou a investir em estufas, onde conseguem controlar o ambiente. Há mais cheias do que havia há 30 anos – e as seguradoras levam já em conta os novos padrões climáticos nas suas análises de risco.
5) Agora estou mesmo assustado. Vamos parar com a poluição e deixar de usar combustíveis fósseis. Volta tudo ao normal?
O tempo não volta para trás. Mesmo que tal coisa fosse possível, os efeitos das alterações do clima continuariam a sentir-se progressivamente, antes de estabilizarem. Por exemplo, se conseguíssemos, por artes mágicas, cessar todas as emissões, os oceanos continuariam a expandir durante centenas de anos. É por isto que, nos últimos anos, o foco das atenções se foi desviando da mitigação para a adaptação às alterações climáticas – de certa forma, o mundo assumiu a sua própria incapacidade para resolver o problema e rendeu-se à inevitabilidade de um novo tempo.
6) Ainda bem que o Acordo de Paris vai resolver tudo. Certo?
No mês passado, na 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP 21), os 195 países- -membros comprometeram-se com a redução de emissões de gases com efeito de estufa e 100 mil milhões de dólares anuais de apoios a países em desenvolvimento – de longe, os mais afetados pelo aquecimento global. Mas o Acordo de Paris não é juridicamente vinculativo. Na prática, é um manual de boas intenções. E o pior é que as metas nacionais, tal como estão neste momento, resultam num aumento de temperatura superior a 3oC até final do século.