No verão de 2001, Vítor Santos deu uma entrevista desconcertante à revista masculina Maxim. O próprio não escondia que tinha sido um generoso financiador da campanha de Manuel Vilarinho à presidência do Benfica (um dos seus dois filhos, José, viria, aliás, a integrar a direção do clube), mas à Maxim disse que ganhava o salário mínimo e que, por isso, não apresentava declarações de IRS. Na mencionada entrevista, porém, assumia ter dez milhões de ações da Sonae e “muita coisa, muita coisa mesmo”.
Seguiu-se a controvérsia e o à época ministro das Finanças, Guilherme d’Oliveira Martins (atual presidente do Tribunal de Contas), ordenou uma mega inspeção fiscal a tal contribuinte – conhecido como Bibi (alcunha adquirida num meio pobre do bairro lisboeta de Alcântara) do Benfica (a sua paixão pelo clube é assolapada). Os resultados, em termos criminais, só agora surgem, com factos de 2002 e 2003, e suposta ocultação de rendimentos de negócios e operações financeiras que valem €8 198 681.37 em impostos não pagos. Ou seja, apenas 11 anos depois de a Autoridade Tributária terminar a sua investigação, o julgamento, por crime de fraude fiscal continuada, arrancou, no Campus da Justiça, em Lisboa. Aconteceu no último dia 20, e Bibi, 70 anos, optou pelo seu direito ao silêncio, como arguido, não respondendo ao tribunal.
Na década que mediou entre o fim da recolha de provas documentais (que hoje totalizam 12 volumes) e o início do seu julgamento, no Campus da Justiça, no qual incorre em pena de prisão até três anos, Vítor Santos interpôs impugnações sucessivas, nos tribunais administrativos e fiscais, da liquidação de impostos exigida pela Autoridade Tributária. Assim se explicam os 11 anos transcorridos. E Bibi continua a alegar que os negócios e as operações financeiras em causa não resultaram em rendimentos para si, pelo que não lhe são tributáveis.
Foi nos anos 80 que Vítor Santos emergiu na construção civil, coincidindo no tempo a sua relação privilegiada com Ferreira Neto, à época presidente do Crédito Predial Português, então ainda na órbita estatal. Depois, Bibi edificaria urbanizações gigantes, como a da Quinta Grande, na Amadora, e a do Infantado, em Loures. E, a partir daí, os seus interesses estender-se-iam, além do imobiliário, pelo turismo, restauração e banca. Até um futebolista comprou para o Benfica – o brasileiro Roger. É um clichê, mas a vida deste self-made-man com a 4.ª classe, que se movimenta através de uma miríade de empresas, dava mesmo um filme.
‘Dono’ de um tribunal
Em 13 de novembro de 2008, a VISÃO noticiava que o Ministério da Justiça, então tutelado pelo socialista Alberto Costa, se preparava para instalar um tribunal num edifício de €2,3 milhões que Vítor Santos, ou Bibi do Benfica, tinha há quatro anos encalhado em Alfragide, na Amadora. Rebentou nova controvérsia: o Estado ia contratar com um empresário que estava (e está) há anos na lista negra do Fisco, e no patamar mais grave – o das dívidas superiores a €1 milhão. Mas o assunto depressa se resolveu: Vítor Santos saiu de gerente da Euroalfragide (firma dona do prédio), que ficou entregue aos seus dois filhos, José e Artur; o à época presidente da Câmara da Amadora, o socialista Joaquim Raposo, não via, no concelho, edifício melhor para o efeito; e o Ministério da Justiça assegurou que a renda mensal a pagar àquela empresa, €23 008,78, era simpática. Hoje, estão ali instalados os Juízos da Amadora e Serviços do Ministério Público da Comarca da Grande Lisboa Noroeste. Negócio fechado.