Aventuras e desventuras, conquistas e derrotas em cima de motas, dentro de camiões e, quem sabe, um dia, ao volante de um carro: é assim que Elisabete Jacinto, 44 anos, professora de Geografia, gosta de levar a sua vida. A poucos dias de partir para o Dakar2009, esta mulher de armas admitiu já estar a acusar a pressão do “excesso de novidades” que estão para vir, criticou à educação em Portugal e relembrou cada quilómetro percorrido pelos magníficos desertos africanos, aos quais espera regressar “brevemente”. A partir de 3 de Janeiro, até ao final da prova, em Buenos Aires, vai poder acompanhar o diário da piloto aqui na VISAO.pt. De África para a América Latina. Que diferenças espera encontrar?Vai ser uma prova completamente diferente, com novos desafios e o que me deixa ansiosa por não saber o que esperar. São muitas alterações: vamos para o hemisfério sul, no Verão, com horários diferentes, com temperaturas elevadas, com altitudes superiores, com escassez de oxigénio, com chuva e lama… Novas paisagens. Novos desafios. Tem novos objectivos?Gostava muito de fazer um brilharete, o que implica chegar perto da classificação dos camiões com menos de 10 mil centímetros cúbicos, aqueles com que posso competir. Fale-nos dos seus “dez anos de desafios em África”. É com tristeza que deixa os desertos africanos? Sim. África marcou-me imenso. Foram muitas horas a sofrer em cima da mota, a lutar com o camião e África tem um ambiente que marca imenso, que mexe connosco. Cresci e amadureci como pessoa em África. Acredito que o rali deste ano seja muito bom, mas ficam aquelas saudades de África e, se calhar, a esperança de um dia lá voltar. Como encarou o cancelamento do Dakar 2008?Com uma mágoa imensa. Ainda hoje não aceito as justificações que deram. O Dakar foi uma corrida feita durante 30 anos, com base na insegurança, no risco e numa infinidade de problemas. Todas as pessoas que partem para o Dakar fazem-no conscientes das dificuldades e dos perigos que os esperam. A organização tinha a obrigação de encontrar uma solução e o cancelamento do Dakar foi a pior delas todas. Acredita na possibilidade de o Dakar regressar a África?Acredito. E acho que vai ser muito brevemente. Acho que a América Latina pode ser um espaço óptimo para este tipo de corridas, mas África tem mais qualquer coisa. Sinto que África vai ser o nosso futuro outra vez. De que modo é que a actual crise tem afectado o mundo automobilístico no geral e a sua preparação em particular?Tem afectado imenso, basta ver o número reduzido de participantes portugueses neste Dakar. É uma prova dispendiosa, para a qual dependemos de patrocínios. Eu tenho uma boa relação com os meus patrocinadores, algo que me permitiu conseguir sobreviver a este ano de crise e participar no Dakar. Espero que, para o ano, também consiga! Que situação mais a marcou até hoje?O primeiro Dakar em que desisti, a primeira etapa de uma prova da Taça do Mundo de camião que ganhei, o primeiro Dakar em que cheguei ao fim. Tive vários momentos marcantes, tanto pela positiva como pela negativa, mas os piores têm tendência a desaparecer da memória. Os bons momentos é que ficam, porque fazem com que queiramos fazer mais. Quando é que se sente como “um grão de areia” no deserto? Nas motas ou nos camiões? Nós sentimo-nos sempre um grão de areia, esse é o efeito mágico do deserto, faz com que sintamos que a nossa vida é insignificante. Algo que acaba por nos dar uma força, uma inteligência, uma capacidade que nos permite fazer coisas de que nos julgávamos incapazes. Com o camião, sou muito mais poderosa do que era com a mota. Antes, se ficasse umas horas sozinha no deserto, já não tinha nada. Com o camião, tenho tudo. Ainda vamos vê-la ao volante de um carro?De mota, em princípio, não voltarei. Neste momento, o meu grande desafio é o camião, um veículo interessantíssimo pela sua dificuldade. Não sei se algum dia andarei de carro, porque já fiz muito mais coisas do que aquilo que pensava. Fica a dúvida…
VÍDEO E ENTREVISTA: “África tem mais qualquer coisa”
A "camionista" não desiste das trilhas do Dakar e mantém a presença na primeira versão sul-americana do rali. Leia a entrevista, veja o VÍDEO com alguns excertos da mesma e, a partir de dia 3, siga o diário da única mulher portuguesa na competição