O debate arrancou com Clara de Sousa a lançar a Luís Montenegro a pergunta mais importante de todas: o não continua a ser não? A resposta dificilmente podia ser mais clara, e a justificação também. “É impossível governar com o Chega, que se comporta como um catavento, que tem um pendor destrutivo, que só fala mal de tudo e está sempre contra tudo. Está virado para destruir, não para construir. Não tem vocação para a governação, não tem maturidade nem decência para o exercício da função governativa.” O primeiro-ministro ainda tentou sacar do trunfo que trazia na manga para este debate – o impacto orçamental de €40 mil milhões, ou 14% do Orçamento do Estado, do programa eleitoral do Chega, “que seria trágico para as pessoas”, mas a moderadora da SIC interrompeu-o, prometendo voltar ao assunto mais tarde.
André Ventura também tinha um trunfo: “A grávida que teve o bebé à porta de casa [hoje, no Seixal] porque as urgências estavam fechadas.” É uma relação causa-efeito estranha, uma vez que, de acordo com as Escalas de Urgência do Serviço Nacional de Saúde, as urgências de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Garcia de Orta, em Almada, e do Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, só estarão encerradas esta sexta-feira, no feriado do 25 de Abril. Luís Montenegro, conhecendo de ginjeira o seu oponente, encontrava-se preparado para este ataque, respondendo que a grávida chamou a assistência médica e já estava em trabalho de parto quando esta chegou. “O parto fez-se naquelas circunstâncias por razões de segurança”, acusando o adversário de só ler os títulos das notícias. Ventura claramente não conhecia os pormenores do caso e abanava a cabeça: “Não, é por causa das urgências fechadas”.
Enquanto se discutia a Saúde, Ventura conseguiu recuperar os seus velhos sucessos, garantindo que quer uma governabilidade de “combate à corrupção” (“Os 50 anos de corrupção”), antes de criticar o “não é não” de Montenegro, recordando que o seu partido estava disponível para servir de muleta ao governo. “O Chega procurou que houvesse uma maioria de direita. Luís Montenegro é que preferiu não o fazer e vendeu-se ao aparelho do PSD.”
O líder da AD agradeceu a deixa para lhe chamar “catavento”, “que está permanentemente a mudar de opinião”, e, com prazer, lembrar o passado social-democrata do adversário. “Esquece-se que militou 17 anos no PSD, a maioria da sua vida adulta, onde nunca teve uma palavra sobre o que diz agora [a corrupção]. Andava de bandeirinha na mão e achava que o melhor líder era este que está agora à frente dele.”
O líder do Chega acusou o toque, disparando e repetindo que teve “o melhor resultado em Loures” da história do PSD e acusando Montenegro de se ter “colado” à sua campanha autárquica. “Não é verdade. Fui à sua campanha convidado pelo seu amigo Sérgio Azevedo”, respondeu o primeiro-ministro.
Esta foi a fase mais quente do debate. Ventura sentiu-se picado pela alusão ao seu longo passado social-democrata e começou a levantar a voz. Os gritos de Ventura foram ouro sobre azul para Montenegro: “É por isto que não tem lugar no Conselho de Ministros nem nunca vai ter”. Ventura respondeu que o oponente estava a ser “arrogante”.
Clara de Sousa tentou fazer perguntas mais concretas sobre o que o programa eleitoral do Chega prevê para a Saúde, a que Ventura retorquiu: “Temos de ter um sistema que não interessa se é privado ou público.” Quanto ao impacto orçamental das suas generosas medidas, deu a entender que tudo ficaria equilibrado com o despedimento de responsáveis políticos em cargos administrativos. “No primeiro dia em que tomar posse como primeiro-ministro, metade destes boys vão ser postos na rua. Este [Luís Montenegro] é o primeiro-ministro que mais tachos deu.”
Montenegro aproveitou para realçar o maior inimigo de Ventura: o fact-checking. “Convive mal com a verdade”, lançou, antes de assegurar que Portugal está hoje muito melhor “na política de imigração e segurança, na carga fiscal, na atualização das pensões…” E deixou mais um soundbyte: o Chega ter um ou 50 deputados “é a mesma coisa”.
André Ventura atrapalhou-se. “Ter um ou 50 deputados do PS… do Chega”, emendou. Mas era demasiado tarde. Montenegro agradeceu o lapso, de sorriso aberto. “Fugiu-lhe a boca para a verdade.”
Na reta final do debate, ainda houve tempo para Ventura dizer que quer acabar com as portagens (não explicando, porém, como pensa pagar o resgate da concessão) e largar os costumeiros “deixe-me dizer olhos nos olhos” e “andam a dar casas às minorias coitadinhas, como os ciganos”. Montenegro, por seu lado, optou por voltar ao início: Onde vai o Chega buscar €40 mil milhões “para sustentar um programa económico que vai trazer um défice de 14%?”.
Coube a Ventura as últimas palavras, para responder que pretende pagar esse défice do seu programa com “uma auditoria”, para descobrir “os milhões de euros dos contribuintes” que andam a ser gastos em “observatórios”.
O seu tom de voz no final – novamente aos gritos e a atropelar sílabas – era de quem não estava contente com o resultado do debate.
A pergunta que ficou sem resposta:
“O André Ventura precisa de dizer onde vai buscar a sustentabilidade para um programa económico que vai trazer um défice de 14%.” Luís Montenegro
A gaffe:
“Ter um ou 50 deputados do PS… do Chega”. André Ventura a ter um raro lapsus linguae.
A bicada:
“[Ventura] Esquece-se que militou 17 anos no PSD, a maioria da sua vida adulta, onde nunca teve uma palavra sobre o que diz agora [a corrupção]. Andava de bandeirinha na mão e achava que o melhor líder era este que está agora à frente dele.” Luís Montenegro
Pergunta para queijinho: quem disse isto?
“Ciganos!” “Corrupção!” “Tachos!” “Os imigrantes passam à frente [na Saúde]!”