Póquer, um Yorkshire com nove anos, podia ser o mais barulhento, mas não era o único que aguardava com vontade de protestar. No Largo da Mó, em Portimão, já se bradava contra “a corrupção” e “os bandidos” deste País. Mas, vestido “à Chega”, apenas o pequeno canídeo ladrava a tudo e a todos. Pouco depois, era a vez de meia centena de apoiantes de André Ventura soltarem as cordas vocais, empunhando bandeiras de Portugal e do Chega. “É o salvador da pátria!”, gritou-se, assim que Ventura pisou o empedrado.
Concentrada no início da “rua das lojas”, na zona histórica de Portimão, a massa humana deu corpo ao momento alto da penúltima jornada desta campanha eleitoral: uma arruada, em contrarrelógio (de quase meia-hora), muitíssimo controlada por uma comitiva musculada, que incluiu a interação de André Ventura com uma dezena de lojistas, numa tarde em que nem o Algarve escapou ao frio e à chuva – o momento comprovou a mudança de estratégia, dos salões para a rua, mas o ar fresco não parece confirmar (até agora) o “banho de multidão” anunciado para a noite eleitoral.

“Mas ele já vai embora?”, perguntou, em tom desiludido, Anabela Costa, mulher na casa dos 60 anos, que acompanha os passos daquele a que chama de “salvador de Portugal”, desde que o Chega foi fundado, em 2019. “Já votei nele em 2022. E agora vou votar outra vez! É o único que se interessa pelo País e pelos portugueses”, diz. André Ventura acenou um “adeus” e entrou no veículo preto de alta cilindrada. Portimão ficou para trás, seguia-se o jantar-comício a quase 180 quilómetros de distância, em Santiago do Cacém (distrito de Setúbal).
O Algarve é “bastião” do Chega, garante-se. No partido, acredita-se “na eleição de dois ou três deputados”. Pedro Pinto – líder parlamentar na anterior legislatura –, cabeça de lista por este círculo (que elege nove parlamentares), tem a eleição assegurada; João Paulo Graça e Sandra Ribeiro, números dois e três da lista, respetivamente, espreitam a entrada para a Assembleia da República. “Vamos ganhar isto! Alguém tem dúvidas?”, questiona, a quem está por ali, um apoiante do Chega. “Aqui, no Algarve, nem PS nem PSD. No próximo domingo, vai ser o Chega a terminar em primeiro lugar”, completa. Já falta pouco para se saber.
Contra o voto útil (na AD), marchar
Toda a gente conhece o Luís em Portimão – residentes e turistas habituais. Há anos que este homem corre as ruas de Portimão e de Alvor, na sua motorizada, equipada com uma coluna que berra os mais recentes sucessos das pistas de dança em decibéis (aparentemente) pouco saudáveis. No verão, “dança” nos principais pontos turísticos da zona, rodopiando, dando cambalhotas, experimentando a roda, ou até arriscando em inofensivos stripeteases, apenas para ganhar uns trocos para as refeições do dia seguinte.
Ontem, era o mais entusiasmado na receção a André Ventura. No restaurante escolhido, Luís fintou a segurança, passou por baixo do ombro de Marcos Fortes – o segurança pessoal do líder do Chega – e só descansou quando abraçou o seu ídolo, de rosto encostado ao seu peito. André Ventura “fala para todos”, explica um dos convivas. Luís serviu para prová-lo.

Mas as preocupações parecem agora ser outras. As últimas sondagens apontam para uma subida da Aliança Democrática (AD) e para a descida do Chega. André Ventura não esconde os seus receios, e decidiu abrir uma caça contra o “voto útil”, que pode culminar com um resultado eleitoral mais modesto do que seria de esperar. Ainda antes de levar a comida à boca, o presidente do Chega levantou-se para discursar; compreende-se, o tema era indigesto.
O presidente do Chega apelou “aos portugueses” que escolham “a mudança”. E apontou ao PS e (ainda mais) ao PSD. “Tem havido um tentativa brutal por parte dos nossos adversários PS e PSD de apelarem ao voto útil contra o Chega. É assim há 50 anos. Foram 50 anos disto, que levaram à desgraça na habitação e na saúde no Algarve. O Chega é o único voto de mudança. Não vale a pena continuar a votar PS ou PSD…”, afirmou Ventura.
Três dias depois de ter garantido que “as forças vivas” do PSD – nomes como os de Miguel Relvas, Ângelo Correia ou Rui Gomes da Silva –, lhe tinham “prometido” um acordo de governo no pós-eleições, André Ventura aponta agora a mira à AD de Luís Montenegro. “O PSD é um PS 2.0. Mas alguém acha que o PSD terá coragem para fazer mudanças contra a corrupção?; que vai fazer as reformas nas pensões necessárias, quando foi o primeiro a cortá-las?; que vai mudar alguma coisa na Justiça?”, questiona. “A política não é futebol. Não mudamos de clube, mas quando o país está nesta corrupção e pobreza mudamos de partido”, propõe. “Eles tiveram 50 anos e falharam em tudo. Deem-me uma oportunidade”, voltou a repetir.
O “não é não” de Montenegro parece estar a funcionar; Ventura promete não larga o assunto.
Comitiva do Chega diz ter sido atacada em Leiria
O dia de campanha do Chega ficou marcado por um episódio à margem. André Ventura anunciou que a comitiva do partido tinha sido alvo de uma alegada agressão no distrito de Leiria. A assessoria de comunicação do Chega fez rodar um vídeo do momento pelos jornalistas; André Ventura dedicou parte do discurso ao tema, considerando tratar-se do “desespero” por que passam os adversários.

O presidente do Chega chamou de “escumalha” a quem se comporta desta forma, assegurando que quando estiver no poder vai fazer justiça. “O lugar deles é na prisão”, afirmou, sob palmas e vivas, recuperando uma frase popular junto dos brasileiros pró-Bolsonaro. Já no dia anterior, Ventura tinha feito referência ao rival Lula da Silva, pondo a hipótese de impedir a entrada em Portugal do presidente do Brasil no 25 de Abril e até “mandar prendê-lo”.
Entretanto, o Chega confirmou que cinco apoiantes do Chega alegadamente atacados em Leiria apresentaram queixa na PSP local.