António, um dos grandes cartoonistas portugueses e mundiais – com carreira consolidada num percurso de cinco décadas ligado ao Expresso –, não tem dúvidas em considerar que as reações ao cartoon de Cristina Sampaio “são excessivas, não fazem sentido nenhum”, em declarações ao Irrevogável, podcast de entrevistas da VISÃO.
O polémico cartoon, transmitido pela RTP, representa um polícia a disparar, cada vez com mais fúria e pontaria, à medida que a cor (da pele) do alvo vai escurecendo. O trabalho surgiu na sequência da morte do jovem francês, de ascendência marroquina, Nahel Merzouk, em Nanterre, perto de Paris, na sequência de uma bala disparada pela polícia. Mas as reações em Portugal fizeram-se ouvir ruidosamente – a PSP apresentou queixa-crime contra os autores do cartoon e contra a RTP. O Ministério da Administração Interna (MAI) admitiu o “desconforto”. E o ministro José Luís Carneiro contactou diretamente o Conselho de Administração da RTP por causa da situação. António sublinha que “a polícia não está acima das críticas, nem em França nem em Portugal”.
“O cartoon diz respeito a um acontecimento em França – e, por isso, não se percebe esta reação da PSP”, diz. “Há pessoas, na PSP, que não gostaram do cartoon… têm esse direito, mas isso não pode colocar em causa a liberdade de expressão”, afirma.
Em relação à reação do Governo, o cartoonista acha que o ministro da Administração Interna “viu-se na obrigação pública de defender a PSP”, uma posição que, do seu ponto de vista, “foi infeliz, deslocada e sem sentido”. “[José Luís Carneiro] fá-lo, apenas, para manter uma boa relação com a PSP”, garante António.
Natural de Vila Franca de Xira, os cartoons do António correram mundo, acompanhando, em permanência, os últimos 50 anos da vida política portuguesa e internacional, sempre sem se esquivar às polémicas. E foram muitas! O caso do cartoon de Cristina Sampaio é, para ele, exemplo de como “muitas pessoas [em Portugal] só amam a liberdade de expressão quando ela não colide com o seu ponto de vista”.
Entre os seus trabalhos mais mediáticos, conta-se o cartoon de 1993, em que colocou um preservativo no nariz do então Papa João Paulo II. Mais recentemente, o desenho de Benjamin Netanyahu, tornado um cão-guia, a conduzir um Donald Trump cego, deu muito que falar. Publicado no The New York Times, o cartoon foi acusado de ser antissemita. Saiu da antena do jornal, que, numa decisão radical, fechou as portas (para sempre) aos cartoons.
“Num Estado de direito os delitos de opinião só se resolvem em tribunal. A peixeirada em praça pública, a intimidação, a agressão… Esse não me parece ser o melhor caminho para aqueles que não gostam do meu trabalho”, realça.
Apesar de dizer que “nunca se sentiu em perigo”, admite que o polémico cartoon do The New York Times o fez repensar nos passos seguintes, chegando mesmo a “declinar um convite para um festival em Israel”, pois considerava que “a presença naquele país aumentava exponencialmente o risco [para a sua segurança]”, refere, sempre a sorrir.
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