Com as recentes incursões das autoridades judiciais em alguns municípios, como foi o caso de Montalegre, em que o presidente e o vice-presidente acabaram detidos por suspeita de prevaricação (entre outros crimes), e acusações do Ministério Público que visam autarcas, Hélder Sousa Silva, presidente dos Autarcas Social Democratas (ASD), defende que não se pode tomar tais casos como um todo, quando há “30 mil autarcas a nível nacional”. Daí que apela à Justiça que “investigue rápido porque para os autarcas o tempo é erosivo”.
“O Ministério Público não tem uma agenda própria para incriminar autarcas, como tem acontecido de forma coincidente, mas é bom que investigue rápido porque para os autarcas o tempo é erosivo”, disse o líder da ASD, que é também presidente da Câmara Municipal de Mafra, no Irrevogável, o podcast de entrevistas da revista VISÃO. Segundo Hélder Sousa Silva, cujo antecessor foi alvo também de uma das recentes investigações, “alguns dos processos, que têm vindo a público, têm mais de uma década e tiveram agora acusação, e outros começaram a ser investigados agora”. “Houve aqui uma coincidência temporal”, frisou.
Lembrando que nas últimas eleições autárquicas, alguns partidos já exigiram aos seus candidatos o cumprimento de determinados critérios éticos – entre os quais a revelação se haveria alguma indiciação nalgum processo -, o autarca aponta que, no caso de Miguel Alves, o ex-secretário de Estado Adjunto de António Costa, aquele ex-presidente da Câmara de Caminha “deveria ter partilhado com o primeiro-ministro” os contornos dos processos em que está envolvido, porque seria óbvio que com “o mediatismo do cargo aparecesse” histórias, como a que envolveu o pagamento de 300 mil euros por um centro de conferências transfronteiriço. “Se eu estivesse arguido nalgum processo, não aceitaria nenhum cargo público, ainda mais se estivesse a iniciar um processo de eleição ou designação”.
Caderno com regras claras para autarcas
A exemplo do que o Governo PS fez, em 2017, na senda do caso Galpgate – em que governantes receberam viagens de oferta da petrolífera nacional -, Hélder Sousa Silva acredita que poderia ser uma mais valia a criação de um Código de Conduta para o Poder Local.
“Não me choca que haja um Código de Conduta, que seja por todos desenvolvido. Não quereria ter um Código só de um município, mas mais amplo, em que várias associações poderiam dar o seu contributo, como a associação para a Transparência ou as novas organizações instituídas junto dos tribunais, para termos algo muito sério, por todos comungado e aceite. Para isso, a ASD estaria disponível para dar um contributo”, explicou, lamentando a associação do poder autárquico ao fenómeno da corrupção.
“Quanto mais burocratizado o trabalho das autarquias, maior potenciamos a corrupção e a cunha – que é a primeira forma de corrupção nacional instituída. Quanto mais burocracia, mais lenta é Administração Central e Local, para atender o cidadão; daí a tentação de se tentar os assuntos por outras vias”, apontou, criticando o facto de “os mecanismos de controlo que têm sido montados” terem sempre um “sentido de afunilamento relativamente aquilo que é inspeção geral sobre todos os processos, desde o mais simples ao mais complicado”. “As leis são feitas pelas negativa neste País – “não se pode, não se pode, não se pode” – ao invés de outros países, em que tudo o que se pode fazer é o que está escrito na lei. E o que não está, não pode”.
Por isso, defendeu no Irrevogável, o regresso da antiga IGAl – Inspeção-Geral das Autarquias Locais, que foi extinta, em 2011, pelo Governo PSD/CDS e que viu os seus poderes serem absorvidos pela Inspeção-Geral das Finanças. “A IGAL tinha uma dupla função – a de fiscalização , mas também permitia uma maior responsabilidade e liberdade em relação à contratação, devido a uma ação de proximidade e de pedagogia”.
“Hoje, dada a dimensão e a escassez de recursos que a IGF tem, quando temos qualquer inspeção a IGF vem sempre na perspectiva de vir a correr fazer as suas coisas e numa perspectiva punitiva e não pedagógica. Os autarcas precisam, muito deles, de serem formados, porque ninguém nasce para se ser autarca”, disse, dando como exemplo a Academia do Poder Local do PSD, que arranca esta sexta-feira, nas Caldas da Rainha, e onde, ao longo dos próximos três dias, dezenas de autarcas social-democratas vão ter formação a vários níveis. “Não é uma academia para formatar os autarcas, é para formar, principalmente os novos que começaram agora, nas ultimas eleições em 2021”, disse, salientando os “muitos pedidos” de pré-inscrição que recebeu.
Governo falha em prazos
O presidente da Câmara de Mafra, que está no seu último mandato, e pertence ao conselho diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), fez ainda um “um balanço extremamente negativo” do processo de descentralização.
Como alguém que tem “estado na frente das negociações”, Hélder Sousa Silva questionou no Irrevogável sobre “qual o valor dos acordos com este Governo”. “É inconcebível que exista um acordo assinado . entre a ANMP e cinco ministros, entre os quais três ministros de Estado, e que no final do primeiro prazo, a 22 de outubro, deveríamos ter as quatro portaras da educação, não há ainda uma portaria apresentada e publicada”, disse, salientando que “o Governo também falhou, a 30 de outubro, quando deveria estar assinado o acordo na área da ação social – até hoje não há acordo sobre ação social”. “Das três obrigações com que se comprometeu por escrito com a ANMP, a 22 de julho, o Governo já falhou duas. Para os Autarcas Social-Democratas, assim é difícil de negociar; assim é difícil descentralizar”, concluiu.