“Essa ordem já foi dada ao comandante da Polícia Municipal e essas detenções já estão a acontecer. Podemos clarificar em termos jurídicos, mas a Polícia Municipal são polícias de segurança pública”. A frase de Carlos Moedas foi dita à SIC Notícias e apanhou os vereadores da oposição de surpresa. Na Câmara de Lisboa, ninguém percebe o sentido do anúncio do presidente. É que o regulamento da Polícia Municipal já prevê que estes polícias possam efetuar detenções em caso de flagrante delito. Qualquer coisa além disso, assegura à VISÃO o jurista Paulo Saragoça da Matta, “é absolutamente impossível no sistema constitucional e legal existente”.
“Perigoso” e contra parecer da PGR
Saragoça da Matta diz que a Polícia Municipal de Lisboa não pode fazer detenções porque não é um órgão de polícia criminal. De resto, é isso que consta de um parecer da Procuradoria-Geral da República, emitido em 2008, e é isso também que resulta da leitura das atas de reuniões tidas entre o Procurador Distrital do Porto e a Polícia Municipal daquela cidade.
“É totalmente ilegal e inconstitucional e perigoso”, alerta Saragoça da Matta, defendendo que um dos perigos é o de haver outras instituições que, não sendo órgãos de polícia criminal, venham no futuro reclamar essas competências. “Seria uma medida absolutamente perigosa”, avisa o jurista.
Uma fonte da Polícia Municipal de Lisboa ouvida pela VISÃO diz mesmo que os agentes que cumprirem a ordem de Carlos Moedas correm o risco de incorrer num crime. “O risco é que se chegue a tribunal e o Ministério Público não valide a detenção. O agente pode incorrer num crime de sequestro, abuso de poder ou detenção ilegal”, afirma a mesma fonte, explicando que Carlos Moedas devia ter “procurado conforto jurídico no Ministério Público” antes de avançar com esta medida.
Na Polícia Municipal há quem ache que este é “um tiro no pé” de Moedas
Tanto na Polícia Municipal como entre os vereadores da oposição, acredita-se que Moedas pode ter querido dar respaldo a uma pretensão já revelada pelo atual comandante daquela polícia. No entanto, entre os agentes que lá trabalham alerta-se para a forma como esta competência, caso venha a ser contemplada na lei, pode vir a ser “um tiro no pé”.
“A Polícia Municipal já tem muitas competências: a fiscalização de obras, licenciamentos, o trânsito e o estacionamento, a fiscalização de estabelecimentos… Historicamente, sempre que a Polícia Municipal assume competências, a PSP nunca mais trabalha nessas áreas. Tem sido sempre assim. E é por isso que esta afirmação do presidente da Câmara não é prudente”, diz à VISÃO um agente desta polícia, temendo que assumir a possibilidade de tramitar o expediente depois das detenções possa retirar à Câmara de Lisboa a possibilidade de pressionar o Governo para ter mais policiamento da PSP na cidade.
A isto, junta-se mais um problema. “A Polícia Municipal de Lisboa não tem infraestruturas para acolher detidos, não tem sala de detenções”, frisa a mesma fonte.
Além de invocar o sentimento de insegurança, que alguns relatórios mostram estar a aumentar, Moedas falou também na necessidade de motivar estes agentes. Mas essa também não é uma razão que colha junto de todos os PSP que estão ao serviço da Polícia Municipal de Lisboa. “Como se já não tivessem que fazer e como se a motivação viesse das detenções”.
MAI analisa a questão “do ponto de vista técnico-jurídico”
Contactado pela VISÃO sobre a falta de cobertura legal desta ordem de Carlos Moedas, o gabinete da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, reiterou que “em relação à matéria das declarações do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa quanto aos poderes da Polícia Municipal dessa cidade, estão previstas na lei aplicável”.
Ainda assim, o MAI admite alterar a lei na sequência da ordem dada por Carlos Moedas. “No entanto, perante as questões suscitadas pelo Sr. Presidente da Câmara, essa matéria está a ser analisada do ponto de vista técnico-jurídico”.
PS “perplexo” pede informações a Moedas
“Vimos com perplexidade as declarações do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. O mesmo presidente que diz estar de mãos atadas em quase todos os temas da cidade, aqui escolheu avançar sem suporte jurídico. Mas mais grave: Carlos Moedas está a estimular uma falsa percepção de segurança aos lisboetas, uma vez que a Polícia Municipal não tem as competências que permita agir nos termos em que Moedas referiu”, reage à VISÃO o vereador do PS Pedro Anastácio.
O PS quer, aliás, que Carlos Moedas explique melhor os contornos da afirmação que fez à SIC Notícias. “Disse que já aconteceram detenções. Se sim, quantas e em que situações? Está em causa uma flagrante violação legal com o apoio político do Presidente da Câmara Lisboa”, ataca Pedro Anastácio.
PCP recusa Xerife Moedas, BE fala em “manobra de diversão”
Entre os vereadores da oposição, a primeira reação foi de surpresa, uma vez que oficialmente não lhes foi dada informação sobre esta ordem de Moedas. Apesar disso, PCP e BE não poupam críticas à iniciativa do presidente da Câmara.
“As atribuições da Polícia Municipal estão definidas na lei. Nenhum presidente de Câmara pode dar instruções à Polícia Municipal para atuar em desrespeito da lei. Se foi isso que foi feito, é grave. Se não foi isso que foi feito e o que está em causa é uma atuação dentro das atribuições que a PM já hoje tem, então a decisão do presidente da Câmara nada acrescenta”, afirma à VISÃO o vereador do PCP, João Ferreira.
De resto, João Ferreira frisa que “qualquer alteração à lei com o intuito de alterar as atribuições das polícias municipais tem de correr pelas vias adequadas e obriga a uma ponderação global do modelo de segurança interna”.
“Nessa ponderação deve ser tido em conta que Portugal não precisa de ter a PSP1, a PSP2, a PSP3, etc., etc., nem precisa de ter em cada presidente de Câmara um xerife”, diz João Ferreira.
“O que o Presidente da Câmara de Lisboa quer é que um Polícia Municipal possa deter, levar para a esquadra, dar sequência ao processo ou ir buscar gente a casa. Mas isso não tem nenhum sentido e é ilegal”, defende o vereador do BE, Ricardo Moreira, que acredita mesmo estar-se perante uma “manobra de diversão política por causa do lixo e dos painéis da JC Decaux”.
Contactado pela VISÃO, o gabinete de Carlos Moedas não quis prestar qualquer esclarecimento.