Tem dado que falar a imagem escolhida pela Câmara de Lisboa para assinalar a efeméride do 25 de Novembro de 1975. No âmbito da iniciativa, conduzida pelo executivo de Carlos Moedas, a autarquia espalhou pelas ruas da capital um cartaz que usa a imagem (ver abaixo) de uma multidão, não reunida naquela data, mas cinco meses antes, naquele que ficaria para a história como o “Comício da Fonte Luminosa”, promovido pelo PS, e que teve lugar no dia 19 de junho daquele ano.
A polémica multiplica-se, entretanto, nas redes sociais. No X (antigo Twitter), o eurodeputado José Gusmão foi um dos primeiros a comentar o assunto, afirmando que a Câmara de Lisboa “aderiu ao método chegano da falsificação de imagens”. “Neste caso, através da ilustração da campanha revisionista sobre o 25 de Novembro com uma foto que nada tem a ver com o 25 de Novembro”, escreveu o político do Bloco de Esquerda. Muitos outros utilizadores acompanham estas críticas.
O 25 de Novembro de 1975 não foi, aliás, vivido com as multidões nas ruas – como tinha acontecido no 25 de Abril de 1974 –, pois o então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, perante o clima de tensão, declarou (um inédito) “estado de sítio”, para toda a região metropolitana de Lisboa, que só seria levantado a 2 de dezembro. As ruas da capital estavam necessariamente desertas nas horas em que tudo aconteceu. O País manteve-se “em pausa” durante oito dias.
Moedas esquece o militar “do outro lado”
A comemoração do 25 de Novembro, nestes moldes, continua a dividir opiniões. A Câmara de Lisboa anunciou, esta semana, o programa de comemorações para assinalar a data, sublinhando, neste comunicado, uma vez mais, que “Só em Novembro se cumpriu Abril”.
A história daquele dia, já recordada pela VISÃO, num artigo assinado pelo jornalista Filipe Luís – que fez capa da edição do passado 12 de outubro –, incluiu um sem número de peripécias, como, e talvez o momento mais marcante de todos, o confronto, na manhã de 26 de novembro, entre os Comandos, chefiados por Jaime Neves, e a Polícia Militar, última bolsa de resistência das forças da esquerda radical militar, acantonada no quartel da Calçada da Ajuda.
A altercação custou a vida a dois comandos (Tenente José Coimbra e Furriel Joaquim Pires) e a de um aspirante da Polícia Militar (Albertino Bagagem). No próximo dia 25 de Novembro (11h00), Carlos Moedas deposita, no local dos eventos, uma coroa de flores em homenagem aos militares mortos em ação, mas apenas os dois comandos serão recordados, caindo no esquecimento a vítima que engrossava as fileiras da PM. A opção não foi, até ao momento, mencionada publicamente por nenhuma força política.
Do programa das festividades, faz parte a cerimónia comemorativa que vai ter lugar no Salão Nobre dos Paços do Concelho (agendada para as 12h15). Realiza-se ainda a conferência Democracia e Liberdade: Cumprir Abril em Novembro, que vai ter lugar na Biblioteca Municipal, no Palácio das Galveias (15h00). O encontro conta com as presenças de Álvaro Beleza (presidente da SEDES) e José Miguel Júdice (analista político), e será moderado por Helena Matos (Rádio Observador).
Vereador destaca importância do Comício da Alameda
O vereador da Câmara de Lisboa, Diogo Moura (CDS), esclareceu que a escolha da foto polémica foi tomada, pela autarquia, pelo facto de o “Comício da Fonte Luminosa” ter marcado, na vida política do país no pós-25 de Abril, a “separação” entre forças democráticas e não democráticas, permitindo juntar “os democratas, que saíram vencedores no 25 de Novembro”, onde inclui PS, PPD, CDS e pessoas sem partido. “Essa é a razão da escolha da fotografia”, explica.
Num email enviado à VISÃO, Diogo Moura confirma que “a foto é do dia 19 de junho de 1975”, e recorda que “a relevância do 25 de Novembro de 1975 não decorre de um evento particular”. “A evocação do 25 de Novembro não assinala um dia único, mas um processo que pôs fim a uma sucessão de acontecimentos que degradaram e ameaçaram a concretização plena do sonho de Abril: a estabilização de uma democracia liberal em Portugal. De junho a novembro a situação só se agravou”, diz o vereador da coligação “Novos Tempos”.
“Nessa altura, como agora, houve e há quem esteja contra esse projeto democrático. O comício da Alameda marcou essa separação, juntando os democratas, que saíram vencedores no 25 de Novembro, e essa é a razão da escolha da fotografia”, conclui Diogo Moura.
Artigo alterado, no dia 23 de novembro, às 15h00, com as declarações do vereador da Câmara de Lisboa, Diogo Moura (CDS), da coligação “Novos Tempos”, liderada por Carlos Moedas, na sequência de perguntas enviadas pela VISÃO.