Ainda não é desta que se pode dar como líquida a sucessão no PSD, na senda dos resultados nas últimas legislativas. Um grupo de mais de 20 militantes laranja entregou ontem ao Conselho de Jurisdição Nacional (CJN) do partido um pedido de impugnação da marcação da data das diretas, para 28 de maio. Os peticionários alegam que Rui Rio não só não apresentou formalmente a sua demissão, como não compareceu no Conselho Nacional em Ovar, onde foram agendadas as diretas – porque estava com Covid-19.
A VISÃO apurou que, apesar de uma primeira análise do documento já esta terça-feira, em princípio, só na próxima semana haverá uma decisão dos membros do CJN; sendo que uma fonte ligada ao tribunal do partido admitiu que se considera que a ação “está muito bem formulada”. E há ainda que, “objetivamente, analisar o pedido que o presidente do partido fez ao Conselho Nacional, de marcação de uma reunião extraordinária, para se perceber se isso configura um pedido de demissão”.
Rui Rio deu início a um processo de sucessão logo na noite eleitoral, mas com uma declaração muito duvidosa que não mencionou a palavra demissão: “sou o primeiro a dizer que, estando numa perspectiva de serviço público que é sempre o meu estilo, não consigo argumentar como é que posso ser útil ao partido. Só se alguém conseguir argumentar; eu não consigo”. Mesmo quando um jornalista insistiu para que esclarecesse o que acabara de dizer, o líder do PSD respondeu em alemão: “Ich habe auf Portugiesisch gesagt” [trad.: “eu já o disse em português”].
Henrique Cruz, o rosto do pedido de impugnação, admitiu que o documento surge “com a necessidade de uma questão de transparência no partido”.
“O cargo de presidente do partido não está vago. Só estará vago no final do termo do mandato; e o doutor Rui Rio foi eleito até dezembro de 2023. Como o atual líder não fez um pedido de demissão; não esteve presente, sequer, no Conselho Nacional extraordinário, em que uma declaração sua pudesse ter ficado em ata; e também não votou favoravelmente aquela data [28 de maio], porque terá de estar de acordo com a sua substituição; então, na prática nada do que foi feito e decidido é válido”, defendeu este social-democrata que milita no PSD desde 1976.
“Apenas poderiam ter sido convocadas as eleições para os órgãos nacionais do PSD em caso de aprovação de moção de censura ou reprovação de moção de confiança, o que não ocorreu até ao momento”, dizem contestatários.
“Se Rui Rio não quiser pedir demissão, pode ver a direção ser submetida a uma moção de confiança no Conselho Nacional. Ou até este órgão também ser alvo de moção de confiança. O que queremos dizer com isto é claro: o PSD não é uma autocracia e não somos tolerantes com a autocracia que Rui Rio implementou no partido e cujos resultados estão à vista”, acrescentou.
No documento enviado ao CJN, órgão presidido por Paulo Colaço, os 22 signatários frisam que o Conselho Nacional só pode marcar uma data se o mandato de Rio e do seu núcleo duro “tenham terminado ou tenham sido revogados”. “Como é do foro público e foi transmitido ao Conselho Nacional pelo Presidente da Mesa do Congresso [Paulo Mota Pinto], que não existiu qualquer demissão dos órgãos nacionais até ao momento. Também, não foi aprovada qualquer moção de censura ou reprovada qualquer moção de confiança e encontrando-se os seus membros na plenitude das suas faculdades, não se pode considerar que os respetivos mandatos tenham sido revogados”, sinaliza-se no texto a que a VISÃO acedeu.
Além disso, “não existindo qualquer impedimento para a função do presidente e da maioria dos membros da Comissão Política Nacional, não tendo estes apresentado a demissão ou renúncia ao mandato apenas poderiam ter sido convocadas as eleições para os órgãos nacionais do PSD em caso de aprovação de moção de censura ou reprovação de moção de confiança, o que não ocorreu até ao momento”.
“Desta forma, não tendo sido revogado/interrompido o mandato do Presidente e da Comissão Política Nacional, este apenas terminará em dezembro de 2023, pelo que o Conselho Nacional não tem competência para as deliberações tomadas no Conselho Nacional Extraordinário de 2022, sem previamente revogar os respetivos mandatos”, concluiu-se, apelando-se ao CNJ que faça cumprir os estatutos do PSD.
Caso as eleições para a liderança do PSD sejam a 28 de maio, o partido vai se confrontar com a situação de ir a eleições de novo em 2024 num período em que o País terá eleições europeias e se realizam as regionais açorianas.