Nos “idos de março” de 1987, Mário Soares recebe, em Belém, um homem alto e magro, vagamente sorumbático, engenheiro-agrónomo e neófito político, líder do terceiro partido com maior representação parlamentar. O dirigente do Partido Renovador Democrático (PRD), Hermínio Martinho, vem confidenciar ao Presidente da República (PR) que a sua bancada se prepara para submeter, à votação na Assembleia da República, uma moção de censura ao governo minoritário do PSD, liderado, desde 1985, por Aníbal Cavaco Silva. Para derrubar o governo, o PRD conta com toda a esquerda coligada. Mário Soares toma boa nota da informação, por enquanto reservada. Mas, por portas travessas, avisa o líder do PS, Vítor Constâncio, do que está a ser preparado e move a sua influência para convencer o seu sucessor na liderança dos socialistas a não ouvir “o canto de sereia” do PRD. Afinal, os renovadores vieram ocupar o espaço do PS, arrebatando-lhe, nas eleições de 1985, metade do eleitorado. Para que voltem para onde vieram, é essencial que nunca cheguem ao governo, muito menos pela mão dos socialistas… Logo a seguir, a 24 de março, o PR parte para o Brasil, numa visita de Estado.
A 3 de abril, em plenos trópicos, é informado de que a moção de censura foi aprovada, no Parlamento, à custa dos votos favoráveis do PS de Constâncio. Vítor Constâncio, o tal líder que Soares compara a uma espécie de “galinha que não voa”. Furioso, descarrega a frustração nos assessores: “Porquê? Porque é que o gajo [Constâncio] fez essa asneira?!”
