Há várias semanas que não responde a mensagens e telefonemas. Nem sequer de pessoas próximas. “Ausentou-se em parte incerta” é a versão oficial do Chega.
Mas Luís Graça não é um militante qualquer: ex-dirigente do PNR, antigo ativista da fase embrionária do movimento neofascista Nova Ordem Social (NOS) e rosto da ala nacionalista do Chega, Graça era presidente da mesa do conselho nacional e funcionário do partido. Era, mas já não é.
Na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional que deu razão ao Ministério Público e obrigou o Chega a realizar novo congresso no final deste mês para aprovar novos estatutos e corrigir decisões que os juízes consideram irregulares, Luís Graça desapareceu do radar do partido e dos dirigentes de quem é mais próximo. Ventura responsabilizou-o pelas falhas na resposta ao tribunal, entre elas o facto de não ter sido enviado um anexo onde o partido supostamente fundamentava as suas razões para evitar uma decisão desfavorável. O contrato de funcionário foi, entretanto, rescindido. No último conselho nacional, ocorrido em Leiria no passado sábado, 30, já sem a presença de Graça, o líder do partido procedeu então à sua destituição dos órgãos do Chega.
Graça, culpado ou bode expiatório?
Os militantes, incrédulos, ficaram a saber do desaparecimento do agora ex-dirigente pela boca do próprio Ventura durante o jantar da sua recandidatura à liderança do partido, dia 24, num restaurante de Gaia. “O presidente da mesa nacional desapareceu. Mas desapareceu verdadeiramente. Ninguém sabe onde está”, assumiu, na altura, o deputado. “Se temos hoje um congresso marcado é também porque ele falhou. Mas quem teve de dar a cara fui eu nos dias a seguir. Não havia presidente da mesa nem havia ninguém para dar a cara. Ninguém sabe do presidente da mesa. Deixou de cumprir as suas funções no partido e deixou, sobretudo, de responder aos militantes (…) Este é o partido que temos”, desabafou Ventura, perante centenas de militantes e dirigentes.
Na verdade, o acórdão do TC, de 28 de setembro, refere o facto de Luís Graça não ter enviado, por e-mail, um anexo onde o Chega justificaria as suas razões e requeria o averbamento dos estatutos aprovados na II Convenção, realizada em Évora, em setembro do ano passado. Durante dias, o tribunal insistiu com aquele dirigente e com o Chega para que enviassem, com urgência, o anexo “perdido”. Sem efeito. “Não obstante as insistências, por escrito e por via telefónica, o partido nada disse nem entregou qualquer resposta”, lê-se no referido acórdão.

Graça assume confronto?
“Não falo com o Luís Graça desde o início do mês”, assume o secretário-geral do Chega à VISÃO. Segundo Tiago Sousa Dias, o ex-presidente da mesa do conselho nacional admitiu ao líder e a ele próprio que se esqueceu de responder ao TC, mas desmente ter havido uma reunião a três, na sede do partido, que teria terminado de forma abrupta, com Graça a acusar Ventura e Tiago de traição. “É mentira! Nunca houve uma reunião em que estivéssemos os três. Houve, sim, uma conversa entre o líder e o Graça. O André pediu-lhe explicações, ele admitiu o erro e apresentou a demissão”, esclarece o secretário-geral. Tiago Sousa Dias garante ainda que Luís Graça já havia manifestado, há meses, a intenção de sair de funcionário do Chega. “Alegou que ia abrir um restaurante em Rio Maior e se iria afastar, mas isso foi antes de ser conhecido o acórdão do tribunal”.
A VISÃO tentou, durante semanas e com particular insistência nos últimos dias, contactar Luís Graça por telemóvel e correio eletrónico, mas tal revelou-se infrutífero. “Do que conheço do Graça – e somos amigos há mais de 40 anos – esta história ainda não viu o capítulo final”, reage o militante Luís Alves, antigo dirigente do núcleo de Sintra do Chega. “Se o Graça foi mesmo traído nesta questão do acórdão do TC, estou convicto de que não descansará enquanto não fizer a confrontação pública com a direção do partido”. Uma coisa é certa: o afastamento deste dirigente estava, há muito, nos planos de Ventura que, no congresso de Coimbra, em maio, apoiou tacitamente a candidatura de Manuel Matias à presidência da mesa, mas Graça acabaria por ser reeleito.
De resto, o líder do partido parecia adivinhar o desfecho resultante da atuação do Ministério Público junto do TC pelo menos desde dia 31 de agosto, dia da rentrée do Chega em Albufeira. Na ocasião, Ventura fez o balanço do ano político e das decisões tomadas na reunião-magna de Coimbra, deixando, no entanto, escapar: “Espero que não tenhamos outro [congresso] tão depressa…”. Seria o subconsciente a funcionar?