O adjunto de Salvador Malheiro na Câmara Municipal de Ovar, e vice-presidente daquela concelhia do PSD, está envolvido num esquema de falsificação de faturas de um clube desportivo local. A direção do clube diz que, “nos próximos dias”, vai avançar com um processo contra Henrique Araújo para o pagamento de cerca de 70 mil euros, ainda que o vice-presidente do PSD de Ovar diga “desconhecer todos os elementos” do caso. Salvador Malheiro admite à VISÃO “ponderar” o afastamento do seu braço-direito se perceber que o caso “afeta a imagem da autarquia”.
Os factos contra Henrique Araújo constam de um processo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (1/09.3BEVIS). Estava em causa a contestação do Esmoriz Ginásio Clube ao pagamento de mais de 34 mil euros, entre devolução de IVA e correção de IRC, que a instituição nunca entregou ao Fisco e que estão relacionados com as faturas falsas encomendadas por Henrique Araújo a um empresário local. A decisão transitou em julgado no final do ano passado – apesar de o caso já ter mais de dez anos – e o clube foi agora notificado para pagar os valores em falta à Autoridade Tributária. Mas os dirigentes anunciaram que vão avançar com um novo processo em tribunal, desta vez para exigir a Henrique Araújo o pagamento de todos os custos associados ao processo, e que já somam cerca de 70 mil euros, entre o valor das faturas falsificadas, juros de mora e custas judiciais.
Os contornos do caso contam-se em poucas palavras. António Manuel da Silva Fernandes, filho do sócio-gerente de uma empresa de construção civil (a AnFerSil), reiterou em tribunal aquilo que já tinha dito ao inspetor tributário: que “foi contactado por um seu conhecido, de nome Henrique Araújo”, antigo vice-presidente do EGC (entre 2004 e 2005), para “fabricar” faturas por supostas intervenções nas instalações do clube de Esmoriz. Trabalhos que, na verdade, nunca foram realizados pela empresa.
A AnFerSil passava a fatura, o clube pagava as supostas obras em cheque e alguém levantava o dinheiro. O relato de um dos responsáveis da AnFerSil – o filho do sócio-gerente a quem Araújo encomendou as faturas – ficou registado no processo. António Manuel da Silva Fernandes “recorda-se de ter sido acompanhado até ao banco, para levantamento de pelo menos um dos cheques”, “sem que efetivamente o mesmo tivesse sido depositado na sua conta”, “apesar de no verso do mesmo se encontrar identificada a sua conta bancária”. O empresário recorda-se de que, quando foi levantar o dinheiro da obra fantasma, acompanhado pelo então tesoureiro do clube, “este entregou-lhe o correspondente ao IVA”. Essa verba “foi mais tarde exigida pelo Henrique, a quem o entregou (cerca de 500 euros)”.
Foi assim ao longo de mais de um ano, com faturas emitidas e cheques passados em nome da empresa para pagamento de supostas obras de requalificação da AnFerSil no campo de ténis e no parque de estacionamento do clube desportivo. No entanto, o tribunal concluiu – com base no testemunho de funcionários do clube e da própria empresa de construção – que estas intervenções “já tinham sido feitas em datas bem anteriores à da emissão das faturas pela Anfersil, que descrevem os mesmos trabalhos”. No processo, o juiz Rui A. S. Ferreira refere que, “tendo sido confirmado que essas obras nunca foram realizadas pela tal empresa [AnFerSil], é manifesto que as faturas em causa são falsas”.
Para o magistrado, saber se foi ou não Henrique Araújo quem encomendou as faturas falsas e se as verbas desviadas serviram para “o clube poder suportar as despesas relativas à remuneração dos jogadores” ou para outro fim são questões secundárias. “O que merece ser destacado é o facto de o dito Henrique Araújo fazer parte da direção da agora impugnante [o clube de Esmoriz] à data dos factos, e, enquanto tal, ser seu representante legal”, refere a sentença. É por isso que “os atos praticados em nome e no interesse da pessoa representada produzem efeitos jurídicos na esfera desta”.
Mas, apesar de a sentença imputar a responsabilidade ao clube, ficou dado como provado em tribunal que o seu antigo vice-presidente, Henrique Araújo, está diretamente envolvido nesse processo.
“Foram emitidos por António Manuel da Silva Fernandes, em nome da ‘AnFerSil’ (e sem conhecimento do sócio-gerente), orçamentos, faturas e recibos ao cuidado do Esmoriz Ginásio Clube (a pedido de Henrique Araújo), documentos que não titulavam qualquer operação real – nenhum serviço foi prestado pela AnFerSil ao EGC –, tendo sido ‘fabricados’ com recurso ao software ‘Word’ a troco de uma contrapartida monetária”, aponta a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Adjunto em risco: Malheiro “pondera” agir
A direção do clube desportivo não se conforma com o facto de ter de pagar as verbas desviadas no esquema das faturas falsas. Num comunicado divulgado esta segunda-feira na página da instituição, os dirigentes do EGC alegam que o valor que estão obrigados a pagar ao Fisco pode por em risco a continuidade da instituiução e partem para o ataque: vão exigir os 70 mil euros a Henrique Araújo.
A bola está, por isso, do lado do clube desportivo. Segundo um dos elementos da direção, a instituição tem lidado com frequentes dificuldades financeiras e, agora, é incapaz de dispensar os 70 mil euros exigidos pelo tribunal – porque, simplesmente, não dispõe desse dinheiro. O responsável do clube que a VISÃO contactou (e que pede anonimato com receio de represálias) garante não haver qualquer registo do destino dado aos mais de 34 mil euros do esquema que envolveu Henrique Araújo e assegura que o clube vai lutar em tribunal para que seja o adjunto de Salvador Malheiro a entregar esse valor.
Foi com este cenário em mente que, no último fim de semana, em Assembleia Geral extraordinária, os sócios do EGC (cerca de 55) decidiram, por uninanimidade, “intentar uma ação judicial cível contra o vice-presidente da direção do biénio 2004/2005, senhor Henrique Manuel Dias Araújo, por ser o mentor da introdução de faturas falsas no circuito contabilístico do clube”. A intenção é que o agora adjunto de Salvador Malheiro seja obrigado a “ressarcir o clube de todos os danos morais, patrimoniais e monetários referentes às verbas a pagar à Autoridade Tributária”, refere o comunicado.
À VISÃO, o mesmo dirigente do clube confirma que o caso já está nas mãos dos advogados da instituição e que, “nos próximos dias, mas tão breve quanto possível”, o processo contra Henrique Araújo seja formalizado. “Alguém prevaricou e não foi o clube”, sublinha, separando as águas entre as responsabilidades de Araújo no EGC e as funções que agora exerce na autqruia. Uma coisa o dirigente garante: “Não tememos nada”, mesmo que Henrique Araújo já tenha avisado pessoalmente que vai interpor processos judiciais, por ofensa ao bom nome, a cada um dos dirigentes do EGC. “Quando aceitámos assumir a direção do clube, dissemos que íamos defender a instituição e se não avançarmos com este processo não estaremos a fazê-lo”, conclui o dirigente.
O presidente da Câmara Municipal de Ovar recorda que o caso tem 15 anos e que surge antes ainda de Araújo ser seu assessor na autarquia, mas admite retirar consequências. À VISÃO, num breve comentário às informações mais recentes sobre este processo, Salvador Malheiro refere que “se houver alguma coisa que coloque em causa o bom nome e a imagem da Câmara Municipal de Ovar, terá que ser ponderado” que posição tomar. No limite, o autarca poderá afastar o seu braço-direito, que chegou àquelas funções logo depois de Malheiro ser eleito, em 2015.
Quando chegou a vice-presidente do PSD, Malheiro não dispensou a presença de Araújo. O adjunto do autarca é presença frequente nos encontros da direção de Rui Rio, em Lisboa, mas também nas reuniões do Conselho Nacional dos sociais-democratas.
Araújo garante absolvição – mas num processo anterior
A VISÃO contactou Henrique Araújo para que o dirigente local do PSD explicasse, por exemplo, qual o destino das verbas correspondentes às faturas falsas. Araújo beneficiou pessoalmente desse dinheiro? Ou, como chegou a alegar, tratou-se de um esquema para “pagar aos jogadores do clube” de Esmoriz? E estará disponível para devolver os cerca de 34 mil euros e uma verba sensivelmente idêntica em custas judiciais e juros de mora?
As questões foram colocadas por e-mail e, menos de uma hora e meia depois, a resposta chegava através da advogada do dirigente local do PSD. “De acordo com a informação prestada pela mandatária judicial, Dra Marília Ferreira da Silva, os factos ocorridos há 15 anos atrás (biénio 2004/2005), foram objecto de inspecção por parte da Autoridade Tributária, tendo dado origem ao processo mencionado no comunicado do E.G.C. de Esmoriz, processo 129/04.6IDAVR do Tribunal Judicial da comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Aveiro-Juiz 1”, começa por referir o e-mail da advogada de Henrique Araújo. Depois, a conclusão: “Tal como consta da sentença proferida no referido processo, o meu cliente foi absolvido.”
É verdade que Henrique Araújo foi absolvido no âmbito do processo 129/04.6IDAVR. Mas as questões que a VISÃO colocou referiam expressamente um outro processo (o tal 1/09.3BEVIS), que até nasce da investigação em que Araújo é ilibado. É neste segundo processo, cuja sentença só há poucos meses transitou em julgado, que o antigo dirigente do clube de Esmoriz é visado e dado como responsável pela “encomenda” das faturas falsas.
Os esclarecimentos às perguntas colocadas chegaram já depois da publicação da notícia pela VISÃO. Nessa segunda reposta, a advogada de Henrique Araújo lembra que o antigo dirigente do EGC “deixou de exercer funções na instituição em causa em 2005, ou seja, há 14 anos”, e que, durante este período, “nunca recebeu qualquer notificação ou até uma simples informação relativa ao processo” do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Marília Ferreira da Silva diz que o único processo em que o adjunto do presidente da Câmara Municipal de Ovar “esteve envolvido” é aquele em que é ilibado e que “desconhece todos os elementos” do caso em que é apontado como mentor das faturas falsas. Por isso, sobre esse caso, “não se pode pronunciar”.
[Notícia alterada às 15h57 para serem acrescentadas as respostas enviadas por Henrique Araújo à VISÃO já depois da publicação do texto]
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