Passaram 20 dias desde que José Silvano foi promovido a figura incontornável na política nacional por ter sido noticiado que tinha assinalado duas presenças em plenários da Assembleia da República sem que, de facto, lá tenha estado. Em seu socorro – e já depois de o deputado ter desafiado o Ministério Público a investigar o caso – saiu Emília Cerqueira, que assumiu a responsabilidade pelos acessos ao computador de Silvano. Desde então, Rui Rio tem sido bastante criticado por, aparentemente, não conseguir que o “banho de ética” que prometeu à classe política chegue à sua própria direção. Esta quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que o episódio está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.
Silvano, de 61 anos, recorde-se, é o segundo secretário-geral do partido nos dez meses do consulado Rio – após a demissão de Feliciano Barreiras Duarte -, e, além disso, também os vice-presidentes Elina Fraga e Salvador Malheiro são visados por inquéritos judiciais. Em entrevista por escrito à VISÃO, o deputado deixa diversos recados aos sociais-democratas, especialmente aos adversários internos, insistindo na tese de que o partido não chegará a lado nenhum num clima de crispação e conspiração permanente.
A cinco meses das europeias e a menos de um ano das legislativas, Silvano mostra convicção de que o PSD ainda vai a tempo de superar o PS de António Costa. Porém, atira, mesmo que isso aconteça “alguns” continuarão a “fazer de tudo” para que Rio vá a sua vida.
Já mudou a sua password na Assembleia da República?
Penso ter feito o que a totalidade dos deputados faz, que é ir atualizando com pequenos ajustamentos ao longo tempo, senão o sistema informático bloqueia o computador.
Por que razão, podendo fundamentar as ausências de 18 e 24 de outubro com trabalho político, não apresentou quaisquer justificações?
Porque não recebi a comunicação que me permitiria justificar a falta por parte da mesa da Assembleia da República (conforme consta do regimento), que neste caso não podia ter sido enviada porque a presença estava registada. Recorde-se que sempre que um deputado tem trabalho político no exterior, esse facto é justificativo para as faltas ao trabalho das comissões ou do plenário.
Não estranhou que em outubro tivessem sido contabilizadas 13 presenças suas em plenários?
Não, porque os deputados só tomam conhecimento das faltas se forem consultar o portal da Assembleia da República ou o recibo de vencimento, que inclui as ajudas de custo, e este só é entregue no mês seguinte.
É compreensível que um deputado diga, como o sr. deputado respondeu ao Expresso, “Eu vou sempre lá quase só para marcar [a presença]”?
A afirmação pode não ter sido a mais feliz e não cumpriu o politicamente correto. A afirmação politicamente correta seria não o referir, uma vez que quase todos o fazem, particularmente aqueles que acumulam cargos executivos nas direções partidárias. Esta é uma “regra” assumida desde o 25 de Abril mas, se eu causei tanta polémica com esta afirmação, então chegou talvez a hora de o Parlamento debater se um líder partidário deve ser simultaneamente deputado ou se tal é incompatível com a função parlamentar. Acha que os líderes partidários, por exemplo, estão o dia todo no plenário da Assembleia da República ou pelo menos no edifício a trabalharem na função parlamentar? Não estão nem nunca estiveram e até [ao caso] “José Silvano” foi uma realidade pacificamente aceite e compreendida.
Porque é que não assumiu de imediato, quando foi confrontado pelo Expresso, que não tinha estado no Parlamento?
Porque estive nesses dois dias no Parlamento. No dia 18 presidi a uma reunião da primeira comissão [Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias], e no dia 24 estive numa reunião do grupo parlamentar do PSD, tendo em ambos os casos assinado a respetiva presença.
É normal que uma password que, por definição, é pessoal e intransmissível, seja dada a uma colega deputada?
Para efeitos de registo de presença não é normal e eu nunca o fiz. Para acesso a documentos de trabalho e outro tipo de informações há quem o faça e eu também o fiz; até pelo facto de estar muitas vezes fora em trabalho político.
Sabia que tinha sido a deputada Emília Cerqueira a aceder ao seu computador e, voluntária ou involuntariamente, a validar as suas presenças fazendo login?
Não sabia. Aliás, quando temos a consciência limpa não agimos com calculismo, nem preparamos respostas para justificar os atos do dia-a-dia. Ou seja, no imediato, nem me lembrei do que poderia ter sucedido: alguém ter acedido ao meu computador e, dessa forma, ter também registado a minha presença, para além da consulta que foi efetivamente fazer.
Isto é, não lhe pediu para o fazer…
Não pedi para registar a minha presença, nem nessa altura nem em qualquer outra. Porque haveria eu de pedir, se esse registo não me conferia o direito a uma ajuda de custo que eu já tinha, e também não precisava dele para evitar a justificação de uma falta que, à luz das regras, estava mais do que justificada, e bem visível?
Porque é que a deputada Emília Cerqueira tinha a sua password?
Porque a deputada Emília Cerqueira pertence, por exemplo, à Comissão Autárquica, coordenada pelo secretário-geral do PSD, e precisava de ter acesso a documentos de trabalho e a outro tipo de informações nesta matéria.
Não teme que essa justificação pareça pouco plausível?
Não. A título de exemplo, veja-se que num dos dias ela entrou mais vezes com a minha password, o que prova que a intenção era de consulta e não de marcar a presença, que é registada apenas da primeira vez. Aliás, tendo ela estado nas mesmas reuniões em que eu estive na manhã dos dois dias em causa, tinha pleno conhecimento de que eu não precisava de ser registado no plenário para efeitos de recebimento dos 69 euros de ajudas de custo, porque eu já tinha direito a ele nos termos regulamentares.
Pediu à deputada Emília Cerqueira, por outro lado, que viesse a público revelar que tinha sido ela a marcar a presença por si?
Obviamente que não. Se imaginasse isso tinha-lhe pedido para o fazer de imediato. Poupava-se grande parte do exagero mediático para enlamear o meu nome.
Trata-se de uma prática normal e corrente na bancada do PSD? E sabe da ocorrência de outros casos, até mesmo noutros grupos parlamentares?
Não sei se é normal em todas as bancadas, mas sei que existem outros casos. Deixemo-nos de hipocrisias: acho que todos sabem!
Entretanto, foi a uma reunião da comissão eventual para a Transparência, assinou a folha de presenças e deixou a sala sem chegar a sentar-se, conforme foi noticiado. Foi prudente da sua parte?
Não foi prudente da minha parte, mas terá sido prudente por parte de outros que fizeram o mesmo que eu. na mesma reunião. Sobre essa questão pronunciou-se o próprio Presidente da Assembleia da República, afirmando que era uma prática normal e permitida. É assim desde sempre. Como disse, acha que os líderes e os dirigentes partidários que têm funções executivas estão no plenário com grande assiduidade? Serei eu diferente de todos os demais?
Eduardo Ferro Rodrigues disse que é preciso banir os “procedimentos lesivos da credibilidade de qualquer deputado, dos grupos parlamentares, e consequentemente, da democracia representativa”. Sentiu-se um alvo fácil para o presidente da Assembleia da República? Como é que lhe responde?
Concordo com ele, mas não me se senti alvo das suas palavras. Não tive nenhum comportamento lesivo da democracia representativa. Até pelas funções que já desempenhou como líder partidário, o dr. Ferro Rodrigues conhece bem as práticas da Assembleia da República.
Sente-se moral ou politicamente diminuído a partir destes episódios?
Não, porque quem não deve não teme e eu tenho a minha consciência tranquila. A prazo, quando o silêncio permitir uma reflexão mais serena por parte de todos, até pode ser ao contrário. Podem perceber o exagero e a injustiça que me foi feita. Em mais de 30 anos de vida pública nunca a minha palavra, a minha honra ou a minha idoneidade foram postas em causa, mesmo em cargos de decisão relevantes. Assumi, por exemplo, o cargo de secretário-geral sem qualquer remuneração ou benefício.
Acredita que este caso se insere numa campanha que parte de dentro do PSD para atingir Rui Rio?
É público e notório que o atual presidente do partido tem sido alvo de uma campanha interna para tentar manchar o seu caráter e impedir a sua afirmação perante os portugueses.
Quem move essa cruzada contra o líder? Quem anda a conspirar?
Não vou apontar nomes, mas basta andar pelos corredores da Assembleia, ler alguns jornais ou navegar pelas redes sociais para identificar quem são. Um pequeno grupo que, em promiscuidade com alguns jornalistas, nunca aceitou a eleição democrática de Rui Rio. Uma coisa pouco ortodoxa, como tenho vindo a dizer. Mas é o que temos.
A direção do partido pondera lançar alguma investigação interna, abrir algum processo ou “limpar” essas pessoas das listas de candidatos a deputados para as próximas legislativas?
Trata-se de um processo iminentemente político que, como tudo, na vida, seguirá o seu curso natural.
O que lhe disse Rui Rio? Acha que o presidente do partido só mantém a confiança em si por serem amigos?
Penso que mantém a confiança porque inexistem razões políticas para a tirar. A única coisa que eu poderia ter feito de diferente era não ter dado a password a um colega. Rui Rio é uma pessoa insuspeita: é justo e não cede a pressões internas ou mediáticas apenas para valorizar a sua imagem e merecer muitos aplausos públicos. Como é óbvio, Rui Rio não protege os amigos, ao contrário do que alguns maldosamente tentaram fazer passar para a opinião pública, inventando declarações que não existiram. Nessa altura, explicou que na sua vida privada não deixa cair os amigos, mas em funções públicas, infelizmente, já teve de o fazer.
Se se sentir um empecilho para o líder, sai pelo próprio pé?
Sim, obviamente.
É o segundo secretário-geral do PSD confrontado com problemas, se não legais, pelo menos éticos em praça pública. E ainda há as investigações a Elina Fraga e a Salvador Malheiro, ambos vice-presidentes. Não é a própria direção que está a dificultar a vida ao presidente do PSD e à sua estratégia de afirmação, sobretudo quando prometeu dar um “banho de ética” à classe política?
Ainda não vi nenhuma acusação pública por parte da Procuradoria-Geral da República em relação a isso. Neste caso, o banho que eu vejo é o banho-maria. Sabe o que é, não sabe? Sendo o atual líder do PSD intocável do ponto de vista ético , aquilo que os seus adversários mais procuram é manchar essa realidade das formas mais ardilosas que conseguem imaginar. A esta hora já devem ter dado mil e uma voltas à vida dele na ânsia de encontrarem um qualquer pormenor que permita a criação de um escândalo mediático.
Se recordarmos que, além deste caso, foram recentemente reveladas alegadas fraudes nas moradas dos deputados, financiamentos duplicados a viagens para as ilhas, não considera ser necessário que alguém intervenha, até para travar a ascensão de fenómenos populistas? Não se sentirá corresponsável se algum movimento destes emergir?
Não me sinto responsável, mas se, por força de toda esta história, vier a emergir seja o que for que leve à eliminação de más práticas parlamentares a sociedade até teria oportunidade de ganhar alguma coisa com ele.
Que resultado é exigível ao PSD nas europeias e nas legislativas?
O PSD é um partido que tem de entrar sempre em eleições para ganhar. Espero que estejam todos cientes disso e que, com o seu comportamento, não prejudiquem esse objetivo natural.
Rui Rio deve continuar à frente do PSD mesmo que perca as legislativas?
O PSD vai ganhar as eleições legislativas mas, pelo que vejo, se calhar, mesmo assim, alguns ainda persistirão em fazer de tudo para que ele saia…