O CDS-PP anunciou esta quarta-feira que vai requerer uma auditoria independente a ser realizada pelo Tribunal de Contas “à utilização do dinheiro da solidariedade dos portugueses destinado à reconstrução das áreas afetadas pelos incêndios” em junho do ano passado. O anúncio foi feito, numa conferência de imprensa na Assembleia da República, pelo líder parlamentar dos democratas-cristãos, Nuno Magalhães, que justificou a iniciativa com o facto de as dúvidas sobre a utilização dos donativos se terem “adensado” nos últimos dias, dois meses depois de uma investigação da VISÃO ter revelado que a alteração de moradas fiscais, em data posterior aos fogos, terá sido o truque utilizado para que várias habitações não permanentes tenham sido indevidamente recuperadas.
O dirigente centrista afirmou que a postura do Governo em torno desta controvérsia, que já motivou a abertura de um inquérito judicial – foram enviados 113 processos de casas intervencionadas para o Ministério Público -, tem “adensado as dúvidas” e notou que não havendo total clarificação sobre as presumíveis irregularidades corre-se o risco de “o Estado português não estar a aturar como uma pessoa de bem”.
Duas semanas após ter chamado ao hemiciclo o ministro Adjunto, Pedro Siza Vieira – responsável por esta questão, segundo o organograma governamental, que Nuno Magalhães lamentou ter “desaparecido” – para responder às dúvidas dos deputados sobre o assunto, a bancada do partido liderado por Assunção Cristas exige agora a presença de Pedro Marques, titular da pasta do Planeamento e Infraestruturas, que tem sido o membro do Executivo a ter a “iniciativa de prestar esclarecimentos”.
Além de Pedro Marques, Nuno Magalhães revelou também que o presidente do fundo Revita (criado pelo Estado para gerir os donativos), Rui Fiolhais, será convocado para uma audição parlamentar e, em resposta aos jornalistas, não excluiu que o presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, também seja convidado, uma vez que não tem a obrigação legal e regimental de aceitar ser ouvido.
Já quando questionado acerca da possibilidade de o CDS avançar com a proposta de uma comissão de inquérito, o responsável da bancada centrista assinalou que tal cenário “dependerá das respostas” que venham a ser dadas pelas personalidades chamadas. “[Perante] a gravidade do que está em causa, as consequências que, a ser verdade que houve uma utilização errada e não transparente desses fundos, não podemos excluir nenhuma diligência que do ponto de vista parlamentar o CDS possa fazer. Iremos até ao final para descobrir a verdade”, assegurou.
Recorde-se que, de acordo com uma investigação da VISÃO publicada a 19 de julho, os regulamentos que determinavam quais as casas que seriam recuperadas com maior urgência terão sido contornados com base, essencialmente, num expediente: a alteração das moradas fiscais, já depois da data dos fogos, para que habitações não permanentes fossem tratadas como primeiras casas – mesmo aquelas onde ninguém vivia há anos.
Foram feitas acusações de favorecimento e compadrio nas instruções dos processos e, no total, cerca de meio milhão de euros terá sido canalizado para situações irregulares. A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), Ana Abrunhosa, afirmou que todo o trabalho foi feito com clareza e transparência, mas admitiu que possam ter sido intervencionados imóveis que até nem tenham ardido. O Governo garantiu não ter recebido qualquer denúncia e a Câmara Municipal de Pedrógão Grande não quis responder às perguntas.
Mais recentemente, em duas reportagens, a TVI denunciou alegados esquemas de “compadrio” envolvendo familiares e amigos de autarcas e também adiantou que face ao levantamento inicial de primeiras habitações conduzido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a Câmara Municipal de Pedrógão Grande acrescentou 32 imóveis que, presumivelmente, também não preencheriam os critérios estabelecidos pelo Revita.