O advogado Daniel Proença de Carvalho contou esta manhã em julgamento que conheceu Orlando Figueira, o ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que é o principal arguido da Operação Fizz, a 5 de maio de 2015. Virado para os juízes, o presidente do conselho de administração da Global Media disse que, passado três anos desse acontecimento, precisou de ir à agenda e fazer um “esforço de memória” para se lembrar desse acontecimento: “Foi muito pouco relevante na minha vida profissional.”
Proença continuou dizendo que até essa data não conhecia o procurador que está a ser julgado por suspeitas de receber 760 mil euros em troca do arquivamento de processos contra Manuel Vicente. “Nunca me cruzei com ele em circunstância alguma. Não tinha recordação do nome de Orlando Figueira”, disse o advogado, acrescentando que o procurador lhe ligou pela primeira vez para o seu escritório a 27 de abril de 2015. “Nunca ligou para o meu telemóvel nem eu para o dele. Ligava para as minhas secretárias a pedir reuniões e verificaram-se essas reuniões.”
O advogado, que está a ser ouvido na qualidade de testemunha em julgamento – e que é acusado por Orlando Figueira de ter tentado comprar o seu silêncio, para que o procurador não falasse das suas intervenções nem sobre o papel do banqueiro Carlos Silva – contou aos juízes que só a 5 de maio de 2015, nessa conversa com Orlando Figueira, ouviu falar da empresa Primagest – a empresa de capitais angolanos com quem Orlando Figueira assinara um contrato-promessa de trabalho antes de sair do Ministério Público com uma licença sem vencimento: “Nem conhecia essa empresa nem nunca tinha ouvido falar dela. O Dr. Orlando Figueira disse-me que quem tinha tratado da parte dele no contrato tinha sido o Dr. Paulo Blanco [advogado que representava o Estado angolano em Portugal e também é arguido na Operação Fizz] e da parte da Primagest o Dr. Paulo Marques.” E mais à frente acrescentou: “A primeira vez que o Dr. Orlando Figueira me contactou disse que estava de relações cortadas com o Dr. Paulo Blanco. Tinha várias queixas.”
Proença continuou o seu depoimento dizendo que quando leu os contratos reparou que conhecia quem assinava o contrato pelo lado da Primagest: “O Dr. Manuel António Costa era um advogado que eu conhecia e com quem tinha estado em Luanda.” E por causa desse conhecimento, disse Proença, ajudou Orlando Figueira a chegar um acordo para a revogação do contrato com a Primagest, com o pagamento de quantias em dívida, e até intermediou um encontro entre Orlando Figueira e Manuel António Costa, tendo por isso várias reuniões com o procurador ao longo do ano de 2015. Para algumas chegou até a apontar datas concretas, embora frisando: “Passaram-se três anos e com a minha idade já não tenho a memória dos 30.”
Questionado pelos juízes sobre se associava a Primagest a Manuel Vicente – como alega a acusação do Ministério Público – Proença respondeu: “Não. Para mim Manuel António Costa era o rosto da Primagest. (…) E mais tarde Manuel António Costa disse-me que de facto não havia relação nenhuma.”
Proença de Carvalho continuou dizendo que para si o assunto “tinha morrido” até que, em novembro de 2015, Orlando Figueira voltou a ligar para o seu escritório a pedir uma nova reunião, que viria a acontecer a 2 de dezembro desse ano. “Disse-me que estava a ser investigado pelo DCIAP por uma denúncia anónima que ele imputava ao Dr. Paulo Blanco. Disse que era uma guerra de facções dentro do DCIAP, que era uma façção anti Cândida-Almeida, de quem ele era amigo.”
Embora garantisse que não tinha arquivado o processo de Manuel Vicente em troca de qualquer contrapartida, Orlando Figueira estaria preocupado com o processo que corria contra si. “Ele dizia: “Já prenderam um ex-primeiro-ministro, se calhar dava jeito uma perseguição a um magistrado.'”, contou Proença, acrescentando que Figueira o procurou porque quereria saber se poderia ter o apoio da Primagest e de Manuel António Costa. “A história que o Manuel António Costa me contou é que não havia relação nenhuma com Manuel Vicente e que tinha criado a Primagest para prestar serviços a investidores angolanos. A única preocupação do Dr. Orlando Figueira era a coincidência infeliz de datas mas disseram-me que efetivamente não havia nenhuma relação com o eng. Manuel Vicente.”
Porque disse que era “tudo fantasias”?
Mas no final, quem pagou a Proença de Carvalho estes serviços prestados a Orlando Figueira? O advogado respondeu que “ninguém”: “Toda a minha vida fui advogado de vários colegas e de alguns magistrados. Nunca levei honorários. Nunca recebi mandato nenhum. Isto foi apenas uma mediação, um gesto de boa vontade. Se soubesse o que sei hoje…”
Sobre os encontros que terão decorrido depois de 2015, alegadamente entre Proença, Orlando Figueira e o advogado Paulo Sá e Cunha, e já noticiados pela VISÃO, Proença de Carvalho negou. Disse que em fevereiro de 2016, quando foi detido, Orlando Figueira lhe ligou a pedir apoio mas que recusou o patrocínio, de maneira elegante, porque “há anos” não fazia processos-crime. Depois disso, contou, tinha-se cruzado apenas uma vez com Figueira no Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa, e tinha-o cumprimentado. Não ficou esclarecido em que data aconteceu este encontro, deixando no ar muitas dúvidas, já que, logo depois de sair de prisão preventiva, Orlando Figueira ficou em prisão domiciliária durante uma longa temporada (até ao mês passado), podendo apenas sair de casa com autorização do tribunal, em situações muito concretas. E ainda deixou no ar que no dia 13 de novembro de 2017, Orlando Figueira voltou a ligar para o seu escritório, mas não esclareceu porquê.
Mais tarde, Ana Rita Relógio, advogada de Paulo Blanco, começou a fazer sucessivas questões a Proença de Carvalho sobre por que razão teria dito à comunicação social que tudo o que estava na contestação de Paulo Blanco – que apontava para o seu envolvimento neste processo – eram “tudo fantasias”, já que pelo menos agora assumia que tinha ajudado Figueira na revogação do contrato com a Primagest. Proença respondeu desta forma: “Nunca disse em lado nenhum que não o conhecia. Só nunca referi as reuniões que tive com ele porque estava vinculado ao sigilo profissional. (…) Podia não ter dito nada mas alguma comunicação social estava a tentar envolver-me. Reagi em defesa do meu bom nome e de uma reputação que conquistei em mais de 50 anos de advocacia. (…) Reuni-me com ele a pedido dele. Não ia falar dessas reuniões antes de ser autorizado. (…) O jornalista liga-me, conta-me uma grande história de corrupção em que eu apareço e eu digo que são tudo fantasias. Na verdade nem sei sequer se disse isso. (…)”
Confrontado com o teor de umas declarações enviadas à VISÃO, na sequência de a VISÃO ter noticiado uma série de telefonemas entre Proença de Carvalho e Orlando Figueira, Proença disse que também não se lembrava de ter prestado aquelas declarações. Na verdade, essas declarações foram enviadas por escrito à VISÃO. Entre outras coisas, Proença, através do seu assessor de imprensa, defendia que a duração das chamadas mostrava que nada de relevante poderia ter sido falado. “Não me parece que o que contou aqui [sobre revogações e negociações de contratos de trabalho] seja irrelevante”, rematou a advogada de Paulo Blanco.
Proença voltou a argumentar que não sabia das circunstâncias em que Figueira saíra do Ministério Público e disse ser falsa a afirmação de Orlando Figueira de que Proença teria contratado Paulo Sá e Cunha para o defender. “Nunca falei com o Dr. Paulo Sá e Cunha sobre este processo.”
Sobre Carlos Silva, vice-presidente do BCP e presidente do Banco Privado Atlântico Europa, o advogado Proença de Carvalho disse que l conhecia e que às vezes almoçavam mas negou ser seu advogado. “Só o representei pontualmente.” Acrescentou ainda que nunca ouviu o nome de Carlos Silva associado à Primagest.
Orlando Figueira é acusado de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente. Em dezembro, já depois de Paulo Sá e Cunha ter renunciado ao mandato para defender o procurador, Orlando Figueira fez uma exposição ao processo dando nota de uma outra versão dos factos: tinha sido o banqueiro Carlos Silva a oferecer-lhe trabalho para sair do DCIAP, e Proença de Carvalho tinha “comprado” o seu silêncio sobre essa matéria. Proença, em troca dos pagamentos dos honorários de um bom advogado e da promessa de um bom emprego no futuro, pedira-lhe para não falar sobre o seu papel, o papel de Carlos Silve e sobre a existência de uma conta em Andorra.
Entretanto, Carlos Silva deverá ser ouvido em maio em Lisboa. O Ministério Público já adiantou que caso surjam factos novos em julgamento será extraída uma certidão para investigar a conduta do banqueiro e de Proença de Carvalho.