Carlos Alexandre, juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, e amigo há mais de duas décadas de Orlando Figueira, contou esta terça-feira em tribunal que o procurador lhe contou que tinha tido um convite de trabalho do banqueiro Carlos Silva e que, nesse contexto, teria tido também vários encontros com o advogado Daniel Proença de Carvalho, que representava o vice-presidente do Millenium BCP em Portugal.
Ouvido enquanto testemunha no julgamento da Operação Fizz, com esta versão o juiz reforça a tese da defesa de Orlando Figueira: quem o convidou para trabalhar em Angola foi o banqueiro angolano Carlos Silva; e não o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, acusado no processo Fizz de corromper o ex-magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) em troca do arquivamento de processos que corriam contra si naquele departamento do Ministério Público.
O juiz acrescentou que quando Orlando Figueira lhe falou na possibilidade de ir trabalhar para uma empresa do “espetro de Carlos José da Silva” o tentou demover: “Não te metas nisso, tens mais de 20 anos de carreira, não é boa ideia”, disse Carlos Alexandre, citado pela Lusa. O magistrado que ficou conhecido como o superjuiz reforçou ainda que o amigo nunca lhe falou sobre Manuel Vicente, apenas sobre a Sonangol, ou empresas do universo da petrolífera angolana. E aproveitou o momento para defender que não tem “a menor dúvida” de que Orlando Figueira “estava a falar a verdade” e que acreditava piamente que estava a ser convidado para “ir trabalhar para Angola porque gostavam do trabalho dele”: “Nunca encontrei nos processos dele um traço que coloque em causa este meu raciocínio.”
A versão de Carlos Alexandre – que o juiz diz ter tido por base várias conversas com Orlando Figueira, antes de o procurador ficar em prisão preventiva por suspeitas de corrupção – confirma também em parte a versão que o procurador tem levado ao julgamento sobre o envolvimento do advogado Daniel Proença de Carvalho nesse convite de Carlos Silva para que saísse do Ministério Público e fosse trabalhar para o setor privado. Carlos Alexandre contou que Orlando Figueira lhe tinha dito que se ia encontrar com Proença de Carvalho para tratar do contrato-promessa que assinou para ir trabalhar para Angola.
Nesta parte, Orlando Figueira foi mesmo mais longe e, em Dezembro, nas vésperas de começar a ser julgado, fez uma exposição ao tribunal a contar que se manteve em silêncio sobre a verdadeira história sobre a sua saída do Ministério Público porque teria feito um “acordo de cavalheiros” com o advogado e presidente do conselho de administração da Global Media, Proença de Carvalho. Em troca do pagamento dos honorários de um bom advogado e da promessa de um bom emprego no futuro, alegou Orlando Figueira nessa exposição, teria aceitado não mencionar o nome de Carlos Silva nem a existência de uma conta em Andorra, para onde foram canalizados vários pagamentos.
Nesse contexto, a VISÃO já divulgou a existência de um encontro entre Carlos Silva e Proença de Carvalho, a 14 de setembro de 2017, no escritório da Cuatrecasas, com a presença do advogado Paulo Sá e Cunha, que segundo Figueira teria começado a representá-lo oficialmente por intermédio de Proença de Carvalho. Na altura, contactado pela VISÃO, Proença de Carvalho desmentiu ter participado nesse encontro. Depois disto, a TVI adiantou que as anotações do procurador no seu telemóvel dão conta de dez encontros com Proença de Carvalho. Terão começado a 5 de maio de 2015 e durado até à data de 14 de setembro de 2017, precisamente.
De seguida, a VISÃO noticiou os registos da operadora telefónica que dão conta de 35 contactos entre o procurador suspeito de corrupção no processo Fizz (em troca de 760 mil euros) e o advogado Proença de Carvalho. Segundo a lista da operadora telefónica, pelo menos uma dezena de vezes o contacto partiu do escritório de advogados. Nalguns casos, as chamadas caíram poucos segundos ou poucos minutos depois, tendo por isso de ser repetidas. Em reação a essa notícia, Proença de Carvalho alega que a duração dessas chamadas “por si só demonstra que nada de relevante pode ter sido falado durante os poucos telefonemas que terão efetivamente ocorrido” e confirma apenas que foi contactado por Orlando Figueira “em Maio de 2015”, “ou seja, três anos depois” de o procurador ter saído do Ministério Público “e quando ele exercia a profissão de advogado e colaborador do BCP”. Sobre tudo o resto, incluindo o alegado contrato de trabalho alegadamente proposto por Carlos Silva, Proença de Carvalho nega qualquer envolvimento: “Não participei nem tive conhecimento das circunstâncias em que esse ex-procurador saiu do M.P., nem do seu percurso profissional posterior, nem dos contratos que ele celebrou com uma empresa angolana, factos estes que, na tese da acusação, configuram os crimes que são imputados aos arguidos. Mais, durante todo o período em que o mesmo senhor esteve no M.P., nem o conheci, nem tive qualquer contacto com ele.”
Carlos Silva foi ouvido pela investigação da Operação Fizz na qualidade de testemunha e, depois de muitas insistências do tribunal para ser ouvido presencialmente em Lisboa, deverá prestar depoimento em maio. Em vários comunicados, negou ter sido o autor do convite de trabalho ao procurador. Proença de Carvalho não foi ouvido durante a fase de inquérito mas será também ouvido como testemunha em julgamento, razão pela qual já pediu para ser desvinculado do sigilo profissional. O Ministério Público já adiantou que caso surjam factos novos em julgamento será extraída uma certidão para investigar a conduta do banqueiro e do advogado.