A VISÃO já tinha antecipado os seus nomes há duas semanas. Tornaram-se indispensáveis na vitória de Rui Rio e eram fortes apostas do presidente do partido para os novos órgãos. Confirmou-se. Bruno Coimbra e Hugo Carneiro foram agora indicados adjuntos do secretário-geral Feliciano Barreiras Duarte. São estes dirigentes, a par da advogada Catarina Rocha Ferreira, nova presidente da Comissão de Auditoria Financeira, que vão mandar nas contas e na organização quotidiana do PSD.
Quatro perfis à medida da nova liderança.
FELICIANO BARREIRAS DUARTE, 51 anos – Secretário-geral
Incansável, “à velocidade dos aviões”
Corria 2004, era ele secretário de Estado com a “pasta” da integração de imigrantes, quando o chefe de Governo, Durão Barroso, decidiu fazer um conselho de ministros sobre o tema em Óbidos. O assunto nunca foi pacífico no PSD e, no final da reunião, um colega chamou-lhe esquerdista. “Respondi que ficaria preocupado se me chamassem racista ou fascista”. Esquerdista, ele? Feliciano Barreiras Duarte, natural do Bombarral, autoproclama-se republicano, católico e não socialista. Já agora, conservador nos costumes, liberal na economia e social-democrata nas responsabilidades sociais. Feliciano é o novo secretário-geral de Rio. Deputado, com experiência governativa – fez parte de três executivos – tem um pensamento estruturado sobre políticas de imigração – foi, de resto, distinguido pela comunidade chinesa em Portugal – publicou vários livros e, dizem, é um trabalhador incansável, “à velocidade dos aviões”, para usar a expressão com que ele próprio ilustrou a vida de governante. Já disse detestar atores políticos “gelatinosos”. Indigna-se “com a violação gratuita da ética do compromisso”, rejeita “a partidarite” e “o clássico espertismo e oportunismo”. Foi chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho, mas não demorou a desiludir-se.
As entranhas do partido, nos seus vícios e virtudes, são-lhe familiares e, também por isso, foi de utilidade extrema na campanha interna para identificar maçãs podres. “Conhecemo-nos há muitos anos, mas o seu perfil de estadista aproximou-nos. A vitória de Rio encerra o ciclo do Portugal negativo, do qual o PSD ainda não tinha feito o luto. É preciso assumir uma oposição credível, combativa e esclarecida”, desafia.
Nos últimos anos, o seu confronto com a direção foi público e ruidoso, acusando-a de caucionar a postura “trumpista” e xenófoba de alguns protagonistas. “Chamei a atenção, inclusive de Passos, para o facto de o partido estar a resvalar. O PSD feriu e o violou grosseiramente o seu património em áreas como a imigração, cujo maior exemplo é o discurso populista e demagógico de André Ventura. Até nestas matérias, tenho grande sintonia com Rio”, assume. Encerrada a disputa interna, “é chegado o momento para convergir de boa-fé”. Do lado de fora, o PSD tem à sua espera o combate com “um Governo preocupado em satisfazer clientelas e protestos de rua. Quando se está com os pés acima do chão, algo de errado deve estar a acontecer”.
HUGO CARNEIRO, 35 anos, Secretário-geral adjunto
“Pequeno Rio”, católico e fã de Saramago
Chamam-lhe “Pequeno Rio” e já perceberá porquê. Nas eleições internas, este quadro do Banco de Portugal na área da supervisão foi o homem das contas. “Se não tiver dinheiro para uma campanha digna, vou no meu carro. Não fico a dever a fornecedores”, disse-lhe Rui Rio. Hugo Carneiro levou a missão à migalha. “Consigo identificar o rasto de cada verba que entrou. E ainda devolvi um donativo de dois mil euros. Não estava como eu queria”. As contas finais serão apresentadas em breve, mas “gastámos abaixo dos 90 mil euros orçamentados”, assume. A candidatura reuniu 2446 subscrições de militantes, todas “verificadas e validadas” pela sede nacional. Santana Lopes entregou 2525, mas havia 422 inválidas.
Hugo foi ao detalhe de criar um carimbo para inviabilizar as subscrições não conformes. A equipa – Rodrigo Passos, Diogo Costa e Ana Vidal – tinha a mesma couraça. “O Hugo não deixa pontas soltas. E é mais forreta do que o Rio. Até guarda os talões de desconto do Continente”, assegura quem ajudou na logística.
Portuense de origens humildes, licenciou-se em Economia na mesma faculdade de Rio e, tal como ele, presidiu à associação de estudantes. “Encontrei 20 mil euros de dívidas, mas deixei mais de 50 mil euros aplicados”. A trabalhar no BES, licenciou-se em Direito, na Católica, em
horário pós-laboral. “Tens de vestir o hábito e tem de doer”, justifica. Com uma hora para almoçar, comia da marmita em 15 minutos e estudava no tempo restante. Jantares de amigos, só se marcados com um mês de antecedência. Aderir ao PSD, em 2000, tinha sido o mais fácil: “Fui às Páginas Amarelas, liguei para as sedes, mas ninguém atendeu. Depois lá consegui. Sem padrinho”.
Integrou as listas à Câmara do Porto nas autárquicas de 2009 em 10º lugar. Rio pedira nomes de jovens com currículo meritório, nada de carreiristas políticos. Não se conheciam e só conversaram a sério após uma reunião do executivo em que Hugo substituiu um vereador. Dali a nada estava encontrado o adjunto e coordenador do Conselho Municipal de Finanças que o autarca precisava. Hugo aprecia “a transparência” de Rio. “Só pensa no interesse público e preza a lealdade. A política, para ele, é missão e serviço”. O novo PSD valorizará “o mérito, a competência e a liberdade de pensamento”, crê. E Hugo prefere a agulha virada ao centro-esquerda. “Não podemos deixar ninguém para trás. O lucro não pode ser o principio nem o fim”, reforça este católico devoto do filme Os Dez Mandamentos, voluntário das Missionárias da Caridade e crismado pelo cardeal-patriarca de Lisboa. Agenda para o País? Reforma da Segurança Social, estabilidade do sistema educativo e descentralização. “Já mudei de casa seis vezes e partilho apartamento. Havendo uma filial do Banco de Portugal no Porto, tenho de estar em Lisboa?”, questiona.
Hugo não se lembra de sair dos trilhos, nem no InterRail. Cannabis? “Só com prescrição médica”. Salas de chuto? “Nem pensar”. Legalizar a prostituição? “O ser humano não é um ativo comercial”. Preserva amigos do PCP desde a faculdade, admira Adriano Moreira e Bill Clinton, “apesar de tudo”. Professor na Católica, escreve poesia e prosa para a gaveta. Chegou a Walt Whitman via Clube dos Poetas Mortos, sabe Pessoa de cor, ofereceu várias edições de Cem Anos de Solidão a amigos e é fã incondicional de Saramago. “Não era isto que estava à espera, pois não?”.
BRUNO COIMBRA, 36 anos, Secretário-geral adjunto
O gin lover “todo-o-terreno”
Dirigiu a “Volta” de Rio ao país do PSD profundo, que ajudou a desmontar “meias verdades” sobre o candidato. “Muita gente, depois de o conhecer, filiou-se no partido”, atesta o deputado Bruno Coimbra, natural do Luso, engenheiro ambiental e ex-mandatário de Passos em Aveiro. O abraço emocionado e firme de Rio, no final da campanha, selou uma amizade construída on the road. Bruno foi mesmo um todo-o-terreno ou não tivesse ele a experiência e o olho vivo para manhas adversárias adquiridos nas lutas internas do seu distrito, mas sobretudo no tempo em que foi secretário-geral da JSD. Em Torres Vedras, chegou ao pormenor de contar as 31 cadeiras da sede do PSD para desmontar propaladas enchentes santanistas. De print screen em print screen foi identificando outras matreirices, além de pôr ao serviço de Rio a rede de contactos intergeracionais que cultivou no partido. Cheirou-lhe a vitória bem cedo. E quando tal já era uma evidência, saiu da Mealhada com 35 sandes de leitão e mandou-se para o hotel do Porto onde os festejos não tardaram. “Por vezes, posso chatear-me com o partido, mas o PSD acaba sempre por recordar-me onde devo estar. Não gosto de coisas estáticas. O que Rio pensa, diz. E o que diz, faz. Se o PSD não souber seguir este exemplo, a ação política perderá significado”.
Membro de uma “orgulhosa e tradicionalista família numerosa”, pai babado, sportinguista e com percurso sólido na área empresarial ligada ao ambiente, Bruno garante: “Não preciso da política”. No Parlamento, passou um mau bocado por causa do apoio a Rio. Mas manteve-se firme. “Quero contribuir para desconstruir a ideia de um PSD que só pensa em salvar os anéis e os dedos”, assume.
Da política com adrenalina a viciado em Dan Brown e Daniel Silva – “gosto de page-turners, livros excitantes, tenho pressa de chegar ao fim” – Bruno tem gostos musicais que vão do compositor Einaudi a Pearl Jam, passando por Caetano Veloso. “Gasto dinheiro em duas coisas: viagens e gin”. Conhece bem a Europa e vai a Itália quase todos os anos, por vezes em busca de cenários dos filmes prediletos. “Já estive em Giancaldo, nome fictício de Palazzo Adriano, na Sicília, onde foi feito o Cinema Paraíso”. Consta que a garrafeira de gin é de meter respeito. Cultiva a sapiência na área e é um autêntico gin lover. Estaria horas a falar sobre “destilações”, “tónicas” e “botânicos”, mas o tempo, agora, “é de separar águas”. Com mais ou menos borbulhas.
CATARINA ROCHA FERREIRA, 37 anos, Presidente da Comissão de Auditoria Financeira
Up with People e “coração na boca”
Primeiro o riso quebra-gelo, contagiante, já fazer furor no PSD. Depois, o “coração na boca”, de quem não se põe em bicos de pés, mas rejeita moldar-se a calculismos e ao politicamente correto. “Os partidos e os políticos são o lado mais conservador da sociedade. O próprio PSD está fechado para os militantes e o Parlamento não pode ser um balcão de negócios. Devemos atrair pessoas qualificadas, com valores, ética, e rejeitar quem vive de compadrios, amiguismos e aparelhismos. Rio vai
trazer ar fresco”. Eis, sem pedir licença, Catarina Rocha Ferreira. Portuense, advogada e antiga aluna do Colégio Alemão, foi ela o discreto par do ex-ministro David Justino na elaboração da moção de estratégia do novo líder. “Partimos muita pedra, foi uma experiência riquíssima”, confessa, depois de passagens pela assembleia municipal do Porto no último mandato de Rio e pelo Conselho de Jurisdição Nacional do partido. Apoiante de Paulo Rangel, seu antigo professor, no congresso de 2010, considerou um passo natural apoiar Rio. “É persistente, honrado, pensa na política para o bem comum e é exímio a conseguir o impossível. Com ele, até acredito na maioria absoluta em 2019!”. Catarina desafia o PSD a antecipar debates sobre evolução tecnológica, inteligência artificial, cibersegurança e ecologia. “O imediatismo não responde aos grandes problemas da sociedade. É preciso um novo 25 de Abril. Com mais liberdade, mais mobilidade e conhecimento” reclama a ex-presidente da Associação Europeia de Estudantes de Direito.
Praticante de ioga, domina três línguas e vai a caminho no árabe. Na memória, guarda “o ano espetacular” em que se juntou ao projeto Up With People e percorreu o planeta. “Queria fazer coisas diferentes e o Porto era pequeno para mim”. Os direitos humanos são a sua praia, Gandhi a referência. Um dia, alguém a recomendou a Arianna Huffington, fundadora do site de notícias The Huffington Post, que a desafiou a escrever para a publicação. Conseguiu durante um período, mas depois o tempo fugiu. As “urgências” da filha de 5 anos impõem-se e isso incluiu o recente espetáculo da estrela da Disney Soy Luna, em Lisboa. A poesia de Torga e de Sophia são refúgio seguro para ela, também adita ao universo de Kafka. “Ajudou o facto de a minha avó viver na cidade austríaca onde ficava o sanatório em que ele morreu. Mas não sou nada kafkiana”.