Talvez tenha sido a única boa notícia dos últimos tempos para João Sá, o ex-deputado do PSD que foi constituído arguido no processo “Ajuste Secreto”, indiciado por quatro crimes de corrupção ativa. A 29 de maio, semanas antes da sua detenção pela PJ, o júri do concurso público internacional lançado pela Câmara do Porto para contratualizar o negócio dos “lixos” decidiu, por unanimidade, propor a adjudicação dos “serviços de recolha e transporte de resíduos urbanos indiferenciados” e a limpeza do espaço público da cidade ao consórcio FCC, do qual faz parte a Rede Ambiente, uma das empresas de João Sá sob suspeita.
De acordo com o relatório preliminar a que a VISÃO teve acesso, e tendo em conta a proposta apresentada, o negócio dos “lixos” na Invicta valerá quase 65 milhões de euros, a distribuir por oito anos de contrato. Mas o município garante que também fica a ganhar: segundo Nuno Santos, adjunto da presidência, com a constituição da Empresa Municipal de Ambiente do Porto (EMAP) e “os cálculos apresentados em reunião de executivo e assembleia municipal”, estará em curso “uma poupança muito significativa”. Com este sistema, reforça, “é maior a eficácia na recolha e tratamento”, assegura à VISÃO.
Proposta “anormalmente baixa”
Não nos precipitemos, porém: embora bem encaminhada, a proposta de entregar o negócio ao grupo no qual se inclui a sociedade que João Sá mantém com Paulo Renato Reis (ex-conselheiro nacional do PSD), do grupo Ecorede, ainda não passa disso mesmo, apesar do peso que tem a decisão do júri presidido pelo engenheiro Joaquim Poças Martins. É preciso aguardar pelos resultados da audiência prévia aos concorrentes e só depois, se nenhuma turbulência ocorrer, levar o assunto aos órgãos autárquicos para votação.
O preço base para a totalidade da adjudicação dos dois lotes (Ocidental e Oriental) que compõem as prestações relacionadas com o negócio dos “lixos” urbanos no Porto era superior a 81,5 milhões de euros, mas o consórcio constituído pela FCC Environment, a Fomento Construciones y Contratas e a Rede Ambiente apresentou-se a concurso com um valor considerado “anormalmente baixo”, no mínimo 20 por cento inferior ao previsto. No relatório preliminar do concurso, o júri aceitou como justificação plausível “os preços unitários apresentados para a limpeza do espaço público e para a limpeza de feiras, mercados e eventos realizados na via pública” e a “otimização dos recursos humanos e equipamentos, através de tecnologias próprias e adaptadas a soluções já existentes no mercado”.
A decisão de propor a adjudicação dos serviços de recolha e transporte de resíduos urbanos ao agrupamento FCC deixou para trás empresas como a SUMA (que já assegurava 50 por cento destes serviços, a par da Invicta Ambiente) e outros consórcios luso-espanhóis, onde se incluíam, por exemplo, a Hidurbe e a Ricolte. Resta saber se o resultado não será contestado pelos candidatos derrotados.
E Vila Verde?
Em linguagem simples, o vento sopra de feição para os lados de João Sá e dos seus parceiros de negócio, embora, nesta fase, ele tenha mais com que se preocupar: detido, a 19 de junho, no âmbito da Operação Ajuste Secreto, que investiga casos relacionados com a viciação de concursos públicos envolvendo, entre outros, empresários e autarcas (com o ex-presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis, Hermínio Loureiro, à cabeça) João Sá foi, entretanto, libertado sob caução, tendo pago 50 mil euros para não continuar detido preventivamente.
As investigações envolvem outros suspeitos e concelhos (Albergaria-a-Velha, Estarreja, Matosinhos e Gondomar), aos quais se juntou recentemente o caso de Vila Verde, município por onde também passam os interesses de João Sá. Na última quinta, 22, elementos da PJ distribuídos por dois carros, estiveram nas instalações da câmara, de maioria PSD, entre o final da tarde e as 23 horas. Segundo testemunhas, ter-se-ão dirigido ao departamento de contabilidade e dedicado algum tempo à área informática. Os volumosos sacos de documentos recolhidos pelos inspetores saíram depois pelas traseiras e estarão relacionados com os vários negócios de João Sá com a autarquia. Entre 2009 e 2013, as empresas Ecorede e Rede Ambiente obtiveram contratos superiores a 5 milhões de euros. Em 2009 e 2011, também a consultora Vector Estratégico, também relacionada com o ex-presidente da CCDR-N, foi contratada por valores próximos dos 40 mil euros para elaborar estudos destinados à criação de duas empresas municipais – uma de obras, outra de águas. Contudo, a atividade da primeira é inexistente e a segunda nem sequer foi criada.