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Porta do Cemitério na Cerimónia de comemoração do nascimento de Oliveira Salazar em Santa Combadão – aniversário 28 de Abril
DR
A Câmara Municipal de Santa Comba Dão aprovou por unanimidade um voto de pesar pela morte de Mário Soares.
Até aqui, nada de novo. Mas à boleia desta decisão, a autarquia garantiu também o voto histórico de todos os eleitos do município para dar seguimento à atribuição do nome do fundador do PS e ex-chefe de Estado a uma avenida no concelho. O socialista Leonel Gouveia que lidera o executivo camarário quase nem precisava de justificar os propósitos, mas fê-lo salientando o percurso do “combatente pela conquista da Liberdade e pela consolidação da Democracia”.
À primeira vista, a atribuição do nome de Soares a uma artéria no concelho onde nasceu Oliveira Salazar soa a ironia.
Mas menos do que se pensa.
Na verdade, o PS foi o partido que durante muitos anos dominou o poder no município e venceu mesmo as primeiras eleições autárquicas em 1976, em clima de grande efervescência. Mais do que a normalização do regime democrático é a memória do ditador – e do Estado Novo – que ainda hoje originam fissuras entre os seus conterrâneos.
O espólio e a estátua
Recentemente, e na sequência da sempre adiada constituição de um núcleo museológico alusivo a Salazar e à ditadura, a autarquia foi obrigada, por sentença lavrada no Tribunal de Viseu, a avaliar, em 60 dias, o espólio do antigo Presidente do Conselho entregue pelo sobrinho-neto Rui Salazar de Lucena e Mello entre 2007 e 2009. Até agora, o conjunto de documentos e objetos esteve a marinar na autarquia, que alegou dificuldades várias para acelerar o processo, entre as quais a de encontrar pessoal habilitado a fazer a avaliação dos materiais entregues. O prazo para determinar o conteúdo das caixas e a sua relevância histórica terminará em breve, findo o qual o município terá de estabelecer uma compensação mensal ao doador. O descendente de Salazar pretende receber uma pensão de 1000 euros até ao final da vida. O tio-avô, esse, está enterrado no cemitério do Vimieiro, no concelho.
Nem os apaniguados de Salazar conseguiram fazer milagres pela perpetuação da memória do ditador na sua terra. Em fevereiro de 1978, a tentativa de repor uma nova cabeça da estátua de Salazar em Santa Comba Dão – parcialmente destruída nos tempos de brasa de 1975 – desafiou ordens de vários ministérios e resultou em violentos confrontos entre defensores da manutenção da escultura e os detratores da mesma. Houve sinos tocados a rebate, barricadas, manifestações, sirenes de polícia e ambulâncias. Hermínia de Figueiredo, uma mulher que se encontrava à varanda de casa a assistir à refrega, morreu atingida por balas da GNR, enquanto 18 pessoas ficaram feridas. Na altura, a câmara socialista deliberara pela remoção da estátua, mas a assembleia municipal decidiu em sentido contrário. Dias depois, a escultura foi destruída à bomba e vários deputados municipais demitiram-se.
Com o tempo, a democracia colocou estes assuntos nos trilhos.
Todos? Não. Em Santa Comba Dão, é certo, vai agora abrir-se uma avenida unânime para Mário Soares e por cima dos estilhaços de uma época.
Mas a 175 quilómetros de distância, em Rio Maior, terra que muitos consideram determinante para a viragem do processo revolucionário ocorrida a 25 de Novembro de 1975, continua por cumprir uma decisão da assembleia municipal tomada há quase doze anos: atribuir os nomes de Álvaro Cunhal e José Saramago a duas ruas do concelho.