“10,7% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar da pobreza em 2014”. Esta é uma das conclusões do estudo Portugal Desigual, que avalia o impacto do programa de ajustamento (2009-2014) nos rendimentos e condições de vida dos portugueses. Ou seja, ter um emprego não assegura a um em cada 10 trabalhadores uma vida acima da linha de água da pobreza.
Outro dado do estudo permite compreender melhor o que se passou no mercado de trabalho. “A remuneração média dos trabalhadores que entraram em 2012 foi 11% mais baixa do que a dos que saíram em 2011”, concluiu a equipa liderada por Carlos Farinha Rodrigues, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão. O estudo, com uma duração de dois anos, foi realizado a pedido da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e foi apresentado na segunda-feira, 19, em Lisboa. Em 2012, a mesma equipa científica realizou um estudo semelhante também para a FFMS.
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O programa de governo do PS prevê a criação de uma prestação social para combater a pobreza dos trabalhadores. O complemento social salarial “atenuaria a situação”, nota Carlos Farinha Rodrigues à VISÃO, “mas pode ser um modo de manter os salários baixos”. Segundo o economista, o perigo de uma prestação social deste tipo é o incentivo à manutenção de vencimentos baixos, já que funciona como um “subsídio” salarial às empresas. Segundo o estudo agora apresentado, em 2009 cerca de 20% dos trabalhadores recebiam mensalmente menos de 700 euros; em 2014, essa proporção de trabalhadores com baixos rendimentos já havia passado para 29%.
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Crise roubou 116 euros aos portugueses
Considerando a totalidade da população – os que vivem do rendimento do trabalho e os outros –, o estudo conclui que entre 2009 e 2014, os anos em que se fizeram sentir os efeitos do programa de ajustamento, os portugueses perderam uma média de 116 euros por mês. Mas a quebra não foi a mesma para todos.
Os mais prejudicados foram os mais pobres. Segundo os dados, os 10% mais carentes da população nacional tiveram uma perda de 25% do rendimento, enquanto a quebra dos 10% mais ricos se ficou pelos 13,5%.
“Um mito que termina com este estudo é o de que foi a classe média a mais penalizada com crise”, nota Carlos Farinha Rodrigues. “Poupou os mais pobres? O estudo mostra que não. Basta pensar que os beneficiários do Rendimento Social de Inserção passaram de 400 mil para cerca de metade.”
Analisado de outra perspetiva, os 5% mais ricos tinham, em 2014, um rendimento 19 vezes superior à fatia dos 5% mais pobres. Como, em 2009, no início da crise, os ricos tinham “apenas” rendimentos 15 vezes superiores aos dos mais pobres e “dado que o rendimento médio dos indivíduos situados na parte superior da distribuição [os mais ricos] não cresceu, o agravamento da desigualdade é, pois, indissociável da forte contração dos rendimentos mais baixos”, conclui a equipa liderada por Carlos Farinha Rodrigues.
Em 2014, com uma linha de pobreza monetária definida nos 422 euros, existiam em Portugal 19,5% de pessoas em situação de privação. Mas como o próprio estudo explica, este é um valor enganador.
O cálculo da taxa de pobreza, definida como a percentagem de indivíduos com rendimentos inferiores a 60% do rendimento mediano, varia de ano para ano de acordo com a distribuição dos rendimentos. Assim, se há um empobrecimento geral da população (o que aconteceu em Portugal entre 2009 e 2014), o limiar da pobreza também baixa. Por causa deste efeito estatístico, há muitos pobres que saem dessa situação apenas porque a fronteira da pobreza baixou: na verdade, os seus recursos não aumentaram (podem até ter diminuído) mas foi a linha da pobreza que baixou.
Ora, foi isso que aconteceu em Portugal. Entre 2009 e 2014, o limiar da pobreza baixou, passando de 434 para os referidos 422 euros. Por obviar a este efeito estatístico, os economistas usam um outro indicador, “a linha de pobreza ancorada” num determinado ano. Se se usar o valor de 2009, atualizado da inflação, verifica-se assim que em vez de 19,5% de população em risco de pobreza (uma pessoa em cada cinco) existiria 24,2% (quase uma pessoa em cada quatro).
Os dados do estudo agora apresentado serão discutidos na próxima sexta-feira (início às 9:45 horas, auditório CGD, edifício do Quelhas, 2º piso), numa conferência a realizar no Instituto Superior de Economia e Gestão. O encontro conta com a presença de Michael Förster, Diretor do Departamento de Políticas Sociais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.