Os anos mais faustosos dos Rebelo de Sousa foram passados em Moçambique, onde o casal e os filhos mais novos – António e Pedro – viveram no Palácio da Ponta Vermelha, com piscina, campo de ténis, dezenas de empregados e idas regulares ao Polana, o hotel mais icónico de Lourenço Marques – atual Maputo. Marcelo ficou em Lisboa, a estudar, mas foi lá em diversas ocasiões, como no Natal de 1969.
Quando Salazar convidou Baltazar para governador-geral de Moçambique, os filhos reuniram-se para dar a sua opinião. Marcelo foi o porta-voz: “É como convidá-lo a atirar-se para um de dois poços. Mas, mal por mal, antes Moçambique, que corresponde a um sonho e uma vocação sua.”
Baltazar foi convidado para governador-geral e, mais tarde, ministro do Ultramar, sete anos depois de ter deixado o governo, com outros marcelistas. Ascendeu na hierarquia praticamente ao mesmo tempo que Salazar caía da cadeira e, mais uma vez, pela mão de Marcello Caetano, de quem era uma espécie de número dois.
Essa ligação ficou para sempre. “Foi sempre fiel ao professor Marcello Caetano, nos bons e nos maus momentos. Era esse o feitio dele e foi um excelente exemplo para os filhos. Um caso raro na política”, conta Adriano Moreira, seu colega de escola, nos tempos do Liceu Passos Manuel. “Foi o meu primeiro chefe”, diz, com graça. Chefe de turma.
Adriano Moreira reconhece que, da sua geração, Baltazar “era provavelmente a pessoa mais vocacionada” para o exercício da política. “E era absolutamente confiável”, diz. “Assim que assumia um compromisso, não era preciso mais nada, nem despachos. Bastava a palavra.” António recorda esse lado do pai. “Nós herdámos isso dele. Posso dizer que não cumpri todos os meus compromissos, mas fiz os possíveis. E, quando não consegui cumprir, dei a cara por isso.”
Ao colo do povo
Voltando aos tempos passados em Moçambique e ao cargo que mais marcou a carreira de Rebelo de Sousa pai, Adriano Moreira recorda que “era muito estimado pela população” e “chegava a andar ao colo”. O lado popular e quase populista valeu-lhe o apoio do povo mas, por vezes, a incompreensão das elites ultramarinas. Afinal, não era habitual um governador convidar um empregado para a festa de Natal no palácio ou promover aulas de Português para os criados.
“À sua maneira, prezava alguma política-espetáculo”, escreve o filho Marcelo na fotobiografia, revelando uma das decisões que o pai tomou à chegada a Lourenço Marques e que lhe valeu mais críticas: voltar a vestir a farda civil de governador-geral de Moçambique, que não era usada desde os anos 40. A fatiota foi um sucesso nos meios populares, mas motivo de ironia entre os políticos.
Foi com essa farda que Baltazar Rebelo de Sousa fez milhares de quilómetros por todo o território, no âmbito dos seus Governos-Gerais Abertos. Num ano, esteve 165 dias fora da capital, a visitar escolas, repartições de Finanças, mercados, estações de correio, hospitais – Marcelo herdou dele a veia popular. Em Lourenço Marques, recebia intelectuais e artistas, patrocinava exposições, encomendava quadros e fazia tudo para travar a tradição da participação do governador em festas sociais das elites económicas e políticas.
(Excerto de um artigo publicado na VISÃO 1200, de 3 de março de 2016)