Pedro Passos Coelho gostava de dizer, assim como boa parte dos seus ministros, que liderava um governo que havia de fazer História. “O que estamos a fazer vai ficar na nossa História, na História da Europa, na da Democracia”, assumia o então primeiro-ministro na Festa do Pontal, em agosto de 2011, dois meses depois de ser eleito.
Durante quatro anos, com a troika no encalço (mas também com os seus empurrões), a equipa da coligação PSD/CDS mudou regras laborais, fiscais, sociais, judiciais, etc., com o argumento de que Portugal tinha como missão fugir de um segundo resgate e ser diferente da Grécia. Em outubro deste ano, vieram as eleições e, com elas, um desfecho imprevisível: não só o País virou à esquerda, como as reformas que a direita tinha lançado podem não chegar a passar de dolorosas aspirinas tomadas ao longo de cinquenta e dois penosos meses.
A VISÃO foca-se no processo de reversões que António Costa parece querer pôr em curso: dos transportes aos impostos.Vamos, então, conhecer as matérias em que o Governo de António Costa dá as inversões de marcha como garantidas.
Adeus cortes e sobretaxa
O “enorme aumento de impostos”, em 2013, trouxe-nos uma sobretaxa de IRS. O novo Governo vai acabar com ela: a ideia é que, em 2016, o valor cobrado passe dos atuais 3,5% para 1,75% e, em 2017, já não seja cobrado. Mas o PCP não está de acordo com esta fórmula e quer acabar com a sobretaxa já no próximo ano. A questão foi discutida na semana passada no Parlamento e baixou para a Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa para ser estudada. Em cima da mesa está a possibilidade de fazer refletir a sobretaxa por escalões, podendo ser eliminada nos ordenados mais baixos. Cai a sobretaxa, os cortes salariais e o banco de horas. Reveem-se os escalões do IRS, promete-se progressividade no IMI e repõe-se o IVA da restauração em 13%. Vamos por partes. Por outro lado, os funcionários do Estado vão voltar a ter os seus ordenados completos. Assim, e de forma faseada, os cortes vão ser repostos em 2016 (25% no primeiro trimestre; 50% no segundo; 75% no terceiro; 100% no quarto).
Fim das 40 horas
Ainda no domínio da Função Pública, regressam as 35 horas de trabalho semanais que o governo da coligação PSD/CDS tinha aumentado para 40 horas, em 2013. Também na área laboral, vai ser revogada a possibilidade – introduzida em 2012 – da criação do banco de horas individual por mero “acordo” entre empregador e trabalhador, sendo essa decisão tomada por negociação coletiva ou acordos de grupo.
Há, ainda, duas outras áreas fiscais que, também, vão ser “revertidas”, provavelmente em 2017, dado que têm de ser alvo de estudo. Os escalões de IRS deverão aumentar, para tornar o imposto mais progressivo, e o IMI também será revisto, tendo como objetivo a introdução da progressividade: valor mais baixo para quem tem casas menos valiosas e mais alto para imóveis com avaliações superiores.
No caso do IRS há mais uma novidade, o quociente familiar, incluído no OE de 2015, será eliminado e substituído por uma dedução por cada filho.
Os feriados estão de volta
Num programa de governo apostado em combater a austeridade, a reposição de dois feriados civis (5 de outubro e 1 de dezembro, já em 2016) e dois religiosos (questão a ser “acordada com as entidades competentes”) surge como forma de “dignificar o trabalho e os direitos dos trabalhadores”.
Passos Coelho suprimiu, em 2013, os feriados do Corpo de Deus (móvel), 5 de outubro, 1 de novembro e 1 de dezembro, irritando direita e esquerda. Costa devolve-os, agradando a todos (menos à troika).
Esqueçam o Citius
Durante dois meses, em 2014, a justiça viveu em “estado de ‘citius’”. A plataforma informática criada para a gestão de processos colapsou antes mesmo do arranque do ano judicial. O PS quer fazer uma nova versão do Citius, com outras funcionalidades. Mas não é só. A reforma do mapa judiciário feita pela anterior ministra, Paula Teixeira da Cruz, vai ser passada a pente-fino para a “correção de erros”. Por outras palavras, um dos maiores ímpetos reformistas dos últimos anos, numa área tão nuclear como a Justiça, pode estar em risco.
Concessões de transportes em banho-Maria
Os concursos para a concessão do Metro do Porto, Metro de Lisboa, Carris e STCP foram lançados e os contratos entregues no Tribunal de Contas (TC). Por mais de uma vez, o TC devolveu o processo, pediu esclarecimentos às empresas. Chegará o Tribunal a ser esclarecido? Se não for, esse será o primeiro sinal de que a revolução que PSD e CDS queriam implantar nos transportes será travada a fundo.
A conclusão da venda de 61% do capital da TAP foi assinada no dia 12, contra os apelos do PS, que quer manter a maioria do capital social da transportadora aérea no Estado. Entretanto, elementos da Associação Peço a Palavra apresentaram, no dia 30, uma queixa-crime contra os ex-secretários de Estado dos Transporte e do Tesouro, o presidente da Parpública e os novos donos da TAP, por suspeita de “burla” no negócio. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.
O regresso dos mínimos sociais
O PS quer levar as “políticas de mínimos sociais” para os níveis pré-austeridade. As pensões (congeladas desde 2010) hão de aumentar logo que se reponha a Lei n.º 53-B/2006, suspensa há cinco anos. A Contribuição Extraordinária de Solidariedade – introduzida em 2011, ainda pelo governo PS, para pensões acima dos €5 000 – foi adulterada nos últimos anos. Passos e Portas foram alargando a sua aplicação até o Tribunal Constitucional pôr fim à sua generalização. Hoje, a CES regressou a níveis próximos dos de 2011, aplicando-se a pensões superiores a €4 611. Mas não chega. Costa quer reduzi-la em 50% em 2016 e extingui-la em 2017. O diploma está em discussão pública até dia 15.
O Rendimento Social de Inserção (RSI) e os Complementos Solidário para Idosos (CSI) e de Reforma no setor empresarial do Estado dependem da aprovação do OE para 2016. Nestes, o PS quer mudar valores, condições de acesso e de manutenção do RSI e pretende que o CSI, “o instrumento mais eficaz de redução da pobreza entre os idosos”, abranja mais beneficiários, repondo o rendimento de acesso à prestação em €5 022/ano.