E se José Sócrates ou outro arguido da Operação Marquês tiverem sido beneficiários do misterioso saco azul do Grupo Espírito Santo (GES)? E se as respostas a parte do circuito do dinheiro do processo Marquês estiverem na ES Enterprises, a empresa do GES com sede nas Ilhas Virgens Britânicas e que está a ser investigada nos processos ao universo Espírito Santo por suspeitas de pagamentos não documentados? As hipóteses, ao que a VISÃO apurou, estão a ser levantadas pela equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, que no mês passado pediu ao Parlamento toda a informação recolhida sobre a ES Enterprises no âmbito da comissão de inquérito à queda do BES e do GES.
O elo que liga diretamente a ES Enterprise à Operação Marquês é Helder Bataglia, o empresário luso-angolano que transferiu 12 milhões de euros para uma conta suíça de Joaquim Barroca, patrão do grupo Lena, milhões esses que acabaram nas contas do empresário Carlos Santos Silva. E que, simultaneamente, foi um dos beneficiários do alegado saco azul do GES, depois de ter assinado um contrato com a ES Enterprises.
Apesar de Bataglia ser um dos principais suspeitos do processo Marquês, e uma peça fundamental para se perceber as razões das transferências, o luso-angolano ainda não foi constituído arguido por se encontrar fora de Portugal. O empresário está também a ser investigado no processo Monte Branco.
A primeira suspeita do Ministério Público era de que a motivação para as transferências de Bataglia estaria em Vale do Lobo, o empreendimento turístico de luxo algarvio. Porquê? Porque Bataglia é um dos accionistas de Vale do Lobo. Porque outros dois milhões terão vindo de um holandês que comprou um lote no resort. E porque o ex-ministro Armando Vara estava na Caixa Geral de Depósitos (CGD) quando foi aprovado um financiamento do banco público ao empreendimento.
Agora, o Ministério Público já não descarta a hipótese de que possa haver alguma ligação entre aquelas transferências suspeitas no processo de José Sócrates e o Universo Espírito Santo. Para dar andamento a esta parte da investigação, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) ao Parlamento o envio das declarações de Helder Bataglia na comissão de inquérito à queda do BES/GES, bem como do contrato assinado entre Bataglia e a Espírito Santo Enterprises.
Bataglia foi o primeiro a revelar, numa carta enviada ao Parlamento antes da sua audição na comissão de inquérito, ter sido beneficiário daquela empresa do GES. Por via de um contrato assinado em 2005 entre Bataglia e a ES Enterprises, o empresário luso-angolano terá recebido da empresa, em 2010, 7,5 milhões de euros através da Suíça, país onde tem morada fiscal.
O contrato, já cedido pelo Parlamento ao Ministério Público, previa que Bataglia ajudasse a ES Enterprises em Angola e no Congo em negócios de petróleo, minérios e imobiliário.
Bataglia é, à data, o único beneficiário conhecido daquela empresa do GES que não consta dos organigramas do grupo e que ninguém sabe explicar bem o que era. O Ministério Público investiga há meses a hipótese de esta sociedade ter servido para o grupo liderado por Ricardo Salgado pagar bónus ou comissões a colaboradores e até a responsáveis políticos sem que ficassem contabilizados. O esquema, revelado pelo “Público”, é objeto de um dos muitos processos que investigam o Universo Espírito Santo. De acordo com aquele diário, a empresa do GES pode ter atuado além-fronteiras, como em Angola, Suíça, Brasil ou Venezuela.