A partir de setembro deste ano, o Tribunal Central de Investigação Criminal vai ter outro juiz para assegurar a instrução de processos de criminalidade complexa como o que levou o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, à prisão. O projeto de movimento de magistrados publicado na passada semana indica o madeirense Ivo Batista Rosa para o lugar.
Ivo Nelson de Aires Batista Rosa nasceu em Santana a 17 de setembro de 1966. Licenciou-se em Direito, em Coimbra, e em 1990 regressou à Madeira, onde quis fazer o estágio em advocacia. Pediu ao marido da madrinha de um dos seus quatro irmãos – o jornalista Gil Rosa – para o receber no seu escritório.
Mas Ivo, que tinha estudado com o apoio da mãe (os pais, entretanto, haviam-se divorciado), precisava de dinheiro e acabou por não concluir o estágio. Foi trabalhar para os CTT e como assessor jurídico da Câmara Municipal do Funchal. Mas rapidamente chegou a notícia de que tinha lugar no curso de formação de juízes, no Centro de Estudos Judiciários.
Ivo, então com 26 anos, rumou a Lisboa. E, depois do curso, voltou à Madeira. No regresso, passou por algumas comarcas locais e ficou conhecido por ter sentenças prontas “ao terceiro ou quatro dia”, ajudando a ‘desempanturrar’ tribunais.
Na fugacidade dos primeiros anos de trabalho, acabou por ser alvo de uma queixa. Uma das suas testemunhas, ouvida por um representante do Conselho Superior da Magistratura que se deslocou à ilha, lembra que o processo não deu em nada. “Diziam que ele não era muito isento”. Ivo desafiava os cânones ilhéus.
No início dos anos noventa, o jovem madeirense já estava de novo em Lisboa. Passou pelo TCIC e pela Boa Hora. Depois de trabalhar 15 anos como juiz em Portugal, foi para Timor, integrado numa missão da ONU. Em maio de 2008, foi escolhido para um dos cargos mais relevantes no sistema judicial daquele território: o Tribunal de Recurso. E aí começaram os seus problemas.
Ivo Batista Rosa acabou por ser afastado daquele órgão, numa decisão do Conselho Superior de Magistratura de Timor, tomada no final de 2008. Relatavam os magistrados que assinam a ata a que a VISÃO teve acesso que “o senhor juiz tem o hábito de controlar o trabalho dos outros juízes nacionais, perguntando o que têm feito em cada dia, desautorizando-os sem isenção e independência nas suas decisões”. E também que “tem desenvolvido más relações com outros juízes internacionais ao levar a cabo uma campanha de denegrimento, pela qual desejava mostrar que ele era melhor que outros colegas seus”.
Consequência: o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) decretou “não proceder não proceder à prorrogação da ‘letter of agreement’ do Sr. Juiz Ivo Nelson de Caires Batista Rosa, pelo que, termina no prazo nela previsto (31/12/2008) o seu exercício de funções em Timor-Leste”.
Acrescentem-se, em abono da História, dois outros episódios que terão contribuído para o afastamento de Ivo Rosa. Primeiro: o juiz acusou, num despacho, altas individualidades do Estado timorense de desrespeitarem os tribunais, ao interferirem com mandados de captura ao foragido Alfredo Reinaldo. Segundo: o mesmo magistrado foi relator do acórdão que declarou a inconstitucionalidade e ilegalidade de várias leis do Orçamento do Estado, em 2008.
A decisão de ‘expulsar’ Ivo Rosa tomada pelo CSMJ foi, mais tarde, contestada e declarada ilegal, mas nessa altura já o juiz tinha regressado a Portugal. Uma vez cá, a trabalhar nas varas criminais de Lisboa, Ivo Rosa não deixou de ser incómodo. Em janeiro de 2011, assinou uma carta aberta dos juízes portugueses aos deputados da Assembleia da República, contra “a nova penalização da remuneração líquida dos magistrados” que podia chegar aos 19 por cento.
Em 2012, ainda voltou a internacionalizar-se, através do Mecanismo Residual Internacional de Tribunais Penais, mas desde 2014 está na primeira secção criminal da Instância Central de Lisboa.
Percurso
- Timor – Foi afastado do Tribunal de Recurso depois de decretar a insconstitucionalidade de normas do Orçamento do Estado, em 2008
- Guiné-Bissau – Durante alguns meses, em 2009, foi juiz-formador de juízes naquele território, tal como já havia feito em Timor
- Funchal – Ainda jovem juiz, foi alvo de uma queixa por parte da elite funchalense. acusavam-no de ser pouco isento
- Coimbra – Entre 1985 e 1990 estudou Direito em Coimbra e, diz quem sabe, era um marrão generoso, que emprestava os apontamentos aos colegas
- Lisboa – Não é a primeira vez que está no Tribunal Central de Investigação Criminal, Carlos Alexandre foi seu sucessor nesse órgão