O edifício cor-de-rosa ocupa quase um quarteirão inteiro, numa das zonas mais nobres de Lisboa. Lá dentro, o frenesim das máquinas de impressão continua, mas agora já não trabalham noite e dia para produzir, diariamente, os 3 milhões de páginas de papel que divulgavam, todos os dias, as regras que regem a nossa vida coletiva: o Diário da República (DR), jornal onde são publicados os atos normativos que constituem o nosso ordenamento jurídico – leis, decretos, resoluções, portarias, acórdãos e mais outros 55 tipos de diplomas. Na Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), situada entre o jardim do Príncipe Real e o Largo do Rato, a rotativa é agora peça de museu, substituída, recentemente, pela moderna impressora digital.
Recuemos, então, e para já, ao passado e façamos uma espécie de Conta-me como era o DR…
A agitação é constante. Mais de cem operários trabalham na unidade gráfica que se estende por dois pisos do edifício, em permanente correria. Dividem-se em turnos para assegurar a publicação das três séries do DR. Na I e II séries organizam-se os atos da administração central e local e, na III série, os societários (empresariais).
Esta última é a mais trabalhosa. Cada edição – não esqueçamos que é diária – tem 256 páginas e é preciso imprimir 6 mil exemplares. As bobinas de papel desembocam de forma ininterrupta na rotativa. O jornal tem de chegar aos assinantes a tempo e horas. Nas livrarias da INCM, onde se compram exemplares avulso, o corre-corre fica por conta dos dias em que é publicado o Orçamento de Estado, ou quando é oficializada uma nova “lei das rendas”. Aí, dezenas de idosos, fazem fila. Por altura das nomeações governamentais não é raro o próprio nomeado lá passar e comprar um exemplar para memória futura.
Novo site do DR
Avancemos para os dias de hoje e para o Conta-me como é o DR. O jornal deixou, em 2006, de ter suporte físico (papel) para se instalar no mundo virtual (computador/internet) – já agora, prevê-se a remodelação do site para breve.
O papel não acabou de vez, mas quase. “E também saíram daqui toneladas de chumbo [o metal com que se estampavam as letras no papel]”, lembra Ricardo Barreiros, 58 anos, responsável de Operações do INCM.
Agora, apenas se imprimem cerca de 500 exemplares da I Série (só para assinantes que o requeiram). A II Série não sai, sequer, em papel e a III deixou mesmo de existir – o registo dos atos societários passou para o site do Ministério da Justiça. E naquele meio milhar já estão incluídos os 12 exemplares obrigatórios para depósito legal na Torre do Tombo, Biblioteca Nacional e órgãos superiores (Presidência da República, Assembleia da República, Conselho de Ministros, supremos tribunais, Tribunal Constitucional e Procuradoria-Geral da República).
Além disso, só mesmo através do ecrã de computador, onde o DR eletrónico está disponível de forma universal e gratuita, embora, para pesquisas avançadas (por exemplo, por tema), seja necessária uma assinatura paga.
A excitação diária deu lugar a um ambiente mais calmo. Umas breves horas da manhã chegam para a impressão. Tudo o resto – e tudo o resto é praticamente… tudo – fica na divisão tecnológica que se espalha por duas salas amplas.
A lei da informática
Os atos normativos chegam dos seus emissores, que são cerca de 11 mil – administração central e local, tribunais, autarquias, hospitais, serviços municipais, etc. -, através de uma plataforma informática. Depois de recebidos no INCM são validados e registados no sistema. E é nos domínios tecnológicos que continuamos. Os ficheiros são transferidos para a formatação – onde se uniformizam as siglas, abreviaturas ou as letras minúsculas e maiúsculas – e depois para a paginação. E sempre de forma praticamente automática. O software informático pagina sozinho o jornal e apenas “emperra” no caso de detetar um gráfico ou tabela. Aí, intervenção humana precisa-se.
E também se exige quando o português das leis, às vezes, também está, de certo modo, “encravado”. “Os emissores deviam ter especial atenção ao preâmbulo que fala da clareza do discurso utilizado”, nota Carlos Ribeiro, 51 anos, responsável pelo marketing da INCM.
Aliás, o anterior Governo, do PS, mandou publicar os Resumos em Português Claro do DR, mas as críticas fizeram-se ouvir, pois o princípio é que o DR esteja em português claro. E esses resumos lá acabaram em dezembro passado.
Os escritos da I Série – de onde emanam as disposições dos agentes superiores, como a Presidência da República, o Governo ou a Assembleia da República – são gratuitos e, dos que se destinam à II Série, apenas 40% são pagos. Destes, mais de metade não chega aos 50 euros. Refira-se ainda – e avisamos que isto também acontece nos jugos cibernéticos – que os atos têm de ser pagos antes da publicação. Simples: através da referência multibanco que o sistema gera.
É, pois, na obediência total às leis da informática que hoje se publica o DR, o jornal cujas origens remonta a 1715, altura em que se intitulava Gazeta de Lisboa.