Os dois estudantes portugueses que, durante quatro dias, foram impedidos pelas autoridades ucranianas de sair daquele País por serem “africanos” já conseguiram atravessar a fronteira e chegar à Polónia.
A informação foi avançada pela página de Instagram “Presos na Fronteira” e, mais tarde, confirmada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que admitiu “grande alegria” pelo desfecho e agradeceu o contributo da embaixadora da Ucrânia em Lisboa, Inna Ohnivets, para a resolução do caso. “[A embaixadora da Ucrânia] Foi incansável em resolver o problema quando ele foi sinalizado”, elogiou Santos Silva.

Domingos Ngulond, 22 anos, e Mário Biangnê, 24, eram, até à última quarta-feira, véspera do início da ofensiva militar russa, estudantes na Universidade Nacional de Medicina de Ternopil, 480 quilómetros a oeste de Kiev. Logo na sexta-feira, os dois portugueses (com ascendência africana) chegaram a Shehyni, a apenas cinco quilómetros de Medyka, já no lado polaco. Nesse dia, percorreram a distância a pé, até à fronteira, mas, durante quatro dias, permaneceram no mesmo local, pois sempre que chegavam ao destino final acabavam “atirados para o fim da fila”.
“Africanos, não! Africanos, têm de ir para o fim da fila!”, disseram-lhes, várias vezes, as autoridades ucranianas que controlam as multidões de dezenas de milhares de pessoas que, diariamente, cruzam a fronteira com a Polónia para fugir de um País em guerra. A prioridade tem sido para mulheres e crianças. Homens brancos, depois.
A discriminação racial na fronteira ucraniana já tinha sido, aliás, confirmada, há dois dias, pela jornalista Stephanie Hegarty da BCC, no Twitter, que relatou um episódio idêntico, no mesmo local, envolvendo um estudante de Medicina nigeriano. Segundo a jornalista, os militarers ucranianos têm justificado a opção com uma única frase: “Ucranianos, passam primeiro”.”O estudante com quem falei disse-me que foram os soldados ucranianos, e não os guardas fronteiriços polacos que lhe disseram isto”, esclareceu a repórter britânica.
Outra situação semelhante foi ontem noticiada pelo projeto de jornalismo de investigação Lighthouse Reports, que publicou um vídeo filmado na estação de comboios de Lviv, onde, aparentemente, uma jovem negra é impedida de subir a bordo.
Também durante o dia ontem, a União Africana expressou preocupação e classificou como “chocantemente racista” que cidadãos africanos sejam impedidos de fugir da guerra. Estes episódios começam, agora, a ganhar contornos globais, com vários órgãos de comunicação social europeus de referência – como, por exemplo, o The Guardian ou a BBC –, a relatarem igualmente, nas últimas horas, situações similares.