Em 1948, os britânicos deixaram a Palestina e foi fundado o Estado de Israel. As narrativas israelita e palestiniana diferem de forma marcante, em especial no que se refere ao êxodo dos árabes palestinianos e à vitória de Israel na guerra subsequente.
- Porque é que os britânicos decidiram retirar-se da Palestina?
- Porque é que o plano da ONU para a partilha levou à guerra civil?
- O que provocou o êxodo dos árabes palestinianos?
- Como e porquê é que Israel venceu a guerra de 1948-1949?
O fim do Mandato Britânico
A Palestina manteve-se relativamente calma durante a Segunda Guerra Mundial. Os árabes ficaram exaustos e sem líderes no final da Revolta, enquanto a criação de uma enorme base militar britâ- nica e a procura consequente de comida e outros bens de produção local trouxeram um período de prosperidade económica.
Os sionistas tinham sofrido um revés sob a forma do Livro Branco de 1939, em que os britânicos deixaram cair a ideia de um Estado judaico. Todavia, a maior parte dos judeus da Palestina deci- diu apoiar a Grã-Bretanha na luta contra a Alemanha nazi. Alguns combateram no exército britânico, o que lhes permitiu adquirir uma experiência militar valiosa e até armas. Em 1944, os voluntá- rios judeus da Palestina foram reunidos numa brigada especifica- mente judaica do exército britânico.
Os britânicos estavam preocupados com vencer a guerra contra a Alemanha e pensavam pouco no futuro da Palestina. Mantinham a sua política de controlar a imigração de judeus para a Palestina, a fim de não antagonizarem os árabes, mas isso limitou-se a aumen- tar os temores dos sionistas de que esquecessem as promessas que haviam feito de apoiar uma pátria judaica.
Ben-Gurion e os líderes sionistas acabaram por compreender que a potência estrangeira cujo apoio deveriam procurar era a superpotência emergente, os Estados Unidos. Em maio de 1942, isso tornou-se mais claro depois de os presentes numa conferência sionista nos Estados Unidos terem anunciado o seu apoio a uma «comunidade judaica» em toda a Palestina, algo que veio a ser conhecido como o Programa de Biltmore, devido ao nome do hotel de Nova Iorque – a cidade com a maior população de judeus do mundo – onde se rea- lizou a conferência. Agora, Ben-Gurion falava na «coação implacá- vel» necessária para levar a cabo a transferência dos árabes, de modo que ficasse apenas um número «controlável» deles dentro do Estado judaico.
Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os britânicos anunciaram que não haveria alterações à sua política na Palestina. Por outras palavras, não haveria um grande aumento da imigração, nem um Estado judaico independente. Mas a guerra reforçara a determinação dos sionistas: seis milhões de judeus ti- nham sido mortos no Holocausto nazi e os sionistas não se encon- travam na disposição de ser pacientes. Estavam convencidos de que tinham a justiça do seu lado e de que a opinião pública internacio- nal acabaria por concordar no apoio à ideia de um Estado judaico independente.
Em agosto de 1945, a Conferência Sionista em Londres abandonou a política gradual de continuar a negociar com os britânicos, que Weizmann e a WZO sediada em Londres tinham preferido, e exigiu a criação imediata de um Estado judaico e uma política de oposição ativa ao domínio britânico na Palestina. Os líderes judeus da Palestina ordenaram ao Haganah, a organização paramilitar judaica, que cooperasse com a Irgun e o Grupo Stern, um grupo dissidente de sionistas militantes. Bases militares britânicas, vias-férreas, comboios e pontes na Palestina, bem como o oleoduto até Jafa, tornaram-se alvos desses grupos.
Na frente diplomática, os sionistas decidiram que só os Estados Unidos poderiam exercer pressão suficiente sobre a Grã-Bretanha para que esta concordasse com um Estado judaico separado e aban- donasse a Palestina. Os sionistas tinham o apoio da maior parte da população de judeus dos Estados Unidos que, por sua vez, exerceu pressão sobre o governo americano. Havia 4,5 milhões de judeus americanos, dois milhões deles só em Nova Iorque. No final da guerra, a maioria dos judeus americanos era composta por sionistas convictos da necessidade de fundar um Estado judaico indepen- dente para os refugiados judeus que tinham sobrevivido ao Holo- causto nazi na Europa.
Depois da guerra, os sionistas americanos, a que se juntaram com frequência os líderes judeus da Palestina, lançaram uma ofensiva propagandística: falaram em reuniões, realizaram comícios, publi- caram anúncios e, acima de tudo, fizeram lobby junto de membros do governo e do Congresso norte-americanos. Em abril de 1946, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, exortou o governo britânico a autorizar a entrada imediata de cem mil refugiados judeus na Palestina. Seis meses mais tarde, veio a público apoiar a partilha da Palestina.
Os árabes palestinianos continuavam a opor-se à ideia de um Es- tado judaico na Palestina, que temiam viesse a ser ocupado por imi- grantes europeus, que exigiriam mais expansão e um Estado judaico que incorporasse toda a Palestina. Além disso, muitos árabes argu- mentavam que o Ocidente devia assumir a responsabilidade pelas vítimas do Holocausto, e era injusto ver a Palestina como a solução de um problema europeu. O Ocidente podia ter visto a questão dos judeus como um assentamento de refugiados, mas, para os palestinianos, tratava-se de serem deslocados pelos colonos que chegavam. Exigiam o fim da imigração de judeus e a proclamação de um Estado palestiniano independente.
Entretanto, as autoridades britânicas impediam barcos cheios de imigrantes ilegais judeus de desembarcarem na Palestina. Sa- biam que a imigração judaica enfurecia os árabes e, quando eclodia a violência entre judeus e árabes, os soldados e polícias britânicos tinham de manter a ordem. Os britânicos recusaram-se a concor- dar com qualquer aumento da imigração, uma vez que compreen- diam que mais imigração de judeus encontraria resistência por parte dos árabes e podia conduzir à guerra civil. Pelo seu lado, o Haganah fazia o que podia para pôr entraves aos britânicos e ajudar a imigração.
Terrorismo judaico
Os ataques dos judeus às forças britânicas aumentaram, por vezes como retaliação por condenações à morte de combatentes judeus. Em julho de 1946, a Irgun levou a cabo o seu ato terrorista mais espeta- cular – o atentado contra o King David Hotel, em Jerusalém, que al- bergava o quartel-general das forças armadas britânicas na Palestina, e estava protegido por arame farpado, metralhadoras e patrulhas de soldados.
Ao meio-dia de 22 de julho de 1946, um camião avançou até à entrada da cozinha do hotel. Homens vestidos como árabes saíram, descarregaram os canados de leite que transportavam e rolaram-nos para dentro do edifício. Ninguém pensou que os recipientes contives- sem explosivos de alta potência nem que os homens fossem membros da Irgun. Às 12h37, a explosão dilacerou o edifício, matando 91 pes- soas, entre as quais quinze judeus.
Atentados terroristas como estes enfraqueceram o moral dos bri- tânicos, tanto na Palestina como no seu país, e levaram também à frustração e ira perante o que viam como o apoio dado pelos sionistas americanos ao terrorismo. Depois do assassínio de vinte soldados ingleses num clube para oficiais em Jerusalém, em fevereiro de 1947, Clement Attlee, o primeiro-ministro britânico, queixou-se de uma notícia que ouvira, segundo a qual o presidente da Câmara Muni- cipal de Nova Iorque lançara uma campanha sionista destinada a angariar 2 milhões de libras para a aquisição de «homens, armas e dinheiro». Attlee protestou que «as armas para as quais se está a fazer um peditório na América só podem ser necessárias para atirar contra soldados britânicos na Palestina».
Dois incidentes, no verão de 1947, convenceram finalmente os britânicos a abandonar a Palestina. Um deles foi o assassínio de dois soldados britânicos como vingança pela execução de três membros da Irgun. A fotografia dos dois homens enforcados numa árvore apa- receu na primeira página de vários jornais britânicos.
O outro envolveu o Exodus, um navio que transportava 4500 re- fugiados da Europa e que foi impedido pelas autoridades britânicas de desembarcar os seus passageiros na Palestina, tendo sido recam- biado para a Europa. Este incidente atraiu ampla publicidade e gerou muita solidariedade para com os refugiados judeus, constituindo um grande êxito de relações públicas para os sionistas, enquanto as auto- ridades britânicas eram alvo de críticas em todo o mundo.
O plano da ONU para a partilha e a Guerra Civil (1947-1948)
Logo em fevereiro de 1947, o governo britânico pediu o parecer das Nações Unidas, que tinham sido constituídas no final da Segunda Guerra Mundial. Foi criado o Comité Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP) para investigar e apresentar recomendações sobre como resolver o problema da Palestina. O re- latório do UNSCOP ficou terminado em agosto.
Em novembro, a Assembleia Geral da ONU votou a aceitação das recomendações do relatório por trinta votos a favor e treze contra (com dez abstenções). A principal recomendação era dividir a Palestina e criar tanto um Estado judaico como um palestiniano. As áreas que eram mais judaicas (em termos de população e pro- priedade do solo) seriam atribuídas ao Estado judaico e as que eram principalmente árabes, ao Estado árabe.
Embora os judeus constituíssem um terço da população e fossem proprietários de menos de 10 % das terras, iriam ser-lhes concedidos 55 % de todo o território, incluindo o deserto do Negueve, escassa- mente povoado. Foi atribuído mais território ao Estado judaico em parte para poder receber os refugiados judeus encalhados na Europa.
No que deveria vir a ser o Estado judaico, havia uma população de 520 000 judeus e 400 000 árabes. A partilha sugerida apresentava uma disposição cruzada, com «pontos de contacto» nas interseções. A ONU pensava, de forma um pouco otimista, que isso iria obrigar os dois lados a cooperar. Um zona internacional administrada por uma força internacional abrangeria as cidades santas de Jerusalém e Belém.
A AHC reorganizada, que representava os árabes palestinianos, repudiou o plano da ONU para a partilha, em especial porque o Estado judaico previsto era maior e continha algumas cidades, como Haifa, com maiorias árabes. A Agência Judaica na Palestina aceitou o plano: os judeus da Palestina ficaram contentes por terem agora o apoio internacional à ideia de um Estado judaico.
No entanto, nem todos os judeus da Palestina estavam felizes com este plano. Jerusalém, com a sua população maioritária de judeus, e muitos colonatos judaicos iriam ser incluídos no Estado árabe. David Ben-Gurion afirmou: «Dezenas de milhares dos nos- sos jovens estão dispostos a entregar as suas vidas por causa de Je- rusalém. Está tanto no interior das fronteiras do Estado de Israel como Telavive.»2
Menachem Begin, líder da Irgun (e futuro primeiro-ministro de Israel), anunciou: «A partilha da pátria é ilegal. Nunca será reconhe- cida. Não vinculará o povo judeu. Jerusalém foi e será para sempre a nossa capital. A Eretz Israel será devolvida ao povo de Israel. Na totalidade. E para sempre.»3
A Guerra Civil na Palestina: novembro de 1947 a maio de 1948
Alguns dias depois de a ONU ter votado a favor da partilha, a AHC proclamou uma greve de três dias, que conduziu a surtos de violência contra civis judeus. A Agência Judaica e as suas for- ças estavam prontas para responder. Sempre tinham sabido que os árabes iriam opor resistência à fundação de um Estado judaico na Palestina.
Em dezembro de 1947, quando os britânicos anunciaram que sairiam da Palestina daí a cinco meses, em maio de 1948, os com- bates entre árabes e judeus intensificaram-se num ciclo de ataques, retaliação e vingança. As forças judaicas estavam muito mais bem preparadas do que as árabes, tanto em termos políticos como mi- litares. A Agência Judaica era «a organização mais eficiente, dinâ- mica e dura que alguma vez vi», comentou o deputado britânico Richard Crossman durante uma visita oficial à Palestina.
A Agência tinha à sua disposição 35 000 homens e mulheres treinados, no Haganah, e mais umas centenas na Irgun e no Grupo Stern. No início, as forças dos judeus agiram defensivamente, pro- curando manter o território que lhes fora atribuído. Os árabes palestinianos, em contrapartida, tinham líderes profundamente di- vididos, meios financeiros bastante limitados e não dispunham de uma autoridade nacional única que criasse, organizasse e coman- dasse uma força militar. Em 1948, voluntários da Síria e do Iraque começaram a entrar na Palestina para ajudar. Eram patrocinados pela Liga Árabe recém-formada e vieram a constituir o Exército de Libertação Árabe (ALA).
Não foi de todo uma surpresa para os líderes dos judeus, que esperavam que os Estados árabes vizinhos invadissem a Palestina quando os britânicos saíssem e passasse a existir o novo Estado ju- daico. Em março, os comandantes do Haganah gizaram o Plano Dalet (Plano D), que tinha dois objetivos principais:
- tomar todas as instalações deixadas pelos britânicos, em especial bases militares;
- levar a cabo a «destruição e expulsão ou ocupação» de aldeias árabes no futuro Estado judaico.
Em fevereiro de 1948, muitos dos membros da elite palestiniana, como proprietários rurais e homens de negócios, já haviam deixado a Palestina para fugirem dos combates, o que contribuiu para a in- segurança no seio das populações árabes, sobretudo nas aldeias, e encorajou outros a partir.
Então, em abril de 1948, as forças judaicas deram início à expul- são forçada de árabes das aldeias no interior do que iria ser o Estado judaico. As populações árabes foram evacuadas de quase todas as aldeias ao longo da costa, de Telavive a Haifa.
O historiador israelita Ilan Pappe explica como as forças judai- cas «cercavam cada aldeia por três lados e empurravam os aldeões para a fuga pelo quarto lado»5. Quando as pessoas se recusavam a partir, eram frequentemente metidas à força em camiões e levadas para a Transjordânia. As forças judaicas também tomaram cidades de população mista de árabes e judeus, como Haifa, onde houve explosões nas zonas árabes da cidade. Quase todos os 70 000 habi- tantes árabes abandonaram a cidade.
Nas semanas que antecederam a retirada britânica da Palestina, alguns dos combates mais sangrentos ocorreram no interior e em redor de Jerusalém, onde cem mil judeus estavam a ficar sem ali- mentos. Os massacres de civis foram realizados pelos dois lados. Alguns dos ataques das forças judaicas aconteceram em retaliação por ataques de árabes a colonatos de judeus ou a colunas de viaturas que tentavam abastecer a população judia de Jerusalém.
Um incidente amplamente publicitado ocorreu em abril de 1948 na aldeia de Deir Yassin. Era a última aldeia no lado ocidental de Jerusalém cujos habitantes árabes não tinham fugido. A 9 de abril, combatentes da Irgun, liderados por Menachem Begin, atacaram a aldeia e mataram mais de cem habitantes, sendo 75 deles idosos, mulheres e crianças. O próprio Begin escreveu mais tarde sobre os efeitos: “Por todo o mundo árabe e no mundo em geral, desencadeou-se uma onda de propaganda mentirosa sobre as «atrocidades dos judeus». […] Os árabes começaram a fugir aterrorizados, ainda antes de en- trarem em confrontos com forças judaicas. […] A propaganda árabe espalhou uma lenda de terror entre os árabes e os soldados árabes, que eram tomados de pânico à mera menção dos soldados da Irgun. A lenda teve o valor de meia dúzia de batalhões para as forças de Israel.”
Os árabes vingaram-se uns dias mais tarde quando embosca- ram uma coluna de viaturas que se dirigia para um hospital em Jerusalém e mataram 78 pessoas, incluindo médicos e enfermeiros.
Narrativas opostas do êxodo dos palestinianos
Quando os britânicos partiram, a 14 de maio de 1948, mais de 300 000 árabes tinham já fugido do que viria a ser o Estado de Israel independente. De então para cá, tem havido um debate cons- tante sobre se os palestinianos foram expulsos ou decidiram sair.
A interpretação sionista: os árabes saíram voluntariamente
A interpretação sionista padronizada é que, após novembro de 1947, as ações militares dos judeus foram em grande medida defen- sivas e se destinaram a proteger os colonatos judaicos, em especial os mais isolados, como os do deserto do Negueve. As forças judaicas também estavam decididas a manter abertas as estradas para Jerusalém, onde havia cerca de 2500 judeus que viviam na Cidade Velha e eram regularmente cercados. Alguns dos combates mais in- tensos ocorreram nessas estradas e em aldeias próximas.
No caso das cidades costeiras, como Haifa e Jafa, e segundo a história oficial sionista, milhares de árabes seguiram o exemplo dos seus líderes, tanto civis como militares, e fugiram. Ademais, os seus líderes exortaram-nos, na imprensa e na rádio, a partir, garantindo-lhes que poderiam regressar com exércitos árabes vencedores e retomar os seus bens imóveis e os seus meios de subsistência.
De então para cá, foram apresentadas explicações alternativas do êxodo árabe e um punhado delas veio de historiadores israelitas. Todavia, os historiadores que contestaram a interpretação pa- dronizada expuseram-se a acusações de antipatriotismo, traidores daqueles que haviam dado a vida pelo seu país, assim garantindo que o Estado de Israel era capaz de se defender e sobreviver a partir do momento em que esses exércitos árabes o invadiram de facto. A interpretação sionista padronizada continuou a dominar, tanto em Israel como no Ocidente, durante muitos anos.
A interpretação revisionista: os árabes foram expulsos
A partir da década de 1980, foram publicadas explicações mais críticas do êxodo árabe, tanto em Israel como fora dele. O apare- cimento dessas interpretações revisionistas é explicado em parte por terem sido tornados públicos alguns documentos oficiais do governo israelita. Tal como os britânicos, os israelitas haviam apro- vado uma lei segundo a qual muitos documentos secretos podiam ser desclassificados e postos à disposição dos historiadores ao fim de trinta anos e, desse modo, documentos relativos aos últimos anos de domínio britânico ficaram disponíveis a partir de finais da década de 1970.
Essas interpretações, como as escritas pelos historiadores is- raelitas Benny Morris7 e Ilan Pappe8, contestavam a interpretação convencional e realçavam que o Haganah e a Agência Judaica acei- taram, ou com toda a certeza fizeram vista grossa, a algumas das operações realizadas pela Irgun e o Grupo Stern. A Agência Judaica repreendeu, de facto, os perpetradores do massacre de Deir Yassin, mas, como Menachem Begin reconheceu, o efeito do massacre foi fazer com que mais umas dezenas de milhares de palestinianos fu- gissem das aldeias árabes circundantes nas poucas semanas entre o massacre e a proclamação do Estado de Israel.
As histórias mais recentes e mais críticas também interpretaram de maneira um pouco diferente o que aconteceu em grandes cidades costeiras como Haifa e Jafa. Fizeram notar que as forças arma- das judaicas estavam decididas a convencer tantos árabes quanto possível a partir, a fim de se assegurarem de que o futuro Estado israelita seria predominantemente judaico. Altifalantes judaicos di- fundiram, nos bairros árabes, notícias do que acontecera em Deir Yassin. As forças da Irgun e do Grupo Stern lançaram bombas para ruas apinhadas de árabes e ajudaram as forças do Haganah na sua campanha de expulsão do máximo de árabes. Apesar das afirma- ções de muitos historiadores, não existem provas registadas de lí- deres árabes a exortarem o seu povo, por meio de altifalantes ou da rádio, a abandonarem rapidamente os seus lares.
O Plano D do Haganah pode não ter sido um roteiro preciso para a expulsão em massa dos árabes palestinianos. Era indetermi- nado e vago em algumas partes, como escreveu Ilan Pappe. Todavia: “Não menos importante do que o plano foi o ambiente criado, que preparou o caminho para a operação de limpeza étnica na Palestina. Assim, embora as ações do Haganah não tivessem diretivas locais claras e específicas, [o plano] foi executado porque os soldados no campo de batalha eram orientados por uma atitude geral vinda de cima e motivada por observações feitas por líderes do Yishuv sobre a necessidade de «limpar» o país. Esses comentários traduziram-se em atos de despovoamento levados a cabo, no terreno, por comandantes entusiastas, que sabiam que as suas ações seriam justificadas retros- petivamente pelos líderes políticos.”
Conclusão
Em anos recentes, surgiu um amplo entendimento entre os his- toriadores. As obras dos «novos historiadores» foram utilizadas por historiadores palestinianos, para os quais o acesso aos arquivos is- raelitas é mais problemático, e serviram de alicerce à que já fora a narrativa histórica dos palestinianos com base nas recordações
dos refugiados. A maior parte dos historiadores concorda agora que não houve um plano específico e pormenorizado ou uma ordem explícita de expulsão sistemática de palestinianos, mesmo que al- guns comandantes locais tenham interpretado, individualmente, o Plano D dessa forma. Todavia, segundo a visão de Benny Morris, houve um consenso que apoiava a ideia de «transferência» da popu- lação, que «condicionou a liderança sionista e, abaixo dela, os fun- cionários e os oficiais […] com uma mentalidade que estava aberta à ideia e execução de transferência e expulsão».
Um das razões pelas quais o debate histórico sobre o êxodo árabe tem sido tão intenso é o facto de tocar no cerne da imagem que Israel tem de si. Os comentadores israelitas, tanto historiadores como líde- res políticos, estavam, na sua maioria, ansiosos por apresentar Israel como a vítima inocente, e não o conquistador, nos acontecimentos que ocorreram entre 1947 e 1949.
A guerra de 1948-1949
A 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion proclamou o nascimento do novo Estado de Israel, «um Estado judaico criado por e para o povo judeu». No dia seguinte, forças armadas da Síria, Iraque, Transjordânia e Egito entraram na Palestina. Por conseguinte, o Estado de Israel nas- ceu em guerra e o seu primeiro objetivo foi a sobrevivência.
A Guerra da Independência de Israel, como é conhecida no país, iria consistir em três fases de combates, entrecortados por cessar-fogos sob a égide da ONU.
A primeira fase de combates: 15 de maio a 10 de junho de 1948
No sul, um exército egípcio de dez mil homens cruzou a fronteira perto da costa e atacou alguns colonatos isolados de judeus no que se considerava ser parte do novo Estado árabe. No norte, forças sírias cruzaram a fronteira, mas encontraram a resistência de colo- nos judeus e forças do Haganah, tendo estas últimas vindo a formar mais tarde as Forças de Defesa de Israel (IDF). A maior parte dos invasores foi obrigada a retirar. Tinham falta de munições e eram as forças árabes com menos experiência.
O conflito mais importante foi a batalha de Jerusalém, tal como já ocorrera nos últimos dias do Mandato Britânico. Abdullah da Transjordânia deslocou a sua Legião Árabe para defender a Cidade Velha, a Jerusalém Oriental de maioria árabe. Era o seu exército que os israelitas mais desejavam derrotar, por duas razões princi- pais: em primeiro lugar, queriam obter o controlo da Cidade Velha para protegerem os lugares sagrados dos judeus e a minoria judaica que ali vivia; e, em segundo, sabiam que a Legião Árabe era o exér- cito árabe mais eficaz e bem treinado – se conseguissem derrotá-la, então, os outros exércitos árabes desmoronar-se-iam.
No entanto, os israelitas não conseguiram derrotar a Legião Árabe, embora tenham obtido o controlo de Jerusalém Ocidental e conse- guido alimentar e proteger a população judia nessa parte da cidade. Os habitantes árabes fugiram ou foram expulsos.
A 10 de junho, a ONU convenceu as partes beligerantes a acorda- rem um cessar-fogo. Durante o intervalo, os israelitas conseguiram novos fornecimentos de armas da Europa Oriental, sobretudo dos checos. (A Grã-Bretanha havia sido o principal fornecedor de armas ao Egito, Jordânia e Iraque, mas acatou o embargo da ONU ao forne- cimento de armas aos beligerantes.) Os israelitas também usaram o cessar-fogo para recrutar mais homens e reorganizarem-se e rearma- rem-se, o que lhes proporcionou uma vantagem significativa; quando os Egípcios quebraram a trégua, os israelitas passaram à ofensiva e retiraram a iniciativa às forças árabes.
A segunda fase de combates: 9 a 18 de julho de 1948
Na segunda fase dos combates, a prioridade dos israelitas foi tentar alargar o corredor que conduzia a Jerusalém, conquistando, ao fazê-lo, território atribuído aos árabes. Estavam particularmente ansiosos por controlar esse território a fim de se anteciparem a qualquer plano de paz da ONU que os pudesse obrigar a recuar até às fronteiras que haviam sido traçadas no plano de partilha de 1947. Foram bem-sucedidos em grande medida e, embora detivesse
a Cidade Velha de Jerusalém, a Legião Árabe não tentou tomar ter- ritório atribuído ao Estado judaico.
No sul, os israelitas resistiram a novos avanços egípcios no Ne- gueve (ver mapa na p. 78), ao mesmo tempo que tomaram Nazaré, no norte, e diversas outras cidades árabes no centro. Nos dez dias de combates desta segunda fase da guerra, Israel melhorou a sua posição e manteve a superioridade durante o resto do conflito.
No período das segundas tréguas, em setembro, o conde Bernadotte, o sueco que era mediador especial da ONU, apresentou um plano de paz, que dava mais território aos árabes a sul e mais território aos israelitas a norte, mas Jerusalém continuava a ser uma cidade inter- nacional sob controlo da ONU e os refugiados árabes teriam todos o direito de regressar a suas casas.
No dia seguinte, Bernadotte foi assassinado pelo Grupo Stern. O novo governo israelita queria conservar o apoio internacional e ordenou a dissolução do Grupo Stern e da Irgun, tendo alguns dos seus membros sido incorporados então nas IDF.
A terceira fase de combates: 15 de outubro de 1948 a janeiro de 1949
Em meados de outubro, os israelitas quebraram o cessar-fogo e concentraram-se em derrotar os egípcios, no sul. Não só consegui- ram fazê-lo como, inclusive, perseguiram o exército egípcio até ao outro lado da fronteira. Sob pressão da ONU, acordaram a retirada do território egípcio, mas conservaram o controlo total do deserto do Negueve.
Entretanto, no norte, as forças israelitas concluíram a sua to- mada da região da Galileia e, segundo Benny Morris, «as forças das IDF levaram a cabo pelo menos nove massacres de civis e pri- sioneiros de guerra palestinianos»11, seguindo as instruções do co- mandante local, que, após uma reunião com Ben-Gurion, ordenou aos seus homens que pusessem em execução «uma limpeza rápida e imediata das zonas conquistadas».
As consequências da guerra
Um cessar-fogo final foi acordado em janeiro de 1949. A nova nação israelita perdera seis mil vidas, quase 1% de toda a população judaica. Todavia, os israelitas controlavam agora 78 % do que fora o Mandato Britânico da Palestina, em vez dos 55% atribuídos ao novo Estado pela ONU.
Além disso, 400 000 árabes palestinianos tinham saído entre maio de 1948 e janeiro de 1949. A maior parte acabou em Gaza ou no território que confinava com a margem ocidental do rio Jordão. Essa fuga e os acontecimentos de 1947-1949 acabaram por ser conhecidos em árabe como o Nakba, das palavras «catástrofe» ou «desastre».
Para os israelitas, fora a guerra de libertação nacional. Tinham sobrevivido ao seu primeiro teste importante e estavam confiantes em relação ao futuro como nação independente. Um sionista ame- ricano, Nahum Goldmann, escreveu sobre os efeitos psicológicos da vitória israelita: “Parecia mostrar as vantagens da ação direta em relação à negociação e à diplomacia. […] A vitória proporcionava um contraste tão glo- rioso com os séculos de perseguições e humilhação, de adaptação e compromisso, que parecia mostrar a única direção que seria possível seguir a partir de então. Não tolerar qualquer ataque […] e moldar a história criando factos tão simples, tão estimulantes, tão satisfató- rios que se tornou a política de Israel no seu conflito com o mundo árabe.”
As lições que Israel aprendera, em especial a das vantagens da «ação direta em relação à negociação e à diplomacia» e de «moldar a história criando factos» viriam a tornar-se especialmente eviden- tes na política de Israel em anos vindouros.
Acordos de armistício
Entre janeiro e julho de 1949, foram assinados acordos de armistício, sob supervisão da ONU, entre Israel e cada um dos Esta- dos árabes vizinhos.
- O primeiro acordo foi entre Israel e o Egito e confirmou as suas fronteiras anteriores à guerra, enquanto a zona de Gaza da Palestina árabe ficou sob domínio militar egípcio.
- O segundo foi entre o rei Abdullah da Jordânia e Israel. O rei queria que as suas forças mantivessem o controlo da Cisjordânia, o nome dado ao território dos árabes palestinianos a oeste do rio Jordão, que seria governada agora como parte do seu reino. Deste modo, a maior parte da Palestina árabe, incluindo a Cidade Velha de Jerusalém, passou a fazer parte do ampliado Reino da Jordânia, nome pelo qual o Estado passou a ser conhecido. Os israelitas estavam ansiosos por fazer as pazes com o rei de modo a poderem manter o controlo da parte ocidental de Jerusalém, mais nova. Preferiam uma Jerusalém partilhada à zona internacional sugerida pelos EUA e a ONU.
- O terceiro acordo foi entre Israel e a Síria. Quando terminaram os combates no norte, as forças sírias controlavam pequenas porções do território que haviam sido atribuídas ao novo Estado judaico. Em julho de 1948, a ONU negociou que os sírios se retirariam das linhas de cessar-fogo se a área desocupada se tornasse uma zona desmilitarizada. Isso significava que Israel não podia estacionar lá nem soldados nem armas. Este acordo proporcionava uma zona-tampão entre os dois lados.
A «guerra perpétua»
Esperava-se que os acordos de armistício levassem a tratados de paz permanentes, mas não haveria um tratado desse tipo entre Israel e uma nação árabe durante quase trinta anos. As duas questões fundamentais em que se não conseguiu chegar a acordo foram as fronteiras e os refugiados.
Alguns Estados árabes estavam dispostos a entrar em negocia- ções sobre as fronteiras, mas todos se mantinham apegados à politica em relação aos refugiados formulada pela Liga Árabe: Israel criara o problema e, consequentemente, os refugiados tinham o «direito de regressar» aos seus lares ou a serem indemnizados por Israel, que afirmava que os árabes haviam criado o problema dos refugiados ao invadirem Israel e iniciarem a guerra, e que só negociaria se a maior parte dos refugiados fosse instalada fora de Israel.
Havia mais obstáculos à paz permanente. A opinião pública dos países árabes estava muitíssimo azeda em virtude da derrota e do seu ódio a Israel. Para o governo israelita, a paz com os vizinhos ára- bes era desejável, mas não valia o preço de ceder qualquer território ou concordar com o regresso de um grande número de refugiados palestinianos. Além disso, os israelitas acreditavam que o tempo era seu aliado: em vez de exercer pressão para uma paz baseada no plano de partilha elaborado pela ONU, esta organização acabaria por se habituar às novas fronteiras alargadas do Estado israelita e à ideia de uma Jerusalém dividida. Por outras palavras, Israel deci- diu que não precisava de uma paz permanente nem de uma solução para o problema dos refugiados palestinianos. Agora, as suas prio- ridades eram construir o novo Estado, pôr em execução a imigra- ção em grande escala de judeus e consolidar a sua independência.
Como é que Israel venceu a guerra?
Há uma disparidade acentuada no modo como os historiadores procuraram explicar a conclusão da primeira guerra israelo-árabe. Em termos simples: há a interpretação sionista, que hoje em dia ainda é ensinada em grande medida nas escolas israelitas, e a interpretação revisionista.
Nos últimos trinta anos, os historiadores analisaram documentos do governo israelita do tempo da guerra. O mais importante dentre eles é o historiador britânico-israelita Avi Shlaim. Esta «nova» histó- ria concentra-se em duas áreas principais: o equilíbrio militar entre os dois lados e os objetivos de guerra dos árabes.
A interpretação sionista
Esta interpretação sustenta que a guerra foi uma luta entre o mi- núsculo Israel e uma enorme coligação árabe formada por vários exércitos. Israel estava a lutar pela sua sobrevivência contra forças árabes que se encontravam unidas no seu objetivo de destruírem o novo Estado. Israel era o David judeu a combater um Golias árabe. Israel tinha muito menos armas, menos soldados e equipamen- tos piores, e, no entanto e contra todas as expectativas, venceu a guerra graças aos esforços heroicos, à tenacidade e à coragem do seu povo. É a interpretação popular e heroica. Eis um exemplo que vem de Chaim Herzog, que foi oficial do exército, diplomata e, mais tarde, presidente de Israel: “A vitória de Israel foi o resultado do autossacrifício e da determina- ção de um povo de lutar pela sua existência. O espírito que animou o seu povo e a coragem que este refletiu foram consequência de uma forma rara de liderança determinada e inspirada. […] David Ben-Gu- rion [era] um líder forte e carismático […] com coragem suficiente para liderar contra as mais impossíveis expectativas, [apesar] das desvantagens em que o exército israelita operou durante a Guerra da Independência – a sua fraqueza em termos de efetivos [e] a sua falta de armamento moderno.”
A interpretação revisionista
É realmente verdade que, no início da guerra em maio de 1948, os israelitas tinham apenas cerca de 30 000 soldados e as suas armas eram inferiores, mas aumentaram o exército para cerca de 65 000, em julho, e tinham quase cem mil nas fileiras em dezembro de 1948. O número total de soldados árabes envolvidos nos combates era se- melhante no início e também foi aumentando durante a guerra, mas não com tanta rapidez como o dos israelitas.
Em termos de armamento, os israelitas estavam inicialmente mal equipados, mas, em especial durante as primeiras tréguas, entre junho e julho de 1948, tiveram acesso a muito mais equipamento vindo da Europa e, consequentemente, ficaram mais bem armados durante o resto da guerra. Em resumo, ganhou o lado mais forte.
Os israelitas tinham outras vantagens militares. Cerca de 25 000 haviam combatido pelo exército britânico durante a Segunda Guerra Mundial e obtido uma experiência valiosa em termos de treino, organização e tecnologia. A única força árabe que estava bem treinada e era disciplinada eram os dez mil homens da Legião Árabe da Transjordânia, que era financiada em parte pela Grã-Bre- tanha e comandada por oficiais britânicos.
Objetivos de guerra
Os judeus da Palestina, em especial sob a liderança de Ben-Gurion, tinham reconhecido havia muito que iriam precisar de usar a força para fundar o seu novo Estado. Os árabes palestinianos, por outro lado, não dispunham de uma liderança forte e eficaz e não tinham uma força militar coordenada ou instituições estatais embrionárias. Os palestinianos tinham realmente o apoio dos Estados árabes vizinhos, apesar de os governos destes só terem começado a planear a invasão no último minuto. O rei Abdullah da Transjordânia reivindi- cou ser o comandante-chefe, mas os líderes árabes estavam longe de se encontrar unidos nos seus objetivos, e cada um tendia a lutar pelos seus próprios interesses, amiúde para obterem o controlo de um pe- daço de território palestiniano para si mesmos. Houve muito pouca coordenação dos esforços de guerra, o que se tornou particularmente evidente na terceira fase dos combates, quando nenhum dos aliados do Egito respondeu ao seu apelo de ajuda contra as forças israelitas. Além disso, tanto o governo sírio como o egípcio tinham uma desconfiança profunda em relação aos objetivos do rei Abdullah.
O rei Abdullah e os israelitas
O caso do rei Abdullah da Transjordânia é particularmente sig- nificativo. Antes da guerra, tivera um encontro secreto com Golda Meir, uma das líderes dos judeus palestinianos (e outra futura pri- meira-ministra de Israel), e dera-lhe a saber que não pensava que um Estado árabe palestiniano pudesse sobreviver por si só. Julgava que seria demasiado fraco e desejava ligá-lo à Transjordânia. Via-se como líder de um Estado árabe ampliado (e, neste ponto, tinha algum apoio dos britânicos). Também garantiu aos líderes dos ju- deus que não invadiria território atribuído ao novo Estado judaico. Nesta reunião, não foram celebrados acordos formais, mas origi- nou-se um clima de entendimento mútuo.
Quando começou a guerra, a Legião Árabe do rei Abdullah avançou para defender a Cidade Velha de Jerusalém da ofensiva israelita e conservou-a durante a guerra, mas fez poucos esforços para impedir que os israelitas tomassem Jerusalém Ocidental e também não inva- diu territórios do novo Estado judaico. Além disso, a Legião Árabe manteve-se neutra quando os israelitas combateram as forças egíp- cias e ignorou os apelos de ajuda destas últimas na segunda e terceira fases do conflito.
Por outras palavras, o exército da Transjordânia invadiu o que deveria ser o novo Estado árabe, mas nunca invadiu território judaico israelita. O seu objetivo era obter o controlo da maior parte da Pa- lestina árabe (no lado ocidental do rio Jordão), o que alcançou, mas não destruir o Estado de Israel. Israel conseguiu explorar o seu en- tendimento com a Transjordânia para quebrar a corrente de Estados árabes hostis, aprofundar as divisões na coligação árabe e abater os seus adversários árabes, um a um. O facto de Israel e a Transjordânia serem «os melhores inimigos» é ignorado em grande medida na interpretação heroica da guerra.