Quando tudo se conjugava para que a direita regressasse ao poder, nas eleições legislativas do passado domingo, 23, os eleitores espanhóis surpreenderam, dando mais votos ao Partido Popular (PP) de Alberto Núñez Feijóo, mas não os suficientes para que o político galego pudesse cruzar as portas da Moncloa com maioria absoluta, nem mesmo com a ajuda da extrema-direita, depois de o Vox de Santiago Abáscal – o grande derrotado da noite – ter sofrido uma hecatombe, com a perda de 19 deputados.
O Partido Socialista (PSOE) resistiu, conseguindo mais votos e elegendo mais (2) deputados do que em 2019, desenhando-se agora um cenário que faz lembrar a solução governativa encontrada em Portugal, em 2015, quando o PS de António Costa alcançou um acordo de base parlamentar com os partidos da esquerda, BE e PCP. Com estes resultados, Pedro Sánchez pode manter-se na presidência do governo espanhol, com o apoio da plataforma de esquerda Sumar e… do partido separatista Juntos pela Catalunha (JxCat), de Carles Puigdemont.
O cenário tem vindo, porém, a ser contestado, de forma veemente, pela unanimidade dos dirigentes do PP, como Isabel Díaz Ayuso, Fernando López Miras e Alfonso Fernández Mañueco, que lideram, respetivamente, as comunidades de Madrid, Múrcia e Castela e Leão. “O que não pode acontecer é habituarmo-nos a que uma pessoa que perca as eleições possa governar com aqueles que manifestamente odeiam Espanha, e que nos habituemos a que um perdedor tome as rédeas de Espanha”, disse Díaz Ayuso, na segunda-feira, 24.
A posição destes dirigentes contraria, no entanto, as opções… dos próprios, como destaca o jornal espanhol Público: o PP governa, desde 2019, quatro comunidades autónomas onde perdeu as eleições – Isabel Díaz Ayuso, Fernando López Miras e Alfonso Fernández Mañueco chegaram ao poder depois de perderem as eleições, alcançando soluções pós-eleitorais que, agora, classificam como “uma anomalia no sistema”.
Recorda o diário que, há quatro anos, Díaz Ayuso perdeu as eleições da comunidade de Madrid contra o socialista Ángel Gabilondo, mas foi empossada como presidente da região, depois de um acordo para criar um governo de coligação com os Cidadãos e o apoio externo da extrema-direita. A mesma receita foi utilizada por López Miras, que, no mesmo ano, também perdeu as eleições na região de Múrcia frente ao PSOE. Mañueco também perdeu as eleições regionais para o PSOE, mas chegou a um acordo de governo com o Cidadãos, assumindo a junta de Castela e Leão.
Mais: a nível municipal, o PP chegou ao poder em mais de uma centena de ayuntamientos, depois de perder as eleições.
O próprio Juan Moreno, que chegou à presidência da Andaluzia, após um acordo com o Cidadãos e o Vox – “inaugurando” os acordos entre o PP e o partido de extrema-direita –, depois as perder as eleições de 2018 para o PSOE de Susana Díaz (a candidata mais votada), criticou publicamente a possibilidade de Sánchez poder permanecer no poder, com acordos pós-eleitorais: considera que “os derrotados assumirem a presidência do governo” seria “distorcer” “o normal funcionamento da democracia”; mas ignora o seu caso.
Por cá, Luis Montenegro também já reagiu, defendendo que “o PP deve formar governo”, pois ganhou as eleições. O líder do PSD considerou “muito invulgar” a festa dos que perderam [PSOE], continuando a rejeitar a solução encontrada em 2015, que impediu o PSD de Pedro Passos Coelho – que foi o partido mais votado nessas eleições – de se manter como primeiro-ministro, e permitiu a António Costa chegar a S. Bento, apoiado pelos partidos da esquerda parlamentar.